terça-feira, 16 de junho de 2009

72 – Primeiros efeitos da Revolução e 25 de Abril de 1974 no Serviço de Fomento Mineiro (SFM)

Já me tenho referido, em vários posts, à errada interpretação que alguns sectores do SFM deram, relativamente ao uso das liberdades instituídas pela Revolução de 25 de Abril de 1974.
Irei agora descrever algumas das graves irregularidades, que deveriam ter dado origem a procedimento criminal, cujos autores não só ficaram impunes, como foram até magnanimamente recompensados.

Era bem conhecida, através de declarações públicas, a simpatia do Director-Geral de Minas pelo regime salazarista. A ela aludi, nos posts N.ºs 31 e 34.
No N.º 31, cito passagens do discurso proferido perante o Presidente da República, Almirante Américo Tomás e perante membros do Governo, durante a cerimónia de inauguração das instalações do SFM em S. Mamede de Infesta, no qual abundaram rasgados elogios ao chamado “Estado Novo”.
No N.º 34, recordo conversa que julguei orientada no sentido de me comprometer politicamente, perante indivíduo que me não tinha sido apresentado e que connosco viajava, chegando eu a pensar que seria agente da PIDE.

Eram notórios os poderes discricionários que assumia sobre os recursos do SFM, em seu benefício pessoal, como se deles fosse proprietário, com a anuência subserviente do respectivo responsável.
O seu mais directo colaborador (o apelidado de Ajax, o mais poderoso), em conversa comigo, confidenciava-me, numa pseudo-desculpabilização, que ele não distinguia entre o que lhe pertencia e o que eram bens do Estado. Comentava ainda o seu autoritarismo, que o levava a “sugerir” alterações a pareceres que lhe pedia, para os fazer coincidir com orientação que pretendia dar a matérias sensíveis, em apreciação, alijando-se da responsabilidade envolvida.

Quanto a competência para o exercício do cargo, já dei elementos bem esclarecedores.
Este dirigente que, no início do seu mandato, constantemente me convocava para salientar, perante membros do Governo ou perante auditórios onde a representação da Direcção-Geral de Minas era solicitada, os resultados das investigações realizadas por minha iniciativa e sob minha orientação, quando já se considerou suficientemente esclarecido e até apto a dirigir pessoalmente trabalhos de prospecção, passou a criar sistematicamente obstáculos à minha actividade.
A seguir, recordo o que escrevi, em posts anteriores.
Quando, após uma persistente luta de mais de uma dezena de anos, eu tinha conseguido organizar uma Brigada no Alentejo, com os meios materiais e humanos, para dar cumprimento aos programas que há longos anos vinha submetendo a apreciação superior, eis que este Director-Geral, sem me consultar, decide adjudicar a maior parte das áreas onde iriam incidir os estudos desta Brigada, a empresas estrangeiras e à Sociedade Mineira de Santiago - Empresa portuguesa afiliada da CUF (Companhia União Fabril), propositadamente criada para o efeito.
A maior parte desta actividade incidiria na Faixa Piritosa Alentejana, passando as empresas a cumprir o programa que eu deixei enunciado no artigo publicado em 1955, no Volume X de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”.
Aconteceu, então, um facto ao qual o Senhor Director-Geral não deu o devido apreço: Todas as Companhias adjudicatárias de contratos de prospecção passaram a recorrer à capacidade técnica adquirida pela 1.ª Brigada de Prospecção, em matéria de prospecção geofísica.
Todo o meu empenhamento em criar os meios materiais e humanos para dar cumprimento ao programa enunciado naquele artigo, foi totalmente frustrado.
Escrevi eu, no capítulo “Considerações finais” desse artigo:
“Todos os estudos a que nos vimos referindo podem e devem, em nosso entender, estar a cargo de técnicos portugueses que hajam para o efeito adquirido a necessária especialização, conforme prevê o Decreto-lei de criação do Serviço.
Só aceitamos a intervenção de técnicos de outras nacionalidades, como consultores ou em execução de campanhas de curta duração, principalmente com o propósito de proporcionar instrução ao pessoal português.
A favor deste modo de proceder falam, não só a economia, como o próprio interesse no assunto, que não pode esperar-se de outros, superior ao dos nacionais”.

Estava, então, fora de causa, a entrega de áreas da Faixa Piritosa a empresas estrangeiras ou nacionais. Era o SFM que, do estudo sistemático dessas áreas, se deveria encarregar. Para tal se estivera metodicamente preparando, durante muitos anos.
Já me referi ao que se passou com as descobertas dos jazigos de Estação, Gavião e Neves-Corvo.
Quanto ao primeiro, ainda consegui a sua concretização, apesar das fortes pressões parar dar por terminada uma sondagem que estava em curso e emperrara aos 328 m (V. post N.º 35).
Quanto aos outros dois, já descrevi como o Director-Geral conseguiu que não fosse o SFM a concretizar êxitos que tão laboriosamente tinha preparado, até à sua fase final (V. posts N.ºs 36 a 42).
No que respeita à prospecção do ferro, já revelei como impediu que se demonstrasse a verdadeira dimensão do jazigo de Moncorvo (V. post N.º 67).
Quanto ao cobre, o post N.º 21 é bem elucidativo sobre a capacidade demonstrada de completar a obra de destruição iniciada pelo Director do SFM.
Ao adjudicar a concessão da Mina de Aparis a empresa que se constituiu para explorar, em “lavra ambiciosa”, contrária às disposições legais em vigor, a parcela mais rica do jazigo, impediu que tivesse concretização o aproveitamento desta Mina como Mina-Escola, para contribuir para uma melhor preparação dos recém-licenciados em Engenharia de Minas.
Além de o jazigo ter ficado incompletamente reconhecido, perdeu-se uma oportunidade excepcional de melhorar a formação profissional de Engenheiros que chegavam ao SFM muito mal preparados para as funções que deles se esperavam".

Quanto à Faixa Metalífera da Beira Litoral, quase conseguia impedir o seu estudo e nada fez para evitar o encerramento das Minas de chumbo do Braçal. Impediu, também, que se investigasse por sondagens um excepcional alinhamento de anomalias geoquímicas, na imediata proximidade do filão principal do Braçal.
No que respeita a jazigos de tungsténio, apenas consentiu que se procurasse scheelite, encarregando-se, ele-próprio, de dirigir a respectiva prospecção, com resultados desastrosos.
Também não revelou qualquer interesse em que se investigassem as possibilidades de ocorrência de crómio, níquel cobalto e até platina, em associação com as rochas ultra-básicas de Trás-os-Montes, apesar de, na sua curta passagem pelo SFM, ter auxiliado o Professor Cotelo Neiva, então colaborador deste Serviço, no levantamento geológico da região onde estas rochas ocorrem e onde chegou a registar-se exploração de cromite (V. publicação do SFM “Rochas e Minérios da Região de Bragança – Vinhais”).
Quanto ao ouro, não precisou de intervir, porque o Director do SFM se encarregou de dificultar o cumprimento do plano de prospecção electromagnética que eu já tinha preparado para pôr em prática.
Relativamente aos contratos de prospecção para áreas da Faixa Piritosa, resolveu nomear representantes da Direcção-Geral, junto das Companhias adjudicatárias. Dois desses representantes foram Engenheiros do chamado “Gabinete de Estudos”, que não tinham a mínima experiência, quer em jazigos de pirite, quer nas técnicas de prospecção que estavam a ser aplicadas. Como já referi, também eu fui nomeado representante junto de uma dessas Companhias, mas na realidade eu era o verdadeiro representante junto de todas elas.
Aconteceu, porém, que a Companhia junto da qual eu era representante rescindiu o seu contrato com o Estado. Outra, com o mesmo dirigente, veio substituí-la para uma parcela da área que tinha sido adjudicada à anterior Empresa. Para esta nova Empresa já o Director-Geral me não nomeou representante, dando-se então a curiosa circunstância de haver dois representantes, remunerados que nada faziam, por nada saberem da matéria e eu que era o verdadeiro representante em todas, não era remunerado!
Já me referi, no post N.º 34 a um facto inédito que ocorreu em 15 de Junho de 1975. O Director-Geral de Minas, que nas suas visitas à sede do SFM em S. Mamede de Infesta, nunca procurava comigo contactar, veio, nesse dia, ao meu gabinete, para me dar conhecimento de que, após a sua grande insistência, o Secretário de Estado concordou finalmente na minha nomeação como representante da DGMSG junto da nova Companhia.
Interpretei o gesto como tentativa de “conquistar” o meu apoio na defesa da sua permanência no cargo, que sentia posta em causa.
Na realidade, o ambiente na DGMSG era-lhe francamente hostil, até no chamado Gabinete de Estudos, onde havia candidatos à ocupação do cargo.
Na conversa que tivemos, nesse dia 15 de Junho, foi-me possível chamar a sua atenção para os gravíssimos erros que foi cometendo ao longo do seu mandato, que já tinha 10 anos de existência. O Director-Geral teve, então, a ousadia de lembrar os êxitos conseguidos pelo SFM, durante esse mandato, como se deles tivesse sido autor, ou neles tivesse participado.
Expliquei-lhe que esses êxitos teriam, muito mais facilmente sido obtidos e com muito maior vantagem para o País, se não tivesse havido a sua intervenção negativa.

No que ao Director do SFM diz respeito, já destaquei a sua total nulidade. Só isso explicou a necessidade de criação da chamada “Comissão de Fomento”, que fez surgir, inicialmente, algumas esperanças, mas que rapidamente se converteu num processo de ocasionar mais despesas inúteis com a deslocação de grande número de funcionários à sede da DGMSG,

Era, pois, de esperar que dirigentes, que tão mal tinham administrado os dinheiros públicos, fossem responsabilizados pelas arbitrariedades e pelos erros graves que cometeram, e que providências fossem tomadas no sentido de dar melhor aproveitamento à riqueza mineira do País.

Como já referi anteriormente, eu acumulava com as funções de Chefe do Serviço de Prospecção, as de Chefe das 1.ª e da 2.ª Brigada de Prospecção. Todavia a minha remuneração era exactamente igual à de qualquer dos outros Engenheiros e dos Geólogos. Todos tínhamos a categoria máxima possível, dentro das categorias existentes, (V. post anterior), estando eu ainda em desvantagem em matéria de ajudas de custo, como irei registar.
Também já fiz referência ao facto de terem sido os Engenheiros e os Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção a solicitarem-me que mantivesse esta acumulação quando lhes manifestei o desejo de que elegessem, dentre eles, um Chefe, para eu ser aliviado de algumas tarefas, de modo a poder dedicar mais atenção aos problemas da 2.ª Brigada de Prospecção no Norte do País.
Argumentavam que não havia, entre eles, bom entendimento e não encontravam quem reunisse condições para assumir essa chefia. Além disso, a minha chefia era respeitada, perante o meu passado profissional e eles consideravam-se ainda em princípio de carreira, sem a experiência que me reconheciam.
No desempenho das minhas funções, tinha reuniões periódicas com os Engenheiros e Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção, na sua sede em Beja.
Na primeira reunião ocorrida após a Revolução de 25 de Abril de 1974, que teve lugar no dia 28 de Maio, analisei, com rodos eles, as possibilidades que se abriam para melhorar a eficiência da DGMSG, em especial do SFM.
Por unanimidade, manifestaram-se no sentido de eu dever assumir a direcção do SFM. E foram ainda mais longe: Era eu a pessoa indicada para o cargo de Director-Geral de Minas! Obviamente que logo rejeitei esta última hipótese, perante o risco que correria de me transformar em mais um “engenheiro de papel selado”. Mas não rejeitaria o cargo de Director do SFM, se a proposta me viesse a ser feita, pois considerava que era eu, sem falsa modéstia, o técnico com melhor currículo para o desempenho desse cargo.

Possivelmente, o Director-Geral fora informado desta reunião através do seu afilhado, o Geólogo Delfim de Carvalho, que estava integrado na 1,ª Brigada de Prospecção e que sempre se mostrara muito crítico do desempenho do seu padrinho no cargo que ocupava.
Consciente do ambiente hostil que existia a seu respeito, na quase totalidade dos departamentos da DGMSG, o Director-Geral passou a modificar o seu comportamento para com todo o pessoal, autorizando e até estimulando a criação de Comissões variadas para reestruturações visando muito mais a satisfação de interesses pessoais, legítimos ou não, do que a melhoria da eficácia dos departamentos da DGMSG, sobretudo do SFM.
Tornou-se mais evidente a movimentação da classe dos Geólogos,
que se tinha tornado a mais numerosa e a mais aguerrida.
Esses Geólogos, alguns dos quais sem funções bem definidas, aproveitaram-se da passividade dos poucos Engenheiros, envelhecidos ou mais absorvidos em funções que vinham desempenhando, dentro das organizações vigentes e passaram progressivamente a apoiar o Director-Geral, que ia dando o seu acordo aos seus projectos de reestruturação que, como já disse, visavam essencialmente a satisfação de interesses pessoais.
Apercebendo-se de que poderia obter também o apoio da 1.ª Brigada de Prospecção, onde já introduzira o seu afilhado, passou a fazer frequentes visitas à Brigada, na minha ausência, sem que se percebessem os motivos que o levavam a tão súbito interesse pela sua actividade.
Alguns Geólogos, meus amigos, foram-me avisando de que talvez eu estivesse demasiado confiante na lealdade do pessoal da 1.ª Brigada de Prospecção.
Não dei grande importância a estes avisos, pois sempre tratara tanto Geólogos como Engenheiros e Agentes Técnicos de Engenharia como companheiros e amigos, e tinha conhecimento de que todos eles me faziam as melhores referências, conscientes de que muito me deviam na sua formação profissional. Estas referências ainda hoje podem ser testemunhadas por Geólogos que acompanharam a evolução dos acontecimentos no pós-25 de Abril. Conservo também cartas que recebi desses colaboradores e cópias de cartas que lhes escrevi, que documentam bem o clima de harmonia e até de amizade que então existia.
Todavia, notando já alguma frieza na recepção que me foi dispensada durante a minha permanência na 1.ª Brigada de Prospecção, na semana de 18 a 23 de Novembro de 1974, cheguei a questionar o Geólogo Dr. Vítor Oliveira, quando de visita aos trabalhos da Secção de Vila Viçosa, sobre a possibilidade de virem a trair a confiança que neles depositava.
A reacção pronta deste Geólogo foi: Oh Eng.º Rocha Gomes! Nós éramos lá capazes duma traição!

Nos posts seguintes revelarei o que realmente aconteceu

Sem comentários: