No post N.º 24, fiz referência à utilização de “ajudas de custo” como recurso para o SFM conseguir recrutar técnicos com cursos superiores e médios para o cumprimento dos seus programas de inventariação dos recursos minerais do País, que iam exigir a permanência desses técnicos em locais distantes dos grandes centros urbanos, onde desfrutariam melhor qualidade de vida.
Referi-me também a uma Ordem de Serviço, emitida na década de 50 do século passado, na qual o Director do SFM que sucedeu ao Engenheiro António Bernardo Ferreira, fixava a residência dos funcionários, nos locais onde estavam exercendo a sua actividade, retirando-lhes portanto a compensação pecuniária que durante mais de 15 anos lhes tinha sido autorizada, com conhecimento do Governo.
Nessa data, porém, reinou o bom senso. O Director-Geral em exercício, que era o Engenheiro Castro e Solla (um dos principais impulsionadores do SFM), não consentiu que um insensato dirigente, viesse destruir uma obra que estava ainda em fase inicial de formação. Mandou anular tal Ordem, que suspeitou da iniciativa do Engenheiro N.Q.
Aconteceu que o Engenheiro N.Q. foi nomeado, em 1964, Director do SFM, nas circunstâncias que descrevi no meu post N.º 25.
Perante estas circunstâncias, era óbvio que a sua permanência no cargo, após a Revolução de 25 de Abril de 1974, se tornava insustentável.
Não queria, porém, deixar o cargo, sem provocar o maior malefício possível ao Organismo que, em má hora, lhe havia sido confiado.
Se, na década de 50 do século passado, a Ordem de Serviço sobre a fixação de residências na imediata proximidade dos locais de trabalho (muito provavelmente emitida por sua sugestão, como o admitira o Engenheiro Castro e Solla) não vingara, teria, no ambiente revolucionário vigente, probabilidade de ser até estimulada pelo novo Director-Geral.
Sem se importar com as consequências para o futuro do Organismo de criação de riqueza que lhe estava confiado, assumiria assim o papel de "zeloso cumpridor da boa administração dos dinheiros públicos".
Se assim o pensou, logo passou à acção.
Em 13 de Setembro de 1974, envia-me documento manuscrito, em papel timbrado do SFM, sem registo de entrada na Secretaria, do seguinte teor:
“Ao Senhor Engenheiro Chefe do 1.º Serviço pedem-se críticas e sugestões à minha ordem de serviço sobre ajudas de custo, que junto se envia. Pede-se a máxima urgência”
Do documento dactilografado, também em papel timbrado do SFM, constava o seguinte:
ORDEM DE SERVIÇO N:º ...
Tem o Governo salientado a necessidade de os serviços oficiais utilizarem com a maior austeridade as verbas que lhe foram concedidas e sabe-se que esse mesmo espírito presidirá à elaboração do orçamento para 1975.
Neste momento, de resto, está previsto que, das verbas atribuídas ao Serviço de Fomento Mineiro para 1974, sejam retirados 4 600 contos, o que obrigará a tomar medidas restritivas no que se refere aos gastos a efectuar até final do ano.
Uma das medidas a tomar refere-se às ajudas de custo e subsídios de viagem e de marcha, pois não se duvida que do reajustamento das residências oficiais fixadas aos funcionários e dum rigoroso cumprimento das disposições legais, alguma economia resultará.
As medidas que a seguir se indicam resultam assim, da necessidade de diminuir os gastos do Serviço de Fomento Mineiro e visam uma melhor integração no espírito que actualmente preside à administração pública.
Nesse sentido:
1 – Fixa-se como residência oficial dos diversos funcionários o local onde neste momento exercem a sua principal actividade;
2 – Chama-se a atenção para o estrito cumprimento das normas legais que regem as ajudas de custo e os subsídios de viagem e de marcha;
3 – O que se estabelece nesta ordem de serviço aplica-se a todas as categorias de pessoal, contratado e assalariado;
4 – As medidas aqui tomadas consideram-se em vigor desde 1 de Setembro.
Serviço de Fomento Mineiro, em S. Mamede de Infesta, 12 de Setembro de 1974
O ENGENHEIRO DIRECTOR
Enquanto elaborava o parecer que me foi pedido, solicitei que também o pessoal contratado da 1ª Brigada de Prospecção residente em Beja, Vila Viçosa, Évora e Castro Verde se pronunciasse sobre o projecto desta Ordem de Serviço.
A seguir, transcrevo, na íntegra, a exposição que recebi do Engenheiro residente em Beja, que me representava, nas minhas ausências dessa cidade:
EXPOSIÇÃO SOBRE A MINUTA DA ORDEM DE SERVIÇO REFRENTE
A AJUDAS DE CUSTO
O pessoal técnico em serviço na 1.ª Brigada de Prospecção, na sua reunião de
18-9-74, estudou atentamente a minuta da Ordem de Serviço de 12-9-74, de acordo com o despacho do Eng.º Chefe do 1.º Serviço, em que se pediam críticas e sugestões.
A primeira reacção do referido pessoal foi de espanto e desânimo, porquanto foram contratados para o S.F.M., contando desde o início e até esta data, com o direito a ajudas de custo e a subsídios de marcha.
Neste pressuposto, organizaram as suas vidas e, embora ao longo dos anos as ajudas de custo e os subsídios de marcha sofressem substanciais aumentos, foram mantendo sempre o direito a uma determinada verba, indispensável complemento aos seus minguados vencimentos, para quem se dedica à ingrata missão de prospectar.
Não será despropositado recordar que tais trabalhos, quando orientados e executados por firmas particulares, sem falar nas estrangeiras, pagam aos técnicos, à parte ajudas e subsídios, cerca do dobro do que qualquer funcionário qualificado recebia até à data.
Este facto foi sempre superiormente reconhecido e o beneficiarem os técnicos do S.F.M. do direito a judas de custo e subsídios de marcha, é porque estes estudos requerem pessoal muito especializado, sem horários de trabalho e servindo acima de tudo a causa pública, pois não se pode pensar no futuro desenvolvimento do País sem saber com o que se pode contar quanto a matérias extractivas.
Nesta ordem de ideias, a cumprir-se o teor da referida minuta de Ordem de Serviço, os funcionários técnicos mais atingidos veriam os seus ganhos reduzidos em cerca de 30%, diferença muito sensível no momento inflacionário que se atravessa presentemente.
Acresce que tal resolução empurraria certamente os referidos técnicos para a procura de compensações em actividades extra oficiais, fora das horas de serviço, a fim de tentarem manter o nível do salário actual, ou até a sua saída do Serviço, à medida que se deparem situações mais vantajosas. Não parece de criticar tal atitude, pois todo aquele que luta pela melhoria do seu nível de vida e dos seus, dentro das regras democráticas, está indirectamente a contribuir para o desenvolvimento do País.
A questão que se põe a seguir, é se esta solução, que se pretende criar, representará efectivamente uma economia para o País e se não haverá efectivamente outras vias de conseguir tal economia.
Com efeito, parece ser demasiadamente drástico embora se reconheça a necessidade que o Governo tem de reduzir despesas. Talvez fosse mais aconselhável fazer incidir as indispensáveis reduções em sectores menos sensíveis e produtivos e não nos nevrálgicos pontos que a partir da minuta de Ordem de Serviço ficam principalmente em jogo: vencimento global dos funcionários e bom andamento do Serviço de Prospecção.
Há que atender à situação dos funcionários que foram deslocados dos grandes centros para a província, exercendo a sua actividade normalmente em meios pequenos onde não existem assistência médica especializada, cantinas, supermercados, actividades culturais, estudos complementares e superiores, etc., situação que tem levado muitos técnicos a não considerarem a ajuda de custo como compensadora de tal sacrifício.
Pelos motivos expostos, ponderadas as implicações que daí adviriam para o Serviço, propõem os referidos técnicos que, enquanto não se encontrem outras formas de resolver definitivamente o assunto, fosse permitido apresentar quantitativos semelhantes aos recebidos até à data, reduzindo no necessário o número de dias de que beneficiavam, atendendo ao recente aumento unitário das ajudas de custo.
No caso de ser necessário, propõe-se ainda, dada a complexidade do assunto a tratar, que o mesmo seja estudado directamente por uma comissão representativa dos técnicos do Serviço com os Senhores Engenheiro Director do Serviço e Director-Geral
BEJA, 19 de Setembro de 1974
Pelos Técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção do Serviço de Fomento Mineiro
José Augusto Marques Bengala
Continua ...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário