quinta-feira, 18 de junho de 2009

74 – O problema nunca resolvido da justa remuneração da competência profissional no SFM. (Continuação 1)

Em 20 de Setembro de 1974, enviei ao Director do SFM o parecer que me tinha sido pedido sobre uma minuta de Ordem de Serviço relativa a ajudas de custo, subsídios de marcha e de viagem. Fiz acompanhar o meu parecer da exposição da 1.ª Brigada de Prospecção transcrito no post anterior.

Foi o seguinte o teor do meu parecer

“O Senhor Director do Serviço de Fomento Mineiro solicitou-nos, através de cartão manuscrito, que nos dirigiu, em 13 do corrente, críticas e sugestões sobre a matéria da Ordem de Serviço que consta do Anexo N.º 1.
A seguir, apresentamos as reflexões que o assunto nos suscita:

1- ANTECEDENTES.

A utilização das ajudas de custo e dos subsídios de marcha como processo de atracção de funcionários para locais e funções que, de outro modo teria sido difícil ou impossível guarnecer, vem desde a criação do Serviço de Fomento Mineiro, isto é, desde 1939, como o Senhor Director do Serviço não ignora.
A fixação da residência oficial em Lisboa, a determinados funcionários, visou corrigir insuficiências de remunerações, de todos bem conhecidas.
Só assim tem sido possível, por exemplo, realizar a imensa tarefa que primeiro esteve a cargo da Brigada dó Sul e que depois transitou para o 1.º Serviço.
Funcionários com certa segurança de remuneração, conquanto muito inferior à que se praticava nas empresas privadas, puderam, na generalidade dos casos, dedicar-se inteiramente ao Serviço, actuando muito para além do horário normal.
O Serviço tem, assim, obtido trabalho barato e de qualidade.
Há cerca de 20 anos, o Director de Serviço de então emitiu Ordem de Serviço de teor semelhante ao da que agora é submetida a crítica.
Todavia, por motivos que não foram explicados, mas que não eram difíceis de prever, essa Ordem foi anulada, poucos dias após a sua emissão.
A pequena melhoria da situação económica proporcionada aos funcionários técnicos, através da fixação da residência oficial em Lisboa, permitiu manter uma grande parte.
Não conseguiu, no entanto, evitar que muitos abandonassem o Serviço, atraídos por remunerações substancialmente mais favoráveis, em vários casos até noutros Organismos do Estado.
Citamos, a título de exemplo, o caso recente de um funcionário com poucos anos de actividade no Serviço de Fomento Mineiro ter visto a sua remuneração mais que duplicada após o abandono do Serviço e ingresso em empresa privada.
Não é do desconhecimento superior o processo de correcção das remunerações, que vem sendo adoptado, como o demonstram as informações que prestamos, em 6-11-1969 e em 27-2-1974, sobre pretensões de funcionários deste Serviço, expostas a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Indústria.
Tais informações constam dos Anexos N.ºs 2 e 3.

2 – CRÍTICA AO PROCEDIMENTO

O procedimento que tem sido adoptado, há 35 anos, de utilização de ajudas de custo e de subsídios de marcha, para correcção de vencimentos insuficientes de funcionários investidos em funções importantes, que é indispensável recompensar, é inconveniente e condenável, por se apoiar em base legal precária.
Não tem sido vantajoso, sobretudo para o funcionário que, com o acordo tácito dos superiores, o tem usado para sobreviver no Serviço.
O funcionário tem-se mantido confiante que a “regalia” é estável e conta com ela como complemento do vencimento.
Assim organiza a sua vida, mas sempre em insegurança, temendo que ela lhe seja retirada de um momento para outro, dependendo do arbítrio do Director.
Essa “regalia” não conta para aposentação nem para pensão de sobrevivência.
E o funcionário, quando se apercebe que pode estar na iminência de a perder, tem, em muitos casos, escassa possibilidade de refazer a sua vida, fora do âmbito do Estado, já que a idade atingida lhe limita o campo de acção.
Se nunca essa compensação lhe tivesse sido atribuída, em geral, o funcionário há muito teria abandonado o Serviço, colocando-se, sem dúvida, rapidamente, em muito mais confortável situação económica.
Abundam os exemplos.
Idênticos problemas surgidos noutros Organismos do Estado tiveram soluções diferentes, porventura com mais base legal ou aparência de legalidade, que o adoptado no Serviço.
Será talvez único o caso da Direcção-Geral de Minas, no que respeita à ausência de remunerações pelo exercício de cargos de chefia e à inexistência de categorias de especialistas, sabendo-se quão especializadas se vão tornando as suas diversas funções.
È de notar, por exemplo, que funções idênticas às desempenhadas pelo Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro, porém limitadas à prospecção de minérios radioactivos, estão na Junta de Energia Nuclear a cargo de funcionário com a categoria de Director-Geral!
Também se sabe que, noutros Organismos, de que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil é um exemplo, recebem pagamento por horas de trabalho extraordinário e têm outras compensações.
O sistema, se adoptado no Serviço de Fomento Mineiro, conduziria, para alguns funcionários, a quantitativos que se aproximariam ou ultrapassariam mesmo os normalmente recebidos como ajudas de custo.
O Governo, ao proceder à revisão dos vencimentos do funcionalismo público civil, refere-se, no preâmbulo do Decreto-lei n.º 372/74 de 20 de Agosto, ao regime de horas extraordinárias e de “remunerações acessórias”, como dois factores de perturbação do funcionalismo, pelas desigualdades de tratamento que acarretam.
Prudentemente, porém, condiciona as horas extraordinárias, atribuindo-lhes compensações apropriadas e estabelece, quanto às remunerações acessórias, que elas continuarão a ser consentidas, enquanto não forem alcançadas, nas diversas categorias, níveis de remunerações mais satisfatórios, mas congelando-os nos seus níveis actuais, para procurar evitar que se criem graves disparidades ou situações de injustiça.

3 – ANÁLISE DA SITUAÇÃO ACTUAL

O Senhor Director do Serviço apresenta duas razões justificativas da Ordem de Serviço que se propõe emitir.
São elas:
a) Necessidade de os Serviços Oficiais utilizarem, com a maior austeridade, as verbas com que são dotados, para cumprimento das instruções do Governo;
b) Melhor integração no espírito que, actualmente preside à administração pública.
Quanto à austeridade no dispêndio das verbas do erário público, é princípio indiscutível, constantemente recomendado, com o qual estamos inteiramente de acordo.
O 1.º Serviço tem a consciência de sempre ter respeitado esse princípio.
Só mercê da grande dedicação e entusiasmo do seu pessoal, se tem conseguido produzir trabalho de que o Serviço de Fomento Mineiro se pode orgulhar e que constitui o principal factor a justificar a sua existência.
É trabalho efectuado pelo 1.º Serviço que, frequentemente se utiliza para a propaganda da acção da Direcção-Geral de Minas.
A actividade do 1.º Serviço tem prestigiado não só a Direcção-Geral de Minas, como o próprio País.
Companhias estrangeiras e nacionais, que cumprem contratos de prospecção no País, recorrem, com frequência, ao 1.º Serviço para a execução de trabalhos especializados de prospecção geofísica e geoquímica.
Os custos que depois são facturados, incluem a totalidade das despesas e ainda um agravamento de 50% sobre este total e são considerados pelas Companhias como bastante atractivos.
A qualidade do trabalho é habitualmente elogiada.
Grande parte, portanto, das despesas realizadas pelo 1.º Serviço é recuperada através dos pagamentos efectuados por essas Companhias.
Alguns milhares de contos entraram já nos cofres do Estado, por esta via.
Por outro lado, o que tem justificado o interesse das Companhias na procura de jazigos minerais, em determinadas zonas do País, tem sido a valorização introduzida nessas zonas pela sistemática e metódica acção do 1.º Serviço.
As compensações que as Companhias oferecem ao Estado, pelos direitos de prospecção que adquirem, nas áreas valorizadas pelo Serviço, ultrapassam largamente as despesas, por este efectuadas, para essa valorização.
Conclui-se, assim, que a actividade do 1.º Serviço tem sido altamente eficiente e não constitui, a longo prazo, encargo para o País.
Constitui, pelo contrário, fonte de receita.
Não pode, por conseguinte, dizer-se que não há austeridade nos dispêndios.
Refere o Senhor Director do Serviço estar previsto que, das verbas atribuídas ao Serviço de Fomento Mineiro, para 1974, sejam retirados 4 600 contos.
É-nos impossível compreender o significado desta limitação de despesas possíveis, sem conhecimento dos gastos efectuados até à data e da percentagem que eles representam relativamente às dotações.
Somos, porém, levados a crer, pelo que tem sucedido em anos anteriores, que, mesmo sem medidas drásticas no tocante a ajudas de custo, haverá o habitual saldo substancial, no fim do ano.
Quanto à segunda razão invocada, afigura-se-nos deformada a interpretação do espírito que actualmente preside à administração pública.
É nosso parecer que se deve ter em vista essencialmente a eficácia e a produtividade dos Serviços e não uma economia pela simples supressão de despesas necessárias ou indispensáveis ao desenvolvimento económico do País.
Sendo o Serviço de Fomento Mineiro um Organismo directamente ligado à produção de riqueza, é natural que o Governo não deseje ver diminuída a sua eficiência, mas, pelo contrário, pretenda ver aumentada a sua capacidade, não só de trazer à exploração novos jazigos minerais, mas também de valorizar os já conhecidos.
Não é com medidas que afectam drasticamente a situação económica de muitos dos especialistas mais qualificados do Serviço que se conseguirá sequer manter a eficiência actual, quanto mais aumentá-la!
Tais medidas levarão naturalmente esses técnicos a ponderar se, nas novas condições que lhes são impostas, continua a ser-lhes possível a mesma dedicação à função pública ou se esta função não deixará mesmo de se lhes tornar atractiva, sabido como é que na indústria privada, os níveis das remunerações são muito mais elevados.
É nosso parecer que o Serviço de Fomento Mineiro conseguirá economias muito mais substanciais, noutros campos, se se estruturar convenientemente.
Uma análise crítica à programação geral da actividade do Serviço e às condições em que esta actividade se está processando, permitirá, estamos certos disso, introduzir aperfeiçoamentos significativos, que se traduzirão em melhor aproveitamento das dotações.
A eliminação de alguns trabalhos de utilidade duvidosa e a aplicação do respectivo pessoal em tarefas cuja necessidade é indiscutível, representarão passos importantes no aumento da eficiência do Serviço.
Uma apreciação da produtividade de todo o pessoal poderá também levar a uma melhor aplicação deste e, porventura, conduzir à supressão de algumas funções mais ou menos parasitárias, que nada beneficiam o Serviço.

4 – CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Para um técnico qualificado e experiente não é, presentemente, atractivo o exercício de funções públicas no Serviço de Fomento Mineiro.
Os técnicos mais qualificados de que o Serviço dispõe, estão contratados, há largos anos e, na sua maioria, permanecem por dedicação e entusiasmo pelos problemas que lhes estão confiados, alguma dose de esperança em melhores dias e porque as ajudas de custo, que regularmente têm recebido, tornam menos acentuado o desnível em relação às remunerações praticadas para idênticas funções, na indústria privada.
O Governo tem a consciência desse desnível e a ele fez referência no preâmbulo do Decreto-lei N.º 372/74 de 20 de Agosto – que, praticamente ignorou os técnicos – prometendo que “novos ajustamentos se seguirão, à medida das possibilidades do Tesouro e da definição de aplicação de uma nova política global, de modo a assegurar, a todos os níveis, em que se desdobra a função pública - estudo, decisão, execução – uma maior aproximação em relação às remunerações pagas pelo sector privado, nos casos em que as disparidades são substanciais”
Nesse mesmo preâmbulo, após justificar as compreensíveis medidas prioritárias, para acorrer à situação crítica das classes de funcionalismo mais desfavorecidas, considera essas medidas como um primeiro passo, prometendo que “outros se seguirão, com o objectivo de eliminar ou tornar mais reduzidas as diferenças de remuneração existentes dentro do próprio sector público ou entre este e o sector privado, no tocante a vencimentos estabelecidos para funções a que correspondem graus semelhantes de qualificação, de responsabilidade e de esforço”.
Estamos inteiramente de acordo com a necessidade de acabar com a utilização de ajudas de custo como processo de correcção de vencimentos insuficientes.
Porém, a Ordem de Serviço que o Senhor Director do Serviço de Fomento Mineiro se propõe emitir corresponde a substituir uma situação defeituosa por outra mais defeituosa ainda e bastante injusta.
Na conjuntura que se atravessa, em que os vencimentos da maioria dos técnicos estão já prejudicados em cerca de 30% em relação aos níveis de 1973, por não ter havido praticamente actualização, quando da recente revisão, e por ter sido de 20% o aumento do custo de vida desde Março de 1973 e não ter esse aumento cessado, desde Junho de 1974 até à data presente, afigura-se-nos muito inoportuna tal Ordem de Serviço.
A eliminação das ajudas de custo como correctivo de vencimentos insuficientes deverá, quanto a nós, ser feita evitando quanto possível prejudicar os funcionários que têm beneficiado do procedimento, com pleno conhecimento dos seus superiores e concordância ao nível do Governo. (Não era, na verdade, possível manter esse procedimento, durante 35 anos, sem que os Ministérios das Finanças e da Economia tivessem dado o seu acordo).
Promoções às categorias a que correspondem as funções efectivamente desempenhadas, gratificações por chefias, pagamento de horas extraordinárias realmente cumpridas, aplicação de subsídio de campo já aprovado por Decreto de 2-3-1967 mas nunca posto em prática, são formas diversas de compensar os funcionários, dentro da mais estrita legalidade.
Ilegal ou pelo menos muito anormal tem sido a prática corrente de não colocar os funcionários nas categorias correspondentes às funções que efectivamente exercem.
Mas, essas medidas, diz-nos a experiência, são de execução demorada, sobretudo na época actual, em que o Governo está preocupado com problemas muito mais importantes e o funcionário precisa de viver e de acorrer às necessidades do seu agregado familiar, de acordo com o padrão de vida a que se habituou e que, em geral, não passa de uma modesta mediania. (Não conhecemos caso algum de funcionário que tenha enriquecido com as remunerações auferidas no Serviço de Fomento Mineiro).
O Governo, como já dissemos, aludiu a “remunerações acessórias” no preâmbulo do Decreto-lei N.º 372/74, considerando-as factor de perturbação, mas não as suprimiu imediatamente.
Decidiu continuar a consenti-las, enquanto não forem alcançados nas diversas categorias, níveis de remunerações mais satisfatórios, mas congelando-as nos níveis actuais, para procurar evitar que se criem ou agravem disparidades ou situações de injustiça.
Ora, as ajudas de custo têm funcionado, em grande parte dos casos, no Serviço de Fomento Mineiro, como autênticas remunerações acessórias.
Parece, pois, legítimo que se passe a cumprir o que o Governo determinou, enquanto outra forma estritamente legal de resolver o problema não é conseguida.
Assim, sugerimos que a Ordem de Serviço submetida a crítica seja substituída por outra, em que se determine que, salvo casos de excepção a apreciar pelo Director, o quantitativo mensal de ajudas de custo e de subsídios de marcha e de viagem de cada funcionário não exceda, até fim de 1974, a média verificada nos oito meses já decorridos.
O quantitativo a fixar para 1975 ficaria dependente do orçamento que for aprovado, enquanto as outras medidas preconizadas não forem postas em prática.
Esta medida que visa manter transitoriamente a situação actual e evitar que os técnicos mais qualificados tendam a abandonar o Serviço, com a correspondente perda da capacidade de acção deste, deverá ser acompanhada de outras que conduzam a um aumento geral da produtividade dos funcionários.
Uma reestruturação do Serviço de Fomento Mineiro afigura-se-nos essencial e nela deverão participar sobretudo os técnicos que, através do seu curriculum, dêem garantias de plena consciência dos objectivos que devem ser visados pelo Serviço e possuam experiência válida de execução prática de programas de fomento mineiro.
Sugerimos, ainda, que quaisquer medidas a tomar no Serviço de Fomento Mineiro relativamente a ajudas de custo, sejam comuns a todos os restantes departamentos da Direcção-Geral de Minas.
Porto, 20 de Setembro de 1974
O Engenheiro Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro
(a) Albertino Adélio Rocha Gomes”

Acompanharam este meu parecer, além da exposição de Técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção que consta do post anterior, informações que prestei em 6-11-1969 e em 27-2-1974, sobre cartas de assalariados da 1.ª Brigada de Prospecção dirigidas a Secretário de Estado da Indústria, nas quais reclamavam promoções a categorias que lhe permitissem auferir ajudas de custo. Nessas informações, esclareci os critérios utilizados na Brigada para premiar a competência profissional, fazendo uso das ajudas de custo, quando tal fosse considerado conveniente e justificado.

... Continua

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