sábado, 27 de junho de 2009

75 – O problema nunca resolvido da justa remuneração da competência profissional no SFM. Continuação 2

Conforme referi no post N.º 73, enviei, ao Director do SFM, em 20 de Setembro de 1974, o meu parecer acerca do projecto de Ordem de Serviço sobre fixação de residências oficiais, em cumprimento do pedido que me havia sido formulado.
Fiz acompanhar este parecer de uma exposição de técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção, residentes em Beja, sobre o mesmo tema e de dois outros documentos com datas anteriores, demonstrativos do conhecimento, a nível ministerial, da utilização de ajudas de custo como processo de recompensar competência profissional, que os insuficientes vencimentos e salários não conseguiam contemplar.
O Director do SFM, cerca de 20 minutos após a recepção destes documentos, enviou-me a Ordem de Serviço já com carácter definitivo, nos exactos termos em que a tinha concebido, sem atender às sugestões que me tinha solicitado.
Deste facto dei imediato conhecimento, aos técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção, em telefonema que fiz para Beja.
Este era, realmente, o núcleo do SFM que mais severamente iria ser atingido pelas “medidas” contidas na Ordem de Serviço.
Na realidade, os Engenheiros e os Geólogos, na sua generalidade, pouca presença tinham fora da sua sede, confiando na capacidade e seriedade dos Agentes Técnicos de Engenharia e sobretudo dos assalariados das Secções, que tinham a seu cargo os trabalhos de topografia, as observações pelas diversas técnicas geofísicas e a colheita de amostras de solos e sedimentos de linhas de água para análises geoquímicas.
Conforme declararam, na exposição subscrita pelo Engenheiro Marques Bengala, “a cumprir-se o teor da minuta da referida Ordem de Serviço, os funcionários técnicos mais atingidos veriam os seus ganhos reduzidos em cerca de 30%”.
Também eu era afectado, mas não na mesma proporção, pois eram frequentes as minhas permanências fora da minha residência habitual no Porto, quer em estadias em locais da 1.ª Brigada de Prospecção, quer em Lisboa, quer em áreas do Norte do País, em cujos trabalhos tinha activa participação.
Embora tivesse motivos para suspeitar que a Ordem de Serviço tinha por principal objectivo prejudicar-me, dadas as más relações criadas com o Director do SFM, a realidade é que a transferência da minha residência oficial para o Porto afectava-me muito menos do que aos técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção, pois eu passaria a ter direito a ajudas de custo, quando permanecesse em Lisboa, o que antes não acontecia.
E eram frequentes as minhas estadias em Lisboa, quer convocado para as reuniões da Comissão de Fomento, quer para assistir a conferências, a Congressos, ou a fazer palestras por indicação do Director-Geral, quer ainda para muitos outros fins relacionados com os trabalhos de prospecção a meu cargo.

Os Engenheiros e os Geólogos residentes em Beja, ao tomarem conhecimento da entrada em vigor da Ordem de Serviço, que lhes reduzia os proventos em cerca de 30%, ficaram alarmados e logo evidenciaram vigorosamente o seu grande desapontamento.
Não tive dúvida em lhes afirmar que interpretava tal Ordem como um convite do Director para que os técnicos mais competentes abandonassem o SFM, procurando emprego noutras instituições públicas ou privadas.
O Director não se mostrava minimamente preocupado com as inevitáveis consequências desta sua insensata decisão para a futura eficácia do SFM.

Contudo, esses técnicos manifestaram a esperança de que o Director-Geral, que tanto interesse vinha demonstrando pela actividade da Brigada, a ponto de, nos últimos tempos, a visitar com alguma assiduidade, pudesse encontrar solução que evitasse essa perda de 30%.
Propuseram apresentar os seus argumentos ao Director-Geral.
Manifestei o meu acordo, autorizando-os a deslocarem-se a Lisboa para esse efeito.
Quase todos eles, com excepção do afilhado do Director-Geral, Dr. Delfim de Carvalho, por se encontrar ausente na Bulgária, em Congresso da IAGOD, estiveram presentes no encontro que se realizou em Lisboa, no dia 24 de Setembro, também com a presença do Director do SFM,
Ambos os dirigentes se mostraram inflexíveis na manutenção em vigor da Ordem de Serviço.

Aceitavam, porém, que todos os atingidos pela Ordem, apresentassem boletins itinerários com saídas diárias ao campo, dando-lhes direito a 70% da ajuda de custo correspondente a essa ausência da nova sede que lhes era fixada.
Deste modo, receberiam mensalmente um quantitativo idêntico ao que antes auferiam com a residência oficial em Lisboa.
Caíam, assim, pela base todos os falaciosos argumentos que o Director do SFM tinha apresentado para justificar a sua Ordem. Já não era necessário reduzir despesas e já o orçamento do SFM comportava a manutenção do ritmo de despesas que até àquela data se verificava!


Todos os Engenheiros e Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção se mostraram conformados com esta aberrante solução. E ficaram surpreendidos com a minha imediata reacção de que não visaria boletins itinerários que me fossem apresentados de modo tão fraudulento. Remetê-los-ia ao Director do SFM, para efeito de ”visto”, já que ele autorizara tal procedimento.

Nos dias seguintes, houve frequentes telefonemas dos técnicos residentes em Beja, pressionando-me para eu aceitar a “regra dos 70%.”
Tornava-se óbvio para quem conhecia o meu carácter que eu não iria transigir com essa regra, sabendo eu quão raras eram as deslocações ao campo da generalidade desses técnicos.
Em 1 de Outubro, o Geólogo Dr. Delfim de Carvalho, que acabava de regressar da Bulgária, telefona-me a manifestar a sua satisfação pelo êxito da comunicação que tinha apresentado ao Congresso da IAGOD, aproveitando a oportunidade para exprimir a sua discordância, não só quanto ao conteúdo da Ordem de Serviço, como da atitude assumida pelos seus colegas e pelos engenheiros da 1.ª Brigada de Prospecção.

Em 8 de Outubro, pelas 12 horas, recebi a seguinte

“COMUNICAÇÃO DE SERVIÇO”:
“1 – O Engenheiro Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro fez uma longa exposição relativamente à Ordem de Serviço N.º 613, tecendo várias considerações sobre o problema das ajudas de custo no Serviço de Fomento Mineiro e propondo essencialmente que”
“A Ordem de Serviço submetida a crítica seja substituída por outra, em que, se determine que, salvos casos de excepção a apreciar pelo Director, o quantitativo mensal de ajudas de custo e subsídios de viagem e de marcha de cada funcionário não exceda, até fim de 1974, a média verificada nos oito meses já decorridos”.
Posto o assunto à consideração do Senhor Engenheiro Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos, exarou este o despacho que a seguir se transcreve para conhecimento de todos os funcionários:
1 – Conhecemos a situação desde a origem do Serviço de Fomento Mineiro, bem como as razões básicas que a determinaram.
2 – Também sabemos que mesmo assim, tal situação não foi considerada atractiva por muita gente, motivo porque os quadros do Serviço estão desfalcados, sobretudo de Técnicos de Engenharia.
3 – Usando da sua competência, como e quando o entendeu conveniente, o Director do Serviço acabou com essa situação, determinando o cumprimento da lei.
4 – Sabe certamente o Director do Serviço que o Director-Geral não pode intervir, de forma alguma contra a sua decisão final.
5 – Mas espera o Director-Geral que, por um lado, o aumento das ajudas de custo e subsídios de viagem e, por outro lado, a concessão de subsídios de campo, que se vai tentar conseguir em termos de interesse, reduza ao mínimo inevitável as consequências do cumprimento da Ordem de Serviço,
(a) F. S. C. 27-9-74

2 – Tendo em conta que se aguardava o despacho acima e que o conhecimento do mesmo poderia ser tardio, o que, na verdade aconteceu, e que seria praticamente impossível conseguir a imediata fixação do subsídio de campo, aceita-se que, no referente ao mês de Setembro, não seja dado ainda cumprimento integral à citada Ordem de Serviço, como, aliás, fora comunicado verbalmente.
Serviço de Fomento Mineiro em S. Mamede de Infesta, 6 de Outubro de 1974
O Engenheiro Director
(a) N. A. M. Q.


O sublinhado no N.º 4 do despacho do Director-Geral é de minha autoria. O seu conteúdo demonstra uma suprema hipocrisia.
Na verdade, o Director-Geral, com a criação da Comissão de Fomento, desautorizava sistematicamente o Director do SFM. (Ver post N.º 49)
Além disso, era seu hábito ”sugerir” ao seu Adjunto que alterasse informações quando elas não lhe agradavam (Ver post N.º 71).
Ver também post N.º 50, sobre as pressões que me fez para que aceitasse a contratação de um assalariado da 1.ª Brigada de Prospecção, para satisfação de “cunha” do Secretário de Estado, censurando então “a minha mania das justiças, que tudo estragava”.
Ele tinha seguramente conhecimento de que o seu antecessor, que praticamente não intervinha na actuação do SFM, perante idêntica Ordem de Serviço emitida em 1959, não hesitou em promover as diligências no sentido da sua rápida anulação. Fui levado a crer que a recente decisão sobre as ajudas de custo tinha sido concertada com o Director do SFM, mostrando-se ele depois contemporizador para poder tirar futuros dividendos. O lobo a vestir a pele do cordeiro!
De facto, através da concessão fraudulenta dos 70% de ajuda de custo diária, já tinha conquistado, pelo menos, a simpatia dos Engenheiros e dos Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção e transferido para mim o odioso da decisão de não visar os boletins itinerários fraudulentos, apesar de reconhecer, no seu despacho, a racionalidade do meu parecer.

Em 18 de Outubro, recebi um manuscrito com a seguinte convocatória do Director do SFM:
Ex.mo Senhor Engenheiro Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro
Na próxima terça-feira, dia 22, pelas 14h 30, terá lugar, em Lisboa, na Direcção-Geral, uma reunião de Chefes de Serviço do Fomento Mineiro.
O principal assunto a tratar será o das ajudas de custo (problemas especiais a apresentar pelos Chefes de Serviço, fixação de residências em casos duvidosos, etc.).
O Senhor Director-Geral deverá estar presente, pelo menos, a parte da reunião.
Fica V. Ex.ª convocado para comparecer no dia e hora indicados acima.
Serviço de Fomento Mineiro, 18-10-1974
O Engenheiro Director
N. A. M. Q.


Na reunião, que se realizou em Lisboa, no dia 22 de Outubro, com presença do Director Geral, do Director do SFM, do Adjunto do Director-Geral e de vários outros Engenheiros, mantive o meu parecer sobre a inoportunidade da Ordem de Serviço, insistindo da necessidade de se tomarem as providências adequadas para que os técnicos fossem devidamente recompensados pelo seu trabalho especializado, dentro de toda a legalidade.
Enquanto isso não fosse conseguido, sugeri que se mantivesse a situação que estava em vigor há 35 anos, com conhecimento a nível do Governo. Surpreendentemente, nenhum dos meus colegas concordou com a minha sugestão, passando a pressionar-me no sentido de aceitar a regra dos 70%!
O “Ajax”, lembrando-se da reprovação que eu manifestara, no início da década de 40, quanto ao sistema de complementação dos vencimentos através das ajudas de custo, estranhou que eu defendesse agora a manutenção desse sistema.
Ele não tinha obviamente conhecimento da minha exposição. Na verdade, eu mantinha-me contrário a tal sistema, mas não considerava oportuno alterá-lo, enquanto não surgisse outro, com toda a legalidade, que até deveria beneficiar mais os funcionários competentes, evitando a sua saída para outros Organismos do Estado ou para empresas privadas, contribuindo para a situação de desfalque nos Quadros de Engenheiros, a que se referiu o Director-Geral.

Os boletins itinerários do pessoal contratado da 1.ª Brigada de Prospecção, que me eram enviados, eram sistematicamente passados ao Director do SFM, para serem visados ou por ele ou pelo Director-Geral, já que o preenchimento segundo a regra dos 70% que estava a ser usada, era por eles autorizada.
Todavia, não se mostraram ambos dispostos a aceitar a solução que tinham proposto.
Para terminar com o impasse a que se chegou, tiveram a “ideia luminosa” de exigir aos signatários desses boletins itinerários, que, além da assinatura usual no fim de cada boletim, acrescentassem um declaração confirmativa da sua veracidade.
E todos os Engenheiros, Geólogos e demais funcionários contratados, residentes em Beja e nas Secções, se conformaram com mais esta incrível imposição!
Isto, quanto a mim, equivalia à atitude de um juiz, que pretendendo libertar-se da responsabilidade de absolver crimes que sabia terem sido cometidos (neste caso, até por sua sugestão) exigia aos criminosos declarações de inocência.

Na semana de 18 a 23 de Novembro, depois de passar por Lisboa, onde tive encontros, não só na DGMSG, mas também na Faculdade de Ciências, tive reuniões em Beja, em Évora e em Vila Viçosa, para analisar a evolução dos trabalhos a cargo da 1.ª Brigada de Prospecção.
A recepção que me foi dispensada revelava grande hostilidade, pela minha intransigência em apor o meu visto a boletins itinerários preenchidos segundo a regra dos 70%.
As exageradas pressões do Dr. Vítor Oliveira e do Agente Técnico de Engenharia Manuel Camarinhas levou-me a chamar-lhes a atenção para o facto de, em tantos anos de são convívio, não terem chegado a conhecer-me verdadeiramente!
Esta degradação da dignidade dos Engenheiros, dos Geólogos e demais funcionários contratados da 1.ª Brigada de Prospecção esteve na base do progressivo enfraquecimento do Serviço de Fomento Mineiro, até acontecer a extinção deste Organismo de criação de riqueza, essencial ao País.

Em próximos posts, revelarei até que ponto chegaram esses técnicos, com o apoio dos dirigentes máximos da DGMSG e do SFM.

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