Não tendo tido sucesso a tentativa de aproveitamento do “gravíssimo incidente” da Acta para afectar o meu cargo de dirigente prestigiado no SFM, o Director e seus acólitos não ficaram inactivos.
De imediato, ensaiaram outra ofensiva que lhes parecia mais susceptível de conduzir a bom êxito.
Num atrevimento característico de ignorantes, resolveram pôr em causa a qualidade dos estudos que eu estava a dirigir nas Secções de Caminha e de Talhadas.
Parece-me oportuno lembrar, de novo, que a cadeira de Prospecção Mineira passou a figurar, em 1970, pela primeira vez, no elenco de um Curso de Geologia, quando eu fui convidado a reger essa cadeira, na Faculdade de Ciências do Porto. Em nenhuma outra Faculdade do País, tal matéria era ensinada.
Acontecia até que os licenciados em Geologia pela Universidade do Porto, devido à sua melhor preparação em prospecção mineira, eram preferidos pelas Empresas que estavam cumprindo contratos de prospecção com o Estado Português.
Deu-se ainda o caso de alguns licenciados em Engenharia me terem solicitado que os autorizasse a assistirem às minhas aulas, para suprirem a deficiência dos seus Cursos nessa matéria.
Foi tal o entusiasmo de dois destes Engenheiros, que decidiram frequentar a cadeira durante dois anos sucessivos, tornando-se meus excelentes colaboradores.
Algum tempo depois, já como professores de idêntica cadeira que o departamento de Geocièncias da Universidade de Aveiro incluiu no Curso de Engenheiros-Geólogos, passaram a levar seus alunos, para com eles participarem nos trabalhos que estavam em curso na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima. Tinham de sair de Aveiro, pelas 6 horas e 30 minutos, para poderem participar nestes trabalhos e entendiam que valia a pena!
Cito também outro caso bem elucidativo.
Alguns Geólogos do SFM, integrados noutros Serviços, enfrentavam dificuldades em matéria de topografia. Habitualmente, recorriam aos serviços de dois Agentes Técnicos de Engenharia que, supostamente teriam essa especialização.
Ora esses técnicos, na Orgânica instituída, começaram por estar destacados no 1.º Serviço, sob minha chefia e eu não estava, de modo algum, satisfeito com a qualidade do trabalho que me apresentavam e acabei até por dispensá-los, explicando ao Director os motivos desta minha decisão.
O Director e os seu acólitos não fizeram, então, segredo dos comentários que fizeram quanto a esta minha decisão, atribuindo ás minhas relações humanas, que classificavam de deficientes, as minhas exigências de um trabalho rigoroso e honestamente conduzido.
Para evitar a dependência de tais Agentes Técnicos, sugeri a três desses Geólogos que frequentassem as minhas aulas na Faculdade de Ciências do Porto, pois sendo a topografia essencial na aplicação das variadas técnicas da prospecção, eu dedicava a esta matéria várias aulas teóricas, práticas e teórico-práticas, com grande presença no campo.
Ensinei-lhes a usar os aparelhos para levantamentos, nivelamentos, piquetagens, etc… e ensinei a fazer os cálculos respectivos para que pudessem implantar os dados que pretendiam, em mapas rigorosos.
Dois desses Geólogos continuaram a frequentar as aulas, apercebendo-se da importância das variadas técnicas usadas para a descoberta de novos jazigos minerais ou prolongamentos de jazigos já conhecidos.
O terceiro Geólogo, que vejo agora figurar na composição da Comissão Técnica de Planeamento, cedo desistiu, por não conseguir acompanhar a matéria, revelando sobretudo fraca preparação matemática.
Em todos os Geólogos do SFM apenas detectei algum conhecimento de Topografia em J. Farinha Ramos.
Este Geólogo chegou a considerar solicitar a sua inclusão no 1.º Serviço, como seria normal, por respeito pela Orgânica em vigor e seria bem-vindo, como lhe declarei.
Todavia, não resistiu ao convite que o Director-Geral lhe fez para integrar a equipa dos Scheeliteiros e os resultados foram os que já descrevi.
Em matérias de prospecção, apenas os Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção tinham algum conhecimento, adquirido durante a dezena de anos que actuaram sob minha chefia, mas estiveram longe de poder ser considerados especialistas na matéria, como, por exemplo, Delfim de Carvalho pretende apresentar-se.
Nem no domínio da geologia, este Geólogo atingiu o nível que seria de esperar, como demonstram os muitos artigos que tem conseguido publicar, recorrendo sobretudo ao trabalho de outros.
Foi, por isso, com a maior estupefacção que recebi, na minha qualidade de Chefe do 1.º Serviço, um ofício, com referência 279/76, datado de 21-10-1976, no qual o Director do SFM, que continuava a assinar-se como Presidente da Comissão de Direcção, passou a nova ofensiva, agora apoiado em conselhos das novas Comissões, para dar continuidade à sua acção destrutiva.
Transcrevo, a seguir, esse ofício, abstendo-me de comentar a pobreza da sua redacção:
“ Comunico a V. Ex.ª que em reunião conjunta da Comissão de Direcção e da Comissão Técnica de Planeamento foi resolvido relativamente à
Faixa Metalífera da Beira Litoral
a) não considerar prioritária a continuação do reconhecimento geral da faixa nos moldes em que actualmente se processa;
b) deverá passar-se a uma fase de trabalhos de mais pormenor, a realizar nas zonas anómalas detectadas se os resultados até agora apurados o justificarem;
Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima
a) Tem-se em conta o interesse da área para a prospecção de tungsténio (especialmente de scheelites), pelo que este trabalho deverá prosseguir;
b) É fundamental, de imediato, reformular os trabalhos de prospecção da área, de acordo com os dados já obtidos;
c) Enquanto se elabora o relatório que b) impõe, suspende-se a campanha de sondagens em curso, sendo o pessoal deslocado par outra zona que se atribui prioridade.
Aliás, qualquer sondagem futura só poderá ser executada depois da aprovação do seu projecto.
Para qualquer das zonas indicadas devem ser elaborados relatórios em que se pormenorizem os trabalhos até agora executados e seus custos, resultados obtidos e se justifique a realização de novos trabalhos indicando nas seleccionadas para o efeito, fases de execução, tarefas a realizar, pessoal e equipamentos necessários, prazos e estimativa do custo.
Estes relatórios devem ser apresentados à C.D. no mais curto prazo de tempo possível que a sua elaboração preferirá a qualquer outro trabalho.”
A este ofício dei, em 28-10-1976, a seguinte resposta:
“Respondo ao ofício de V. Ex.ª n.º 279/Exp., de 21 do corrente:
1 – O modo como V.Ex.ª tem desempenhado as suas funções directivas tem-lhe feito perder o contacto com as realidades mineiras nacionais. Nesta conformidade, não tem V. Ex.ª um conhecimento dos assuntos técnicos das Secções de Caminha e Talhadas, nem a necessária competência para poder pronunciar-se validamente sobre os trabalhos que decorrem quer na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, quer na Faixa Metalífera da Beira Litoral.
2 – Como V. Ex.ª não ignora, não reconheço a chamada “Comissão de Direcção”, a qual tenho contestado, por ilegalmente constituída (na falta de acta definitiva, ver acta provisória da reunião de 18 de Março de 1976); consequentemente, não reconheço, também, a “Comissão Técnica de Planeamento”. Não me considero, portanto, obrigado a acatar decisões de órgãos ilegais. Seria útil para definitivo esclarecimento deste assunto, que ele fosse devidamente analisado por entidade jurídica competente, com a indispensável isenção.
3 – Os relatórios a que me referi, no meu ofício n.º 4/76 de 3-6-76, contêm a informação essencial à compreensão da actividade nas duas áreas em estudo pelo 1.º Serviço.
O relatório que elaborei em 1971, subordinado ao título “ Prospecção de jazigos de tungsténio na região de Caminha, pelo método magnético”, o qual também é subscrito pelo Eng.º Vítor Alvoeiro de Almeida, contém o programa que serve de base aos trabalhos em curso, não só pelo 1.º Serviço, mas também pela Companhia americana Union Carbide Exploration Corporation.
O relatório “Região de Braçal-Talhadas. Sua potencialidade mineira” contém também o programa que serve de base aos estudos em curso na Faixa Metalífera da Beira Litoral.
Chamo, pois, a atenção para a leitura atenta de ambos.
Quanto a relatórios mensais e trimestrais do 1.º Serviço, deve V. Ex.ª estar lembrado que eles eram bastante desenvolvidos e V. Ex.ª recomendou que passassem a ser sucintos, por não dispor de tempo para os ler …
Todavia, informação mais ampla sobre a actividade a cargo do 1.º Serviço pode ser prestada, se V. Ex.ª assim o desejar, em exposições orais ou em visitas aos locais de trabalho. Embora tardiamente, talvez não fosse descabido que V. Ex.ª abandonasse, de vez em quando, o conforto do seu gabinete e tentasse conhecer o que se passa nos locais onde, verdadeiramente, se pratica o fomento mineiro.
4 – Quanto à reformulação dos trabalhos na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, talvez V: Ex.ª não ignore que a importante Companhia americana Union Carbide Exploration Corporation, que actua na mesma região, escreveu em 3-9-1975, ao Senhor Director-Geral de Minas, uma carta, na qual, após várias considerações sobre a minha experiência profissional em matéria de prospecção mineira, termina solicitando que eu seja autorizado a ser seu consultor.
A esta carta, não foi, até hoje, dada qualquer resposta. “É mais uma do eng.º Soares Carneiro, na linha que, desde há tempos, vem seguindo. Paciência…” (1)
Considero os técnicos superiores da Union Carbide Exploration Corporation qualificados para emitirem parecer sobre os trabalhos que dirijo na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.
Não reconheço, nem a V. Ex.ª nem à grande maioria dos técnicos das chamadas “Comissão de Direcção” e “Comissão Técnica de Planeamento” qualificação equivalente.
Sugiro, pois, a V. Ex.ª. se estiver interessado em colher parecer válido sobre este assunto, consulte os técnicos superiores daquela importante Companhia, cuja actividade se especializa, sobretudo, em problemas de tungsténio.
5 – Quanto à prioridade que deixou de ter o estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral, lembro a V. Ex.ª o relatório que elaborei sobre a minha missão de estudo, em Setembro de 1973, à Roménia.
Nesse relatório, que também é subscrito pelo Geólogo Delfim de Carvalho, assinalo que o conceituado Geólogo de renome internacional J. Kutina nos sugeriu a investigação em Portugal de grandes alinhamentos tectónicos que pudessem ter condicionado importantes ocorrências minerais.
J. Kutina, nas conversações connosco havidas, em local tão distante, chamou a nossa atenção para o acidente tectónico com o qual estão relacionadas as mineralizações da Faixa Metalífera da Beira Litoral.
Aliás, já o eminente geólogo Carlos Ribeiro, no século passado, tivera a exacta noção da importância dessa Faixa Metalífera.
Lembro também um relatório elaborado pelo Geólogo J. Goinhas, sobre as Minas do Braçal, com data de 1-9-64, num período em que este Geólogo, por minha intervenção, esteve prestando serviço na Compagnie Royale Asturienne des Mines.
Além disso, não ignora, por certo, V. Ex.ª que o País importa anualmente centenas de milhares de contos de cobre, chumbo e zinco, sendo, portanto, da maior conveniência a descoberta de jazigos dos respectivos minérios, que elimine ou reduza essa necessidade.
Aliás, assim o reconheceu o Secretariado Técnico do Grupo de Coordenação para o Aproveitamento dos Recursos Mineiros Nacionais, ao criar mais um dos muitos Grupos de Trabalho que, ultimamente, têm surgido, este para definição de reservas que permitam alimentar uma metalurgia no Norte e outra no Sul.
6 – Quanto aos “moldes” em que o reconhecimento geral da Faixa Metalífera da Beira Litoral se processa, V. Ex.ª não devia ignorar que eles não têm podido ser outros.
Trabalhos de pormenor têm sido tentados nas áreas onde se registaram anomalias significativas, na fase de geoquímica estratégica.
Tais trabalhos, que têm consistido, essencialmente, em amostragens de solos, não podem ter a necessária continuidade, porque o Laboratório de Análises, como V. Ex.ª deve saber, não tem correspondido, em tempo útil, às solicitações que lhe são apresentadas
Dentre outras técnicas aplicáveis, sobressaía o processo electromagnético Turam. Porém, só em 8 de Julho de 1976 foi satisfeito o pedido do respectivo equipamento, feito em 8 de Março de 1975 (isto é, 16 meses antes!), apesar de se saber que tal equipamento se encontrava inactivo em Beja.
Temos feito todos os esforços para pôr em funcionamento este equipamento, que recebemos em estado deplorável, e não sabemos ainda se seremos bem sucedidos.
Outras técnicas que têm sido aplicadas, a título de ensaio, não têm justificado utilização sistemática.
É evidente que o método mais indicado, para o tipo de jazigos que se procura, é o de polarização induzida.
Foi feita, em tempo oportuno, a respectiva proposta de aquisição, continuando nós a ignorar o andamento que lhe foi dado.
7 – Quanto a projectos de sondagens, não há a mínima dificuldade em os elaborar.
Aliás, o modelo em uso na 1.ª Brigada de Prospecção foi por mim instituído, quando o Senhor Director-Geral passou a fazer essa exigência.
Mas, se a 1.ª Brigada de Prospecção pode facilmente satisfazer tal exigência, porque os seus técnicos beneficiam da organização que eu montara, muito antes de esses técnicos ingressarem na Brigada, outro tanto não acontece com o que resta do 1.º Serviço, porquanto a dependência da Direcção do Serviço de Fomento Mineiro tudo torna complicado.
Eu próprio tenho que dactilografar a maior parte dos documentos que elaboro e preparar muitos dos desenhos respeitantes aos trabalhos de prospecção.
Não reconheço, todavia, utilidade que justifique a apresentação dos projectos de sondagens, porquanto não me recordo de ter visto outros despachos diferentes do insípido “nada a opor”.
Ao Senhor Director-Geral bastaria ver desenhado um hipotético jazigo que, como é óbvio, na maior parte dos casos não estava lá.
A prospecção mineira não atingiu ainda tal grau de perfeição. Fazem-se sondagens com fundamentos idênticos aos que justificam trabalhos de prospecção.
Ou se tem confiança na competência dos técnicos ou se lhes não entrega o estudo das áreas.
O que se não pode admitir é que técnicos incompetentes apreciem e tomem decisões relativamente ao trabalho de técnicos competentes.
O controlo da actividade pode fazer-se através dos relatórios periódicos e outros que seja oportuno elaborar, os quais poderão ser mais desenvolvidos; de exposições orais acompanhadas dos indispensáveis mapas; de visitas aos próprios locais de trabalho.
Além disso, qual a utilidade de apresentação de projectos, se a estes se não dá cumprimento e se se fica até na ignorância de terem sido aprovados?
Lembro o caso da sondagem n.º 1 da Região de Braçal – Talhadas da Faixa Metalífera da Beira Litoral, cujo projecto foi entregue em 17-10-1974 e, passados dois anos, ainda não foi executado, apesar de ter havido, em determinada fase, sondas paradas e pessoal sondador ocupado em tarefas secundárias e apesar de sondas do Serviço terem estado ocupadas em pesquisas de águas, em condições que não podiam deixar de redundar em fracasso, já que o material não era o indicado para tal fim.
8 – No que respeita a pormenorização de trabalhos, fases, pessoal, equipamentos, prazos, custos, etc., fui já suficientemente explícito no esclarecimento de 6-1-71, que acompanha o meu ofício de 3-6-76 e nos plenos de trabalho que tenho apresentado.
Qual o interesse em indicar pessoal necessário, se superiormente se teima em dificultar a acção do 1.º Serviço e até, recentemente, se ordenou o despedimento de um trabalhador essencial, sem base legal e sem qualquer outro fundamento válido?
Qual o interesse em repetir, tantas e tantas vezes, que, numa fase inicial, é necessário o apoio de um Geólogo para a Secção de Caminha e outro para a Secção de Talhadas e até uma ordem terminante do Senhor Director-Geral, em reunião da Comissão de Fomento para ser destacado um Geólogo para a Secção de Caminha “para não mais ouvir as lamentações do Eng.º Rocha Gomes”, não foi respeitada?
Resumindo:
Pode V. Ex.ª terminar com os poucos trabalhos conduzidos com seriedade no Norte do País. É bem evidente que é esse o seu objectivo final.
Infelizmente, tem ainda, V. Ex.ª poderes para o fazer e está, na matéria, bem auxiliado e todos sabemos as razões desse auxílio.
Fica, porém, V. Exz.ª responsabilizado pelas consequências que vierem a resultar para a indústria mineira nacional, de mais esta acção destrutiva”.
(1) Esta expressão é irónica. É a repetição “mutatis mutandis” de uma expressão usada pelo Director-Geral, comentando documento de minha autoria que lhe chegou à mão.
Indiferente aos meus comentários e sugestões, o Director do SFM, que continuava a assinar na qualidade de Presidente de Comissão de Direcção, manteve-se na ofensiva, coadjuvado pelos membros dos novos órgãos de sua inspiração, para persistir na obra de destruição do Organismo em que se empenhara.
Insistia nas suas ordens para eu entregar relatórios injustificados.
Consciente da insensatez destas ordens e da sua ilegalidade, recusei dar-lhes cumprimento.
Revelarei, em posts seguintes, como a ameaça de processo disciplinar, com forte apoio do Director-Geral, quase teve concretização.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
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