Ao ler o ofício, com referência 279/76, datado de 21-10-1976, subscrito pelo Director do SFM, na qualidade que se arrogava de Presidente de uma Comissão de Direcção, o que, de imediato, se evidenciou foi a deficiente redacção e a incoerência das afirmações iniciais com as ordens que, a seguir, me foram transmitidas.
De um Director, que muito se demorava à janela do seu gabinete a confirmar a hora de passagem de uma vaca e a observar o abastecimento dos automóveis no posto instalado na Via Norte, e que se passeava pelos corredores do edifício, a controlar as presenças dos funcionários fora dos seus gabinetes (Ver post N-º 57), não era de esperar que lhe sobrasse tempo para reflectir sobre a justeza das “suas” decisões e, muito menos, sobre a correcta redacção dos documentos que emitia.
Mas, eu tinha a veleidade de pensar que os engenheiros e geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção, que participavam em todas as Comissões, nem tudo tivessem esquecido das minhas lições, nas muitas reuniões, em Beja, durante uma dezena de anos.
Todos estavam conscientes dos cuidados que eu exigia na preparação dos documentos que me enviavam (relatórios, mapas, etc.), pois, se não estivessem racionalmente elaborados, seriam devolvidos para correcção. É exemplo elucidativo o caso de um relatório do Geólogo J. Goinhas, a que me referi no post N.º 88.
Perante a desorganização que passou a imperar no SFM, já não consideraram necessário analisar, com o mesmo cuidado, os documentos que subscreviam, talvez confiantes na diluição da responsabilidade pelo elevado número de constituintes das ditas Comissões.
Na realidade, o ofício N.º 279/76 de 21-10-76, ao qual respondi adequadamente, na ocasião oportuna, não resiste a uma rápida análise.
Se os novos órgãos directivos já tinham chegado a conclusões reprovando a orientação que eu estava a imprimir aos estudos em curso, nas duas áreas ainda a meu cargo, seria normal deduzir que se consideravam suficientemente informadas, não se justificando, portanto a exigência de mais relatórios.
Das afirmações que fizeram só pude concluir que: não leram os relatórios periódicos e outros documentos, que regularmente eu enviava ao Director, no cumprimento da disciplina que a mim próprio impunha, embora suspeitasse que, se os não enviasse, o Director nem daria pela sua falta!
Não analisaram, também os numerosos mapas em que eu registava os resultados obtidos, porque estes dados estavam na minha posse e nunca me foram pedidos.
Daí a total inconsistência de todas as afirmações feitas.
Ocorre-me agora lembrar uma situação que se me deparou, no princípio da década de 60, quando eu, na minha qualidade de representante de Portugal num Grupo de Trabalho criado no âmbito da OCDE, me desloquei de Beja ao Porto, acompanhado do Professor Robert Woodtly, para ouvir do Engenheiro que então ocupava o lugar de Director do SFM, quais as necessidades que ele sentia em matéria de prospecção no Norte do País.
Além de me surpreender o péssimo inglês em que este Engenheiro se expressava, maior surpresa foi a sua declaração de que, no Norte do País, não se justificava fazer prospecção! Prospecção só tinha cabimento no Sul!
Nesta data, já o Engenheiro que agora critica os trabalhos a meu cargo, tinha cerca de 20 anos de presença no Norte do País, não se lhe conhecendo qualquer actividade, em matéria de prospecção, depreendendo-se que perfilhava a opinião do Director.
O que se sabia dele é que estava encarregado da aquisição dos equipamentos para a realização dos trabalhos em curso nas Brigadas e que se desempenhava muito mal desse encargo.
A sua preocupação em reduzir despesas - que as dotações orçamentais consentiam - levava-o a atrasar ou não adquirir materiais requisitados, dai resultando grande prejuízo na evolução dos estudos.
O Director de então parecia apreciar a atitude, e gabava-se de chegar ao fim de cada ano, com abundantes saldos, não reparando que, se o Governo dotava com substanciais verbas o SFM, era para que se realizasse trabalho útil e não para apresentar grandes saldos.
E a realidade era que quase tudo estava por fazer, no Norte do País, quando eu fui designado Chefe do Serviço de Prospecção.
O pouco que se tinha feito, enfermava de falta de qualidade e até nem constava, em muitos casos, de relatórios. (Ver post N.º30, a respeito das sondagens em Vila Cova do Marão e também post N.º 52 sobre as bacias carboníferas do Douro e de Ourém).
As perguntas que formulei, em 9-10-76, sobre relatórios, transcritas no post anterior, foram intencionais, pois, na maior parte dos casos, tais relatórios não existiam, ou se existiam, tinham desaparecido.
A este tema de Relatórios, dada a grande importância que sempre lhe atribuí, dedicarei um post, incluído no tema geral da Documentação.
Devo, no entanto, registar já, que o maior desmazelado nesta matéria, sempre foi o Director. Desde que assumiu o cargo, não mais se publicou o relatório anual da actividade do SFM!! O último relatório publicado data de 1962!
Dele apenas conheço a comunicação que apresentou ao CHILAGE, em Setembro de 1971, com o título “Programa de inventário e valorização de recursos minerais de Portugal Metropolitano”, que nada abona a seu crédito. É uma enorme “trapalhada”, compilando, de modo muito deficiente, elementos dos vários departamentos do SFM.
Esta comunicação seria obviamente rejeitada, por Comissão idónea, “ad hoc” constituída, que tivesse procedido à sua leitura atenta.
No que respeita aos membros das Comissões originários da 1.ª Brigada de Prospecção, o seu desmazelo relativamente a relatórios fora já motivo dos meus reparos, e foi até por eles apresentado como um dos motivos para requererem o meu afastamento da chefia dessa Brigada.
Mas esse desmazelo nada era comparado com os atrasos que estavam a verificar-se, sobretudo no âmbito da geologia, relativamente a estudos já concluídos.
Tal era, por exemplo, o caso das zonas de Vale de Vargo, Pedrógão-Orada, Vale de Pães, Algares-Balsa (Portel). Os relatórios referentes a estas zonas estavam em fase adiantada de elaboração, quando fui afastado da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção. Não mais ouvi falar deles. E o Director, nem se apercebia da sua falta, tão ocupado se encontrava com problemas de outra dimensão.
Teria sido muito mais natural que o Director exigisse estes relatórios de estudos concluídos, até porque eu deixara na Brigada uma equipa de dactilógrafos e desenhadores, preparada desde longa data, para a sua fácil execução.
Os elementos das Zonas Norte e Centro, que participavam nos novos órgãos directivos, ou pertenciam ao Grupo dos Sheeliteiros, que já caracterizei, suspeitando não existirem os relatórios finais da sua deficiente actuação, ou não tinham actividade significativa que tornasse visível a necessidade de relatórios. Quem nada fazia, nada tinha a relatar.
O que me era exigido, além, de ilegal, era totalmente descabido.
Fazem-se relatórios em oportunidades bem definidas e não obedecendo a caprichos de ignorantes
Eram-me exigidos relatórios de estudos que se encontravam em curso, não de estudos concluídos.
Além disso, os novos órgãos directivos sabiam ser eu o único técnico de nível superior ou médio a orientar e a participar nos trabalhos das duas Secções (Caminha e Talhadas).
Tinham também conhecimento de ser, eu próprio, a encarregar-me da dactilografia e da concepção e elaboração das peças desenhadas, perante a incapacidade e hostilidade dos serviços de Secretaria e a reduzida capacidade da Sala de Desenho em dar resposta, em tempo útil, às minhas solicitações.
Enquanto a sede da 1.ª Brigada de Prospecção e as suas Secções dispunham de 4 Engenheiros, 3 Geólogos, 3 Engenheiros Técnicos, vários desenhadores, dactilógrafos e outro pessoal administrativo, eu tinha apenas um Colector com capacidade para me auxiliar em tarefas de dactilografia e de desenho que se revelassem necessárias para a preparação de relatórios da actividade nas duas áreas a meu cargo.
Não devia, logicamente desperdiçar o meu tempo em acções inúteis, com prejuízo dos trabalhos em curso.
No que respeita à atitude da Comissão Coordenadora perante o processo disciplinar, o que constou foi a grande atrapalhação do Director-Geral quando uma simples ajudante de Laboratório, que se situava num dos mais baixos níveis hierárquicos, manifestou a sua surpresa por saber que eu sempre fora considerado elemento fundamental no SFM, sendo até, muitas vezes, alvo dos seus rasgados elogios.
O Director-Geral terá dado as suas costumadas explicações “esfarrapadas” que já a ninguém convenciam. A que baixo nível chegara, em total impunidade, este funcionário investido em tão alto cargo!
O Geólogo Orlando da Cruz Gaspar pagou caro, para que servisse de exemplo, a ousadia, não só de lembrar as minhas qualidades profissionais e a minha dedicação ao SFM, mas também de chamar a atenção para as nefastas consequências, sobretudo para o SFM do processo disciplinar que me estava “prometido”.
Quando se verificou a aposentação do Engenheiro que chefiava o Laboratório, não foi Orlando da Cruz Gaspar a ocupar o cargo que ficara vago, com seria lógico, já que além de ser o Geólogo hierarquicamente melhor situado, era, de longe, o técnico do Laboratório com melhor currículo e com prestígio, não só a nível nacional como internacional.
E quem foi o Director-Geral nomear para esse cargo? O Scheeliteiro J. Santos Oliveira, cujo currículo negativo já descrevi no post N.º.94.
A realidade é que funcionários de vários níveis hierárquicos se deixavam intimidar com estas retaliações.
Ao Engenheiro Adjunto do Director-Geral, quando eu anda acreditava que lhe restasse um mínimo de dignidade, chamei a atenção para a responsabilidade, que deveria assumir, de ajudar o Director-Geral a seguir o rumo certo, tentando impedir que fosse influenciado pelos conselhos de funcionários exclusivamente preocupados com os seus interesses pessoais. A sua resposta foi a seguinte: É com ele que eu vivo, não é contigo!
Mas costumava desabafar a sua frustração, exaltando a minha sorte de poder realizar estudos dentro da profissão, e obter resultados que me prestigiavam, enquanto ele, quando era chamado à presença do Director-Geral, tinha de deitar a cabeça ao caixote do lixo, usando ainda expressões obscenas mais negativas, pois estava impedido de ter opinião própria e para sobreviver, teria, com frequência, de se encarregar do “trabalho sujo”, de que o Director-Geral pretendia esquivar-se!
As declarações do Geólogo J. Goinhas, na Comissão Coordenadora, (Ver post N.º 105) têm semelhança com as que proferiu o seu colega Delfim de Carvalho na reunião da Comissão dita de Direcção realizada em 16-3-1976, às quais me referi no post N.º 101.
A língua traiu também este traiçoeiro.
José Goinhas, ao declarar, em nome dos trabalhadores da Zona Sul,
1.º que o diferendo comigo tinha sido já regulado, há cerca de dois anos;
2.º que eles nunca puseram em causa as minhas qualidades profissionais, nem desejavam fazê-lo neste momento, pois desconheciam a natureza dos trabalhos que eu actualmente dirigia;
3.ºque o desacordo havido tinha surgido apenas por divergências no âmbito das relações humanas.”
manifestava-se em total oposição ao que subscrevera no documento de 6-1-75, que conduzira à minha demissão da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção.
De facto, nesse documento, sou acusado de ter causado “ enorme prejuízo ao Estado, não só pelos problemas de ordem burocrática e administrativa de vária ordem mas principalmente pelas deficiências no planeamento, execução e controle das vastas e delicadas tarefas a cargo desta Brigada.” (ver post N.º83).
Mas Goinhas tem razão quando afirma que as minhas divergências com eles foram apenas no âmbito das relações humanas. De facto, eles nada tinham aprendido com as lições que lhes dei, no que respeita a lealdade, sinceridade, honestidade, justiça e franqueza de atitudes, isto é, na confiança que deve existir entre as pessoas para que possam ter êxito os trabalhos que se projectam.
O meu grande erro foi ter acreditado que eles teriam sabido aproveitar as minhas lições, sobretudo com o exemplo que sempre lhes dei.
Para terminar esta fase da ofensiva contra os trabalhos a meu cargo, isto é, contra os raros trabalhos sérios, no terreno, no Norte e no Centro do País, surge um extraordinário documento do Director-Geral, no qual são invocados artigos e alíneas de vários Decretos-lei para justificar o processo disciplinar que se pretendia me fosse instaurado.
E foi o maior infractor das leis, dentro da DGMSG que teve a desfaçatez de invocar o cumprimento de leis que foi desencantar onde lhe foi possível.
Foi o mesmo Director-Geral que, perante a minha recusa de dar seguimento a “cunha” de membro do Governo para promover um assalariado da 1.ª Brigada de Prospecção, à frente de outros com muito melhor currículo, que não teve pejo de me declarar: “Este gajo, com a mania das justiças estraga tudo!” (Ver post N.º 50)
Era este Director-Geral que usava e abusava dos bens do SFM como se fosse seu dono.
Fora este Director-Geral que aconselhara os técnicos da 1.ª Brigada de Prospecção a mencionarem nos seus boletins itinerários deslocações diárias ao campo – que não faziam – para auferirem ajudas de custo como compensação pela presença longe dos grandes centros, onde a vida era mais fácil.
Mostrava-se assim zeloso seguidor do princípio instituído pelo ditador brasileiro Getúlio Vargas: Para os amigos, tudo!; para os indiferentes, nada; para os inimigos, a lei!
Lembro que foi por não transigir com a fraude das ajudas de custo que fui demitido da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção (Ver posts N.ºs .73 a 75)
Mas o Director-Geral, ao ameaçar-me com processo disciplinar, não reparou que, sendo eu o técnico hierarquicamente mais qualificado, dentro do SFM, logo a seguir ao Director, teria que ser nomeado instrutor do processo individualidade exterior ao SFM e dentro de toda a DGMSG só o denominado Ajax estava colocado em posição hierárquica superior à minha.
Não era previsível que Ajax, apesar da perda de dignidade de que já tinha dado provas, se sujeitasse a aceitar mais este “trabalho sujo”.
A realidade é que o processo disciplinar foi caindo no esquecimento.
Mas os “destruidores” do SFM não desistiram. Continuaram na sua ofensiva, como revelarei em próximos posts.
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