quarta-feira, 3 de março de 2010

114 – A intensificação da ofensiva contra os trabalhos a meu cargo. Continuação 1

Continuando na sua obsessiva determinação de destruir os poucos núcleos do SFM, onde ainda se conseguia pôr em prática investigação, no sentido de descobrir novos jazigos minerais, o Director do SFM, enviou-me, em 25-10-77, ofício a ameaçar que acabaria com a Secção de Caminha, se eu não entregasse ao G.T. de Tungsténio, toda a documentação respeitante à actividade desta Secção.
Caso eu persistisse na minha recusa, transferiria o seu pessoal para outra área e passaria a visar os respectivos boletins de ajudas de custo.
Em 13-11-77, Catarino comunica-me que o Director o convocou para se apresentar, no dia seguinte, na sede do SFM, às 15:30h. Autorizava-o a utilizar carro próprio, por Catarino lhe chamou a atenção para o facto de ainda não lhe terem sido enviados os pneus que requisitara para o jeep.
Em 14-11-77, Catarino dirige-se ao gabinete do Director, à hora combinada. Pouco tempo lá esteve, Conta que, além do Director, estavam presentes Santos Oliveira, Viegas e Farinha Ramos.
Desta vez, quase só falou Farinha Ramos: Como eu não entregava os documentos, eles teriam que ir para outro lado.
Catarino disse que sim, que iam.
Pergunta porque não foram ainda ao meu gabinete tratar o caso comigo. Informa que eu estou à espera deles.
Farinha Ramos promete ir.
Terminada a reunião, Catarino comenta o caso comigo e diz que esperava a chegada de Farinha Ramos, que tinha ido ao Bar.
Como não aparece, Catarino diz que o vai buscar e assim procede.
Surge, pouco depois, com ele, no meu gabinete
Farinha Ramos vem hesitante e trémulo.
Digo, que o não posso receber naquela dia, por estar muito ocupado.
Mas ele insiste. Vinha por causa da Ordem de Serviço.
Não me contenho e passo a expandir o que penso a tal respeito: A minha posição, nesse assunto, está mais que definida, quer por escrito, quer oralmente.

Gera-se, então, entre mim (RG) e Farinha Ramos (FR) o seguinte esclarecedor diálogo:

RG - O Senhor sabe quem eu sou, neste Serviço?
FR - É um dos Engenheiros mais velhos do Serviço
RG - E sabe o que sou eu, cá dentro?
FR -. Sei. É o Chefe do 1.º Serviço.
RG - E sabe quais são as funções do 1.º Serviço?
FR - É a prospecção.
RG - Ah! O Senhor sabe que o 1.ºServiço tem a seu cargo a prospecção. Pois eu não enjeito as minhas responsabilidades a esse respeito.
A Secção de Caminha está a fazer prospecção. Por isso, os seus trabalhos estão dentro das minhas funções.
Há o caso da 1.ª Brigada de Prospecção, seu conhecido, que ficou desligada do 1.º Serviço, após um vergonhoso documento subscrito por 25 pessoas, com as quais eu nunca mais trabalharei.
FR - Esse caso não está encerrado.
RG - Foram-me feitas monstruosas acusações e nunca me foi dada a possibilidade de defesa. O senhor acha isso bem?
FR – Não!
, RG - Pois agora, o caso é diferente. É todo o pessoal da Secção de Caminha que quer continuar a trabalhar comigo.
Este assunto não é para ser tratado com o Senhor Catarino, nem com o pessoal da Secção e eu não percebo porque teimam em chamar cá o Senhor Catarino.
O assunto é comigo e com o Director.
O Senhor Catarino tem trabalho marcado para fazer e faz falta em Caminha. Não faz sentido perder dias de trabalho, a atrasar a sequência dos estudos e a fazer inúteis despesas em deslocações.
O assunto é comigo exclusivamente. Eu recebi uma Ordem que não cumpro.
Eu não admitiria que ordem minha fosse desrespeitada. Simplesmente, antes de dar uma ordem, eu penso-a maduramente ou analiso, com o pessoal, a situação que a torna necessária.
O Director, se eu não cumpro uma ordem sua, só tem que me instaurar processo disciplinar. Há muito tempo que aguardo tal processo.
FR - Concordo com a sua atitude; ela é coerente.
Mas tenho uma Ordem de Serviço, que me manda receber a Secção.
RG – Lembro-lhe que há outra Ordem de Serviço, que tem obrigação de conhecer, que cria Serviços vários, entre os quais o de Prospecção e que tal Ordem ainda não foi revogada, tanto assim que o Director se me dirige na qualidade de Chefe do 1.º Serviço.
E o Senhor é competente para dirigir a Secção de Caminha? Sabe alguma coisa de Prospecção Geofísica?
FR - Não.
RG - Então, que vai para lá fazer? Conta com o pessoal do Sul?
FR - Encolhe os ombros.
RG - Mas não há mais que fazer no País? É preciso irem meter-se onde decorre um trabalho metódico, disciplinado, cientificamente orientado?
Os senhores são loucos?
Pois para mim, se me retirarem a Secção de Caminha e me derem possibilidades, não haverá dificuldade alguma em criar muitos outros núcleos de trabalho e até vos poderia deixar continuar a brincar no Mogadouro.
FR - Insiste na Ordem que quer cumprir.
RG - Isso não constitui problema. Lavra-se um auto de notícia, em que eu declaro não entregar qualquer documento respeitante à Secção e assim fica protegido.
FR - Não quero chegar a esse ponto.
Estranha a minha animosidade, pois nunca teve questão alguma comigo.
RG - É verdade e só por isso o recebi. A um dos elementos do Grupo nem sequer o receberia.
Quanto a ele, dispus-me a recebê-lo, mas mostro-me ofendido, porque não são coisas que se peçam as que o trouxeram ao meu gabinete.
Lembro-me de me ter mostrado trabalhos de carácter primário, em área que teve em estudo em Vila Nova de Foz Côa, os quais eu até elogiei, não sem considerar que se tratava de trabalhos primários e incompletos, pois não encaravam a hipótese de aplicação de técnicas geofísicas, que ele não dominava. Então ele até mostrara o desejo de ser integrado no 1.º Serviço.
Agora era ele que me vinha dar ordens?
FR – Declara-se ignorante, que está ainda no princípio da sua vida profissional.
Pretende colocar-se fora deste processo.
RG – O Senhor já está envolvido, já se deixou envolver.
Antigamente, o Director era o responsável pelos erros que se cometiam, originados pela sua grande incompetência, agora, eles colaboram com o que está a acontecer, tornando-se cúmplices.
Qual tem sido a utilidade para o País das muitas Comissões que têm sido criadas, nos tempos recentes?. Qual foi o progresso conseguido?
FR - Há projectos apresentados, a nível superior. Esboça um sorriso, pretendendo exprimir superioridade.
RG - Se há, são secretos, pois nós não temos deles qualquer conhecimento.
Além disso, sempre houve projectos. Mas havia obras, coisa que agora não há.
Sabe há quantos anos dirijo a Secção de Caminha?
FR – Não, mas julgo que há muitos.
RG - Julga fácil substituir o conhecimento que eu tenho da região?
FR - Olha-me, sem saber que responder.
RG - Passou-lhe pela cabeça que eu entregaria a Secção?.
FR - Não.
RG - Então que veio cá fazer?
FR – Venho cumprir uma Ordem superior.
RG - Porque só apareceu 3 meses depois de me ter sido dada a ordem para entregar, de imediato, a Secção?
FR -Foram as férias do Director, as férias de Catarino, as férias deles…
RG – Insisto que não cumpro ordens de Comissões ilegais e pergunto se conhece o ofício que recebi da Secretaria de Estado.
FR – Não conhece.
RG – Mostro esse ofício.
FR - Conclui que a CD está homologada, portanto a Ordem é legal.
RG - Pergunto se sabe interpretar o ofício. As Comissões só não se revogam, por se declarar para muito em breve a reestruturação.
E qual a pressa agora em agir? Porque não esperam também pela reestruturação?
FR - Como último argumento, utiliza as ajudas de custo. Como vai ser isso no próximo mês?
RG - Como vai?. Como anteriormente!
FR - Mas Director não visa.
RG - Não visa? Viso eu, como me compete, se as achar conformes.
FR - Mas Director deu ordens para os boletins lhe serem submetidos.
RG - Se não visa os boletins, porque processa as despesas? Director não pode fazer isso.

Falando-se de o receber, em outra oportunidade, digo que só o receberia com a presença de duas testemunhas e com gravador.
Ele declara-se, então, esclarecido, sem necessidade de nova reunião.
Vilar e Catarino assistiram calados, ao desenrolar destes acontecimentos. Vilar declarou ter-se sentido extraordinariamente enervado e quase a intervir.
Marcelino, funcionário auxiliar, que já se apercebera do carácter do Director, a pretexto de trazer ou levar um documento, foi ficando e ouviu grande parte da conversa.
Neves, Chefe da Secretaria, fervoroso apoiante do Director, foi buscar um Diário do Governo e também foi ficando. Ouviu o suficiente para o ir informar.

Depois deste elucidativo diálogo, enquanto comentava o caso com Catarino e Vilar, D. Flávia, telefonista, transmite-me mensagem de Santos Oliveira que pretendia falar com Catarino, antes das 18 horas.
Digo isso a Catarino que logo foi ao seu encontro. Esteve longo tempo com ele, sendo então informado de que os trabalhadores da Secção de Caminha iriam para Mirandela.
Foi o seguinte o diálogo entre Catarino (C) e Santos Oliveira (SO):
C - E que vamos lá fazer?
SO - Colheita de sedimentos.
C - Isso faz qualquer trabalhador da região. Eu, por mim, não vou. Não matei ninguém, não cometi nenhum crime, não vou. Vou perguntar aos outros elementos da Secção se querem ir. Se tivesse 20 anos, estaria bem, talvez. Assim mesmo, tão longa deslocação, para tão pouco!
SO - Pergunte se algum dos elementos da Secção quer ir.

Em 21-11-77, Catarino enviou ao Director o documento que, a seguir transcrevo:

Aos 21 dias do mês de Novembro de 1977, pelas 17h 30m, os trabalhadores da Secção, reunidos em assembleia geral, no escritório, com a ausência de Secundino de Carvalho, por motivo de doença, para se pronunciarem sobre assuntos relacionados com a Secção; deliberaram o seguinte:

Quanto à transferência da Secção, ela não nos diz respeito, embora sejamos nós os atingidos pela demora da sua entrega. A nosso ver, deve ser efectuada entre Chefes, isto é, entre o Director do Serviço e o Chefe do 1.º Serviço.

Assim, enquanto o Chefe do 1.º Serviço não fizer a entrega da Secção nem for destituído do cargo que ocupa, nós temos por dever cumprir as suas ordens o melhor que pudermos e soubermos, com a certeza de estarmos a cumprir com a nossa obrigação. Quando a transferência for efectuada, seremos os mesmos trabalhadores que apenas cumprem ordens.

Tendo em conta a importância dos trabalhos e dos resultados até agora alcançados, considerando que é de interesse e por isso de deve dar continuidade ao seu estudo, concluímos que a nossa ida parta Mirandela é despropositada e sem qualquer vantagem para nós ou para o Serviço, pelo que ninguém se mostra interessado em tal deslocação.

Por não haver mais assuntos a tratar, deu-se por encerrada a sessão e elaborada a acta.

Caminha, em 21 de Novembro de 1977

Seguem-se as assinaturas
(a) José Catarino
(a) Vitória Maria Paulo
(a) Maximino Alves
(a) Angilberto Domingues
(a) Francisco Gomes Pereira
(a) José Afonso
(a) Possidónio José Paulo Catarino”
.
Em 22-12-77, ao chegar ao SFM, encontro Ordem de Serviço que me demite de Chefe do 1.º Serviço.
Em coerência com atitudes anteriores, não me considerei, obviamente, obrigado a acatar tal ordem, por vir subscrita pela ilegal Comissão de Direcção.
Nesta decisão, fui acompanhado pelo pessoal das Secções de Caminha e de Talhadas, que continuaram a aceitar a minha chefia, conforme revelarei no post seguinte.

Em 6-1-78, Maria José, na sua qualidade de delegada sindical, analisa com Director o caso dos boletins itinerários dos funcionários da Secção de Caminha. Director recua na sua intenção de usar a “arma” das ajudas de custo, como processo de intimidação do pessoal da Secção de Caminha.
Alguém então aproveitou a oportunidade para perguntar se os elementos do Grupo de Trabalho do Tungsténio sabem algo de Geofísica.
Director, demonstrando a sua total ignorância quanto à actividade que decorria na Secção, apesar dos relatórios que regularmente recebia, fez a extraordinária revelação de que, na Secção, pouca Geofísica se fazia!!!
A realidade era completamente oposta. O que na Secção sempre se fez mais, foi aplicação de métodos geofísicos de prospecção.

Observações
1 - De fonte fidedigna, soube recentemente que, quando empresas estrangeiras se mostraram interessadas em celebrar contratos com o Estado Português para prospecção de vastas áreas que abrangiam o celebrado “jazigo de Cravezes”, o Scheeliteiro Luís Viegas não só não foi capaz de informar a localização dos furos de sonda que tinham efectuado, limitando-se a dizer que se situavam junto a umas oliveiras, que eram as árvores que mais abundavam na região, como não mostrou os logs das sondagens, por não terem sido feitos, como ainda não soube indicar onde se encontravam os respectivos testemunhos. E relatórios finais dos estudos que realizaram não existiam!
E eram estes “sábios” que se propunham tomar conta da Secção de Caminha!
2 - Assisti, recentemente, no Canal 2 da RTP, a uma entrevista a Farinha Ramos, num programa sobre a Biosfera, a propósito da recente procura de minérios de lítio, para satisfazer as necessidades deste metal para o fabrico de pilhas que estão a ser muito usadas em equipamentos electrónicos, podendo vir a ter mais ampla aplicação.
Farinha Ramos mencionou diversas áreas do País onde são conhecidas ocorrências deste metal, entre as quais a Serra de Arga.
É sobretudo ao Dr. Leal Gomes, que foi meu aluno da cadeira de Prospecção Mineira e que actualmente é Professor da Universidade do Minho, que se deve o conhecimento da ocorrência de minerais de lítio na Serra de Arga.
Ao Dr. Leal Gomes foi despertado o interesse desta área, durante as aulas de campo em que participou, enquadradas na cadeira que eu regia na Faculdade de Ciências do Porto.
Se Santos Oliveira, companheiro de Farinha Ramos na prospecção de scheelites, não tivesse mandado destruir milhares de amostras de solos colhidas na região de Caminha, para análise geoquímica de tungsténio, quando ocupou o cargo de Director do Laboratório, estas amostras poderiam agora ser usadas para iniciar a investigação das existências de minérios de lítio, economizando assim muitos milhares de euros e poupando imenso tempo.

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