Luís Pedroso de Lima, recém-licenciado em Engenharia de Minas, pela Universidade de Coimbra, ingressou no Serviço de Fomento Mineiro em Abril de 1978.
Nessa época, raros Engenheiros, dos que tinham escolhido a especialidade das Minas, se interessavam em entrar nos Quadros de Técnicos da Direcção-Geral de Minas.
Eram admitidos, sobretudo, Geólogos, mas não se emitiam Ordens que os colocassem no 1.º Serviço, sob minha chefia, como seria lógico, já que a Geologia estava abrangida nas minhas atribuições.
Não lhes eram distribuídas funções. Eram eles a decidir o que iriam fazer ou era o Director-Geral que se propunha orientá-los directamente, como foi o caso dos Scheeliteiros, a que me tenho referido.
A classe dos Geólogos foi progressivamente passando a predominar na Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, levando até a mudar a sua designação para Direcção-Geral de Geologia e Minas. Chegou-se depois à ridícula transformação dos “recursos minerais” em “recursos geológicos”!
A Geologia sempre foi um ponto fraco no SFM. O predomínio dos Geólogos poderia ser benéfico, se eles estivessem preparados para prestar colaboração nos problemas que, no terreno, se colocavam, na investigação mineira. Não era porém, esse o caso, mas apresentavam-se como detentores de uma sabedoria que os tornaria salvadores de um Organismo que dava preocupantes sinais de decrepitude. Exaltavam a importância da Geologia na investigação mineira, mas não se mostravam aptos a utilizar, na prática, as suas reais capacidades.
A fundamental importância da Geologia sempre foi por mim reconhecida. A confirmá-lo, estão muitos levantamentos geológicos feitos por mim ou sob minha directa orientação, suprindo carências ou insuficiências de Geólogos, como consta de relatórios que foram objecto de vários posts.
Devido à passividade de alguns Engenheiros e à incompetência de outros, colocados em cargos de chefia, que se limitavam a exercer meros actos administrativos, os Geólogos foram-se tornando, de facto, a classe dominante no SFM.
O ingresso de um Engenheiro de Minas no Quadro de Técnicos do SFM só deveria, portanto, ser bem-vinda, para contrabalançar o predomínio dos Geólogos que se estava a verificar, com considerável desvio dos objectivos essenciais do SFM.
Exceptuando os trabalhos nos Laboratórios de Mineralogia, os Geólogos ocupavam-se praticamente, em levantamentos geológicos, à escala 1:25 000, isto é, em matéria que deveria estar reservada aos Serviços Geológicos. A investigação mineira exige escalas de muito menor denominador.
Quando Pedroso de Lima surgiu no SFM, já eu tinha sido demitido, em finais de 1977, da chefia do Serviço de Prospecção Mineira.
O Director não poderia, consequentemente emitir Ordem que o colocasse no 1.º Serviço, isto é, no único departamento que tinha actividade no campo, compatível com a sua preparação técnica.
Não sabendo onde o integrar, adoptou procedimento que já costumava usar com os Geólogos.
Mandou-o aguardar a definição das suas funções num gabinete fronteiro ao meu, que estava reservado para o Director-Geral.
Pedroso de Lima ali foi aguardando, que essas funções fossem esclarecidas.
Tendo tomado conhecimento de que eu me ocupava em actividades de prospecção mineira, veio, em 11-4-1978, solicitar-me o empréstimo de um livro elementar de prospecção geofísica, da autoria de Parasnis. Acedendo ao seu pedido, perguntei-lhe que funções lhe tinham sido distribuídas. Respondeu-me que nenhumas. Informei-o, então da situação crítica a que tinha chegado o SFM, do muito que havia para investigar e do pouco que se investigava.
A sua entrada ano SFM era, quanto a mim, muito bem-vinda e dela muito havia a esperar. Era necessário refrescar com gente nova, um Serviço que estava a ficar envelhecido. Eu enfrentava já o problema da transmissão das minhas actuais funções, no Norte do País, às novas gerações. Confiava nos novos Engenheiros, para esse fim. Pedroso de Lima poderia ser um deles.
Outro seria Laurentino Rodrigues, que ingressara no SFM como ajudante de Laboratório e que estava, então a tirar o Curso de Engenheiro Técnico, com estudante-trabalhador, tencionando posteriormente licenciar-se em Engenharia de Minas. Eu estava a dar-lhe muito apoio para que fosse bem sucedido nos seus propósitos.
Para lhe dar uma primeira ideia do que se estava investigando no SFM, convidei-o a acompanhar-me, na 5.ª feira seguinte (estávamos em 3.ª feira) à Região de Caminha.
Pedroso de Lima foi, no dia seguinte, pedir ao Director a necessária autorização e o Director, ignorando as Ordens que havia emitido, deu o seu consentimento.
Pedroso de Lima pôde assistir a trabalhos de resistividade eléctrica e de polarização espontânea, que decorriam na Secção, apercebendo-se do são ambiente que existia com todo o pessoal.
Em 14-4-78, dei-lhe a conhecer o tratamento às observações que tinham sido feitas em Caminha e a interpretação dos resultados.
Aproveitei então a ocasião para lhe ler o relatório respeitante aos trabalhos das Secções a meu cargo, durante o ano de 1977.
Pedroso de Lima ficou vivamente impressionado, não só com a quantidade de trabalho feito, apenas com auxiliares sem cursos superiores ou médios, mas também com o registo que eu fizera das medidas arbitrárias do Director, que dificultavam o cumprimento dos projectos. Declarou não julgar possível que um dirigente recebesse tal relatório sem reagir.
Eu tinha o hábito de mencionar, nos meus relatórios, as circunstâncias em que os trabalhos decorriam, na esperança de que chegassem a ser lidos por quem tivesse poder para corrigir os desmandos que se praticavam.
Do capítulo "Dificuldades encontradas”, respigo as seguintes passagens, apenas como amostragem do que circunstanciadamente registava:
“A evolução do Serviço de Fomento Mineiro, nos últimos anos, tem-se caracterizado por uma degradação crescente, em quase todos os domínios.
As causas são bem conhecidas e têm sido numerosas vezes mencionadas.
…
Não são, obviamente, de esperar quaisquer progressos, enquanto a direcção deste Organismo se mantiver nas mãos de incompetentes e oportunistas.
Perante a gravidade da situação, o signatário procurou, em duas entrevistas que teve com colaboradores directos dos Senhores Ministro da Indústria e Tecnologia e Secretário de Estado de Energia e Minas, chamar a atenção para a necessidade de uma intervenção enérgica neste sector da economia nacional, lembrando o pedido de inquérito à Direcção-Geral de Minas, formulado por uma extinta Comissão de Saneamento, que ainda se encontra pendente no Ministério.
Na reunião que teve lugar em 10 de Agosto, na qual estiveram presentes os Senhores Director-Geral de Minas e Metalurgia e Director do Serviço de Fomento Mineiro, fizemos afirmações gravíssimas, que responsabilizavam estes dois funcionários pela actual degradação do Serviço.
…
Não se declarou legal a Comissão dita de Direcção do Serviço de Fomento Mineiro, pois isso ofenderia as mais rudimentares inteligências; mas também não se decidiu acabar com uma situação que só tem contribuído para aumentar a indisciplina interna e diminuir a característica baixa produtividade geral do Serviço.
…
Fomos categóricos na posição que desde início assumimos:
Recusamo-nos a aceitar ordens de uma Comissão ilegal.
…
Mas a obstrução aos estudos a nosso cargo não se limita ao que acabamos de descrever.
O último boletim de análises geoquímicas de tungsténio recebido tem data de 31 de Outubro, levando-nos a supor que foram dadas ordens para suspender as análises geoquímicas de solos da região de Caminha.
Por outro lado, transitando diariamente o pessoal por caminhos em mau estado, que poderiam ser facilmente reparados com benefício, não só para a sua segurança e comodidade, mas também para a conservação da viatura, foi indeferida, sem qualquer explicação válida (tudo levando a crer que se trata de mero capricho pessoal), a requisição, a título transitório, de um “dumper” que se encontra disponível nas instalações de S. Mamede de Infesta.
No que respeita à Secção de Talhadas, continua por satisfazer a requisição de um jeep, formulada há mais de 3 anos.
Nove funcionários viajam, diariamente, em longos percursos e por maus caminhos, no único jeep de que a Secção dispõe, o qual transporta frequentemente, em simultâneo, volumoso material de prospecção, como é o caso do equipamento electromagnético Turam.
Estas condições de transporte, bem conhecidas da Direcção e das diversas Comissões que têm sido criadas neste Serviço, para defesa dos interesses dos trabalhadores, além de infra-humanas, representam forçada transgressão às leis em vigor, para se poderem executar os trabalhos.
Sabe-se, porém, que há núcleos do Serviço verdadeiramente privilegiados, em matéria de transportes, onde existe quase uma viatura por funcionário.
Continua também por executar a sondagem no Cabeço do Telégrafo, projectada em 17-10-1974.
E, no que respeita a análises geoquímicas de Cu, Pb e Zn não se regista qualquer progresso. Não pode deixar de se classificar de ridículo o rendimento do Laboratório de Análises por Absorção Atómica.”
Enquanto o Director não definia a situação de Pedroso de Lima, eu fui estimulando o interesse que ele demonstrara pela prospecção mineira.
Havia um problema de interpretação de resultados da aplicação do método gravimétrico, de difícil resolução, com uso apenas das pequenas calculadoras electrónicas, recentemente aparecidas no mercado nacional.
Pedroso de Lima revelara-me a sua experiência no uso dos computadores, o que, naquela época, representava uma assinalável mais-valia.
O seu entusiasmo pela resolução do problema que lhe coloquei foi ao ponto de escrever ao autor do livro onde era apresentada uma fórmula complicadíssima, da qual derivavam determinados ábacos, aplicáveis apenas a um caso particular.
Pretendia-se, o auxílio do autor para a elaboração de ábacos de carácter mais geral.
Obteve resposta simpática e continuou muito interessado em aproveitar os seus conhecimentos de Informática para chegar a esses novos ábacos.
Em 21 de Abril, ainda não lhe tinham sido atribuídas funções.
Nessa data, informou-me de que o Geólogo Farinha Ramos lhe dera conhecimento da existência de uma Secção do SFM, em Coimbra, chefiada por Viegas, na qual poderia integrar-se, evitando ter de se deslocar diariamente ao Porto.
Aproveitou a sugestão, no convencimento de que poderia começar a exercer, a partir daquela cidade, a sua actividade profissional. Avisei-o, no entanto, de que o passado de Viegas no SFM, não era muito recomendável, informando-o dos incidentes comigo havidos.
Em 21 de Abril, Pedroso de Lima escreve-me uma carta de despedida, agradecendo os conselhos prestados, os avisos feitos, bem como o apoio concedido, que disse muito ter contribuído para que a sua estadia na sede do SFM tivesse, pelo menos, um objectivo de estudo orientado para as matérias de prospecção.
Voltei a encontrá-lo num Seminário Internacional de Geoquímica, em Aveiro, no qual, a convite do Organizador, Dr. Edmundo Fonseca, fiz palestra subordinada ao título “Casos de prospecção mineira integrada”.
Não me pareceu satisfeito com a actividade que estaria a exercer.
Em Dezembro, voltando casualmente a encontrá-lo, constatei que continuava entusiasmado com o problema de gravimetria e menos com o trabalho na Secção de Coimbra.
Soube, mais tarde, que rescindira o seu contrato com o SFM, assim se frustrando totalmente as ténues esperanças que eu alimentara de ele poder vir a ser o meu sucessor no SFM, caso a normalidade neste Serviço viesse a ser conseguida, com o inevitável afastamento do seu actual Director.
Restava-me Laurentino Rodrigues, que eu continuava a ajudar, na esperança de poder substituir-me na chefia das Secções de Caminha e de Talhadas, quando eu chegasse à idade de me aposentar.
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1 comentário:
Caro Engº Rocha Gomes. Li com admiração a sua nota 116. Reconheço como veridicas todas as afirmações que aí proferiu. Chamo-me Luis Pedroso de Lima e sou o Eng. de Minas a que se refere no texto. O meu mail é luis.pedroso.lima@hppsaude.pt. Agradeço desde já a forma simpatica como descreve a minha passagem pela sua vida. Passados todos estes anos é muito sensibilizador. Melhores cumprimentos Luis Pedroso de Lima
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