segunda-feira, 12 de julho de 2010

130 –A provável. acção da Primeira Ministra Maria de Lourdes Pintasilgo em prol da indústria mineira

Enquanto perdurou o regime político de Salazar – Caetano, nunca fiz exposições ao Governo, a solicitar medidas correctivas para irregularidades que estivessem a ser cometidas na Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (DGMSG), principalmente no Serviço de Fomento Mineiro (SFM).

Na verdade, na fase inicial do SFM, tive o apoio incondicional do seu primeiro Director, Engenheiro António Bernardo Ferreira, em todas as actividades de que tinha sido encarregado.

Era deveras estimulante receber as suas frequentes visitas aos trabalhos que eu dirigia, no Alentejo e observar como por eles se interessava. Nesses recuados tempos, uma deslocação do Porto, onde era a sede do SFM, até ao Alentejo, por más estradas, muitas vezes de macadame, era quase uma aventura!

A afabilidade, quase familiar, com que tratava todo o pessoal, transformava-o num verdadeiro amigo

Quando o SFM teve a grande infelicidade de perder este seu grande impulsionador, algumas vezes senti necessidade de solicitar a intervenção do Director-Geral de Minas, Engenheiro Luís de Castro e Solla, para que fossem corrigidas decisões insensatas do novo Director.

Os temas que me levaram à presença do Director-Geral, ou a enviar documentos escritos, sempre foram objecto da sua cuidadosa atenção.

Tratando-se de pessoa de fino trato, conseguia resolver diplomaticamente, as situações anormais para que o novo Director do SFM ia resvalando, possivelmente mal aconselhado pelos seus mais próximos colaboradores, que se haviam instalado, na sede, no Porto.

Castro e Solla, conquanto não tivesse experiência mineira, tinha grande cultura e fina inteligência, características que lhe permitiam compreender, com rapidez, as questões que eu lhe apresentava.

Conservo documentos escritos pela sua mão, demonstrando elevada consideração pela competência e direitura (para usar a sua expressão) que em mim encontrava.

Nestas circunstâncias, continuava a não sentir necessidade de me dirigir ao Governo a chamar a atenção para desvios que estivessem a acontecer do cumprimento dos nobres objectivos visados pelo decreto de criação de SFM.

Quando Castro e Solla tomou a inesperada decisão de abandonar o cargo de Director-Geral, isso causou-me natural apreensão, pois não encontrava, dentro do DGMSG técnico com estatura para tais funções.

Ao tomar conhecimento de que. Fernando Soares Carneiro, que exercia as funções de Chefe da Circunscrição Mineira do Norte, estava indigitado para o cargo de Director-Geral, alimentei esperanças de que ele viria a ter para com o SFM, atitude idêntica à de Castro e Solla, pois era Engenheiro da minha geração e eram muito cordiais as nossas relações.

Mas logo no início do seu mandato, sofri enorme decepção, com a nomeação do Engenheiro Múrias de Queiroz para a direcção do SFM.

Castro e Solla, que não nutria a mínima simpatia por Múrias de Queiroz, a quem atribuía responsabilidade em decisões erradas do anterior Director, Eng.º Guimarães dos Santos, já tinha reconhecido ser eu a pessoa indicada para exercer essas funções, na oportunidade que estava a surgir com a aposentação de um Inspector Superior.

Soares Carneiro, em conversa que com ele tive, manifestou-se igualmente nesse sentido, mas, segundo me declarou, não pôde resistir às indicações do Secretário de Estado, Edgar de Oliveira, que tinha sido companheiro de Múrias de Queiroz, na JUC - Juventude Universitária Católica, isto é, organização politica e religiosa dos tempos de Salazar e Cerejeira.

Perante os inevitáveis efeitos maléficos desta nomeação, que eram facilmente previsíveis, Soares Carneiro garantiu-me que a nomeação tinha carácter transitório e que o cargo viria a ser-me confiado. (Ver post n.º 25).

Durante os primeiros anos do seu mandato, Soares Carneiro não mostrou a mínima consideração pelo Director que nomeara para o SFM. Quase ignorou a sua existência.

Era a mim que se dirigia quando surgiam problemas de ordem técnica, a que era necessário dar seguimento. Para Múrias de Queiroz reservava as questões burocráticas.

São exemplos as visitas, com o Secretário de Estado, a zonas mineiras do Alentejo, para evidenciar a importância do SFM, na valorização do património mineiro nacional (ver post n.º 47); a minha nomeação, em 1965, para representar a DGMSG nas Jornadas de Engenharia de Moçambique (ver post n.º 44); a minha permanência como real representante de Portugal no grupo “ad hoc” constituído em 1961, no âmbito da OCDE (Ver post n.º 22); a minha nomeação para uma missão ao Japão que eu declarei não ter condições para bem desempenhar (Ver post n. 51).

Com o decurso do tempo, Soares Carneiro foi-se apercebendo da verdadeira dimensão da ignorância de Múrias de Queiroz e do seu carácter subserviente .

Em vez de procurar, para ele, cargo compatível com as suas reais capacidades, como o exigia o interesse nacional e de me confiar a direcção do SFM, em conformidade com o que me havia declarado, resolveu chamar a si o comando total do SFM.

Foi assim que criou a chamada Comissão de Fomento (Ver post n.º 49).

Mais uma vez, alimentei a esperança de que, através das reuniões desta Comissão, eu conseguiria vencer as dificuldades com que deparava para cumprir os programas de prospecção que submetia anualmente a apreciação superior e que considerava aprovados, por nada me ser comunicado sobre a sua aceitação.

Por outro lado, também pensava que, através desta Comissão, seria encontrada solução para a grave crise por que estava passando o 2.º Serviço, com o importante sector dos Trabalhos Mineiros em grande decadência.

Mas, mais uma vez as minhas ingénuas expectativas foram rapidamente frustradas.

A sua actuação, que roçava muitas vezes a grosseria, contrastando com a fina educação de Castro e Solla, fez-me sentir envergonhado, quando ostentava essa sua característica, na presença de representantes de empresas estrangeiras, que não se inibiam, depois, de o ridicularizar perante mim, quando o nosso habitual convívio já isso permitia.

E esse estilo fez escola, dele abusando não só o Director do SFM, nas sobretudo o Adjunto do Director-Geral, o cognominado Ajax.

Em vez de contribuir para o bom desempenho das actividades a meu cargo, passou a introduzir graves perturbações nessas actividades, em total desrespeito pelas disposições do decreto-lei n.º 18730 de 1 de Agosto de 1930 que codificava a legislação mineira e do decreto-lei n.º 29725, de 28 de Junho de 1939, que criava o Serviço de Fomento Mineiro, os quais acentuavam o importante papel a desempenhar pelos técnicos portugueses no racional aproveitamento dos nossos recursos minerais.

Também desprezava completamente as minhas recomendações no mesmo sentido, constantes do capítulo final do artigo de minha autoria, também subscrito pelo Engenheiro Fernando José da Silva, “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, publicado no Volume X de “Estudos Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”.

Tendo em curso estudos sistemáticos, por variadas técnicas, na Faixa Piritosa Alentejana, com resultados fortemente encorajantes, decidiu, sem ouvir o meu parecer, outorgar vastas parcelas desta Faixa, sobretudo a Empresas estrangeiras.

Entre vários sucessos, em fase terminal de concretização, que ofereceu, de mão beijada, a empresas privadas, que logo reivindicaram a sua total autoria, chegando, num caso, a depreciar a anterior preparação pelo SFM, com a vergonhosa cumplicidade do adjunto do Director-Geral (Ver post n.º 36), destaca-se a descoberta de Neves-Corvo, isto é, do maior jazigo de cobre da Europa, que acabou por chegar 5 anos atrasada, devido a inépcia do grupo empresarial dominado por técnicos e capitais franceses, ao qual tinha sido adjudicada a área em que se situa (Ver posts n.ºs 37 a 43).

Também ignorou completamente a minha recomendação de fazer da Mina de cobre de Aparis uma Escola de Minas (Ver post n.º48).

Verdadeiramente esclarecedor sobre os seus conhecimentos relativamente à condução dos exigentes trabalhos de prospecção mineira, foi a sua incrível atitude de se atrever a dirigir Geólogos jovens, tão inexperientes como ele, em campanhas de investigação de existências de scheelite, em zonas de Trás-os-Montes e das Beiras, com as desastrosas consequências que relatei nos posts n.ºs 56 e 94.
Alimentava o sonho de ficar na História das Minas como grande descobridor de jazigos minerais, pois subitamente tinha chegado ao seu conhecimento (!!), que a scheelite, que mal se distingue, à vista desarmada, de minerais estéreis, fluoresce intensamente, quando submetida a radiação ultra-violeta de determinado comprimento de onda. Simplesmente primário!!

Estas e outras situações que se geraram levaram-me naturalmente a manifestar as minhas grandes divergências sobre a orientação que o Director-Geral se permitia dar ao SFM.

Mas o Director-Geral mantinha a sua atitude autoritária, com expressões como estas:
“Oh Rocha Gomes, todos sabemos que é assim …, mas não pode ser!”
“Mas o Senhor Engenheiro Rocha Gomes pensa que por ter essa opinião todos temos o dever de concordar?” (Eu era, na matéria em discussão, a única pessoa presente que conhecia o problema - a Mina do Barrigão, em Almodôvar, onde o 2.º Serviço realizava inadequados trabalhos, inserida em área que até estava adjudicada a empresa canadiana, sem que manifestasse o mínimo interesse no seu estudo).
“Aquele gajo está ali, há muito tempo com o dedo no ar! Vamos ouvir o que tem para dizer!” (Não estava instituído este procedimento para pedir a palavra, de modo que muitos falavam ao mesmo tempo e pouco se progredia nas discussões habituais sobre temas banais, que não interessavam à maior parte dos presentes). Após a minha intervenção, que, obviamente lhe não agradava, não raro tinha expressões como esta:
“É ou não é retorcido?”

As minhas relações com o Director-Geral foram-se progressivamente degradando, ao mesmo tempo que ele ia tirando partido das minhas deficientes relações com o Director do SFM.
Já constava que se preparava para me instaurar processo disciplinar, quando surgiu a Revolução de 25 de Abril de 1974.

No regime político de Salazar-Caetano, nunca encarei dirigir-me ao Governo para denunciar as irregularidades do Director-Geral, até porque já tinha recebido um aviso de que, nesse regime, estava estabelecido que “Os Chefes têm sempre razão” (Ver post n.º 23)

Após a Revolução, muitas foram as minhas exposições a Ministros ou Secretários de Estado que tutelavam o sector mineiro estatal.

Surpreendia-me que nunca me fosse dada resposta.

Chegou, porém, ao meu conhecimento que todas as minhas exposições eram enviadas ao Director-Geral, isto é, a pessoa por mim visada, algumas delas possivelmente sem que os governantes delas tomassem conhecimento.

Havia, no gabinete dos governantes, secretária que a troco de umas amostras de minerais, se encarregava de informar o Director-Geral das minhas exposições, ou até de lhas fazer chegar à mão.

Houve até um caso em que, da minha intervenção junto de governante, resultou um efeito contraproducente.
O Geólogo Assessor do Secretário de Estado, que agia em representação deste, aproveitou em seu benefício pessoal, as denúncias que eu fizera acerca de irregularidades cometidas pelo Director-Geral e pelo Director do SFM.
Conseguiu, sem currículo que o creditasse, ser nomeado Subdirector-Geral na DGGM e, mais tarde, chegar até a Director-Geral!!! Ver post n.º 126)

Mas eu não fiz exposições apenas para os Ministros da tutela.

Uma dessa exposições foi dirigida à Primeira Ministra, Engenheira D. Maria de Lourdes Pintasilgo. E dessa obtive resposta encorajadora.

Essa exposição e á sua resposta será objecto do próximo post.

Sem comentários: