segunda-feira, 15 de agosto de 2011

184 - Nova discussão sobre Plano Mineiro Nacional. Continuação 8


Nos últimos posts, tenho vindo a analisar um documento que o Geólogo José Goinhas apresentou, com a intenção de contribuir para a elaboração de um “Plano Mineiro Nacional” anunciado pelo Governo, para solucionar graves problemas com que se debatia a nossa indústria mineira.

Este documento, a que Goinhas deu o título de “A prospecção mineira em Portugal - Áreas potenciais de aplicação de projectos” teve honras de ser seleccionado para publicação no Boletim de Minas.

Todavia, como venho demonstrando, a sua versão da história que se propôs narrar, está eivada de lapsos, que desvalorizam as actividades dos sectores produtivos do Serviço de Fomento Mineiro, responsáveis pelos maiores sucessos na indústria mineira do País.

Goinhas, que não teve participação alguma, na maior parte das matérias constantes das suas descrições, também não teve o elementar cuidado de usar apenas fontes de informação credíveis, rejeitando as fontes tendenciosas, que tinha obrigação de saber caracterizar.
Nem se deu ao trabalho de consultar a documentação adequada, que facilmente encontraria nos arquivos da Brigada do Sul e do 1.º Serviço de Prospecção, alguma até publicada!

Sobre a descoberta de Neves – Corvo, cujos antecedentes, referidos no post anterior, foram ignorados na narrativa de Goinhas, intencionalmente ou não, vou agora descrever os factos ocorridos, durante a vigência do contrato com a Associação, repetindo algo do que já consta dos posts N.º 37 a 43.
Nos termos contratuais, foi facultada à Associação constituída pela Sociedade Mineira de Santiago, pelo BRGM (Bureau de Recherches Géologiques et Minières, o equivalente francês do SFM) e pela Sociedade Mineira e Metalúrgica de Peñarroya Portuguesa Limitada, toda a vasta documentação, respeitante à área de 4 000 km2 que lhe tinha sido outorgada, constante dos arquivos do SFM e resultante não só e sobretudo das investigações do SFM, mas também dos estudos de empresas privadas.

Embora tenha chamado a atenção da Associação para a anomalia gravimétrica que estava a evidenciar-se vigorosamente, em zona que eu havia classificado como especialmente favorável à ocorrência de mineralizações cupríferas (Ver post anterior), na realidade isso era perfeitamente dispensável.
De facto, além de não fazermos segredo dos resultados que íamos conseguindo, era com satisfação que os dávamos a conhecer aos técnicos de qualquer das empresas envolvidas em estudos da mesma natureza.
Considerávamos benéficas, para ambas as partes, as discussões técnicas que daí advinham.
O facto de todas as nossas áreas de actuação estarem, nos termos legais, devidamente protegidas, através da sua prévia cativação para o Estado, era garantia de que tais resultados não seriam alvo de ilegítima apropriação.

A Associação estava, pois, bem ao corrente da revelação dessa anomalia e terá sido tal conhecimento que desencadeou as suas diligências para obter os direitos de prospecção, com a provável conivência do representante da DGGM junto da Sociedade Mineira de Santiago.

O facto de participar, na composição da Associação, um Organismo estatal francês altamente prestigiado (o BRGM, equivalente ao SFM português) fez-me esperar que daí adviriam consideráveis progressos nos estudos da Faixa Piritosa Alentejana.

A Associação, na posse da documentação a que acima aludi, passou, de imediato, á aplicação da técnica gravimétrica, usando os seus próprios meios e rapidamente acabou a definição da anomalia, que o SFM tinha evidenciado, já em grande parte da sua extensão.

Sem perda de tempo, deu início à sondagem N.º 1, que seria a primeira de uma série destinada a definir as dimensões e demais características do jazigo que era suposto ser a causa da anomalia.

Todavia, aconteceu o inesperado! A sondagem atingira a profundidade de 200 m e tinha já ultrapassando, na série estratigráfica, o nível onde o jazigo deveria ser encontrado.

Surpreendentemente, a Associação desistiu de continuar a investigar a causa de tão extraordinária e bem saliente anomalia, que atingia a amplitude de 1,4 mgal !!!

Era sabido que anomalias podem ser originadas por causas diferentes de jazigos minerais. Rochas básicas têm densidades suficientemente contrastantes com outras rochas ocorrentes no mesmo ambiente geológico, para provocarem anomalias semelhantes às ocasionadas por jazigos de minérios densos.

Todavia, teria sido elementar detectar contraste que explicasse a anomalia que começara a ser investigada pela sondagem N.º 1.
Mas isso não foi feito!

Eu ainda perguntei se a Associação considerava explicada a anomalia. Foi-me respondido que, efectivamente, não tinha sido detectada a sua causa ... mas que, tendo sido ultrapassado o horizonte onde o jazigo poderia ter sido encontrado, a anomalia teria outra origem!!!

É oportuno aqui registar que, se a área não tivesse sido adjudicada, continuando portanto em investigação pelo SFM, os procedimentos teriam sido diferentes.

Encontrar explicação para a anomalia teria sido considerado fundamental.

Desde a data em que me foi confiada a direcção do departamento de Prospecção Mineira do SFM, era rotina estabelecida a determinação sistemática das densidades dos testemunhos das sondagens, quando estas se baseavam em dados da gravimetria ou das susceptibilidades magnéticas, quando se baseavam em anomalias magnéticas.

Os testemunhos teriam, obrigatoriamente, que revelar contrastes daqueles parâmetros, suficientemente expressivos para justificarem as anomalias em investigação.
No caso de não revelarem tal contraste, seriam reanalisados todos os trabalhos que haviam conduzido à definição dessas anomalias, a fim de se detectar onde se tinham cometido erros.

Posso citar 4 casos, em que houve que proceder a tais reanálises.

O primeiro aconteceu, quando a sondagem N.º 14, na zona de Algares de Portel, baseada em anomalia gravimétrica, não atravessou formação geológica com densidade que justificasse a anomalia. Reanalisadas as correcções às observações no terreno, foram detectados erros que mostraram ser espúria a anomalia.

O segundo ocorreu, quando se investigava ténue anomalia gravimétrica, que acabou por se revelar como a assinatura do jazigo da Estação, em Aljustrel.
Sondagem prevista para encontrar, à profundidade de 350 metros, a massa de pirite responsável pela anomalia, deparou com grandes dificuldades no seu avanço, talvez devido a alguma inexperiência do pessoal sondador, acontecendo que, tendo atingido, a profundidade de 328 metros, em vez de avançar, ia recuando, durante sucessivos meses, devido a constantes desmoronamentos.
Do Director-Geral, por intermédio do seu adjunto, recebi fortes pressões no sentido de dar o furo por terminado, perante as despesas que estava a ocasionar, as quais classificava de injustificadas, pois punha em dúvida a existência de jazigo, a tão grande profundidade.
A minha reacção foi no sentido de confiar a execução do furo a entidade que conseguisse cumprir o projecto, caso a Brigada de Sondagens do SFM não fosse capaz de superar a dificuldade, uma vez que ainda não tinha sido detectada a causa da anomalia gravimétrica.
As densidades dos testemunhos, que sistematicamente íamos determinando, com uso de equipamento que concebi para esse efeito, não permitiam explicar a anomalia.
Felizmente a minha posição nesta matéria foi respeitada e a Brigada de Sondagens conseguiu finalmente fazer avançar o furo.
Após três meses de avanços e recuos, a sondagem penetrou em massa de pirite complexa aos 350,3 m e nela continuou, na extensão de 75 m.

O terceiro caso aconteceu na região de Cuba – Vidigueira. Uma sondagem baseada em forte anomalia magnética não atravessou, até à profundidade calculada, formação que justificasse tal anomalia. Neste caso, tinha havido erro de implantação da sondagem!

O quarto caso aconteceu na Região de Cercal – Odemira, onde uma sondagem baseada em discreta anomalia gravimétrica, assinalada em local considerado favorável à ocorrência de concentrações de sulfuretos idênticas as da Faixa Piritosa, atingiu a profundidade de 573 m, que era o limite da capacidade da sonda disponível, sem ter encontrado formação densa que justificasse a anomalia.
Este caso continua, portanto, por esclarecer.
Mineralização cuprífera disseminada, que foi encontrada a grande profundidade, não contribui suficientemente para o contraste densitário necessário para explicar a anomalia.

Era, pois, evidente que, se a campanha de prospecção do SFM, na zona de 100 km2 seleccionada para investigação, na Região de Castro Verde – Panóias, não tivesse sido interrompida, por arbitrária decisão do Director – Geral, contrariando disposições repetidamente inseridas em diplomas legais, a descoberta do jazigo de Neves – Corvo teria ocorrido, no ano de 1972, como consequência natural da metodologia adoptada pelo SFM.

A Associação, adoptando metodologia diferente, em que as suas interpretações geológicas constituíam o principal suporte para a passagem à fase de sondagens e os dados fornecidos pelas técnicas geofísicas eram pouco valorizados, andou, durante cerca de 5 anos “perdida” sobretudo na região de Mértola, sem quaisquer resultados positivos.

Entretanto, tinha ocorrido a Revolução de 25 Abril de 1974 e, como já revelei, alguns oportunistas, entre os quais se destacava o Geólogo Goinhas, usando no pior sentido as liberdades conquistadas, conseguiram afastar-me da direcção dos estudos no Sul do País.

Deixei, portanto, de poder acompanhar, de perto, as actividades da Associação.

Mas tive, casualmente conhecimento, em 5 de Abril de 1977, por curta conversa com o Geólogo Xavier Leca do BRGM, que encontrara na Universidade de Aveiro, quando ambos ali nos deslocamos para assistir a palestras sobre tectónica de placas, que a Associação decidira regressar à zona da anomalia gravimétrica, tendo já em curso a sondagem N.º 2.
De imediato lhe dei os parabéns, acrescentando que, se a área regressasse para estudo pelo SFM, uma vez que a validade do contrato estava prestes a expirar, e eu ainda estivesse nas funções de Chefe da 1.ª Brigada de Prospecção, era para essa zona que eu voltaria imediatamente”.

Em fins de Maio de 1977, recebi telefonemas dos Geólogos Nabais Conde e Xavier Leca, do Quadro de Técnicos da Associação, informando que a sondagem N.º 2 tinha penetrado em jazigo de pirite complexa, estando nessa data já com 20 metros em minério rico em calcopirite.

Às felicitações que a ambos dirigi, correspondeu Leca realçando o mérito da minha contribuição e lembrando a conversa havida em Aveiro. Classificou-me, então como “pai do jazigo”.

Nabais Conde mostrava particular interesse em conhecer qual a intervenção dos Geólogos do SFM na selecção da zona de 100 km2, para investigação por gravimetria, fazendo-me suspeitar de que eles (Delfim de Carvalho, José Goinhas e Vítor Oliveira) estariam a apresentar-se como os grandes decisores em tal matéria, quando a triste realidade era não só não terem tido aí a mínima intervenção, mas terem-se até tornado os principais responsáveis pela grande decadência por que o SFM então passava.

Conclusão: Os “ESFORÇOS” da Associação, que Goinhas tanto realça, por “complementarem” os que o SFM foi obrigado a suspender, eram bem dispensáveis, porque afinal eles se traduziram em atraso de 5 anos na concretização da descoberta!!

Continua …


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