domingo, 12 de setembro de 2010

139 – O procedimento adoptado para escolha do novo Director-Geral de Minas

O Ministro que fez publicar o despacho de exoneração do Engenheiro Soares Carneiro do cargo de Director-Geral de Minas, teve a coragem de resolver um problema que se arrastava de tempos anteriores à Revolução de Abril de 1974.

De facto, sabia-se que o Ministro Rogério Martins, do Governo de Marcelo Caetano, já se havia apercebido da necessidade de substituir Soares Carneiro. Não encontrava, porém, entre os possíveis candidatos ao cargo (os Engenheiros do chamado “Gabinete de Estudos” que se haviam instalado em Lisboa) quem oferecesse garantia de melhor desempenho. Apesar dos seus defeitos, Soares Carneiro era, nessa época, ainda “o menos mau”!

A decisão tornara-se tão premente, que resistira ao habitual favoritismo político. O Engenheiro Soares Carneiro era parente muito próximo do General Soares Carneiro que, então, tinha o apoio do malogrado Primeiro-Ministro Sá Carneiro, para Presidente da República.
Fora precisamente quando se dirigia, de avião, para o Porto, a fim de presidir a uma sessão de propaganda para a eleição do novo Presidente, que Sá Carneiro teve o acidente que o vitimou.

Era natural esperar que a escolha do novo dirigente obedecesse aos princípios repetidamente estabelecidos, no Decreto-lei n.º 548/77 de 31-12-1977 e em várias Resoluções do Conselho de Ministros.

Lembro que, no n.º 1 do artigo 33.º daquele diploma legal, se determina que “os lugares de director-geral, secretário-geral, director, subdirector-geral e subdirector serão providos por escolha do Ministro, em comissão de serviço por tempo indeterminado, de entre diplomados com curso superior adequado e de reconhecida competência .

Recordo, também, a Resolução n.º 10/79, de 15-1-79 do Gabinete do Primeiro Ministro, da qual transcrevo a seguinte passagem:
“É sabido que alguma inoperância dos serviços públicos é devida a uma certa crise de autoridade e de competência que se instalou, nos últimos anos, nos diversos escalões dirigentes de muitos organismos.
Assiste-se ainda hoje, em alguns casos, à manutenção de situações de indisciplina individual.
Torna-se indispensável eliminar todos os factores de bloqueamento de tomada de decisão coerente e em tempo útil, repondo o sistema de autoridade - responsabilidade no seu funcionamento pleno

Transcrevo, ainda, algumas disposições do Decreto-Lei n.º 191 – F /79, de 26 de Junho de 1979:

“A necessidade de modernizar a Administração Pública, adaptando-a à realidade do País actual, constitui um dos objectivos prioritários do Governo, aliás prosseguido na esteira de propósitos de Governos anteriores, que, apesar de programados, não chegaram, em muitos casos, a ter expressão em medidas concretas de carácter genérico.
É desnecessário realçar a importância dos quadros dirigentes numa mudança que se deseja orientada no sentido da eficácia, já que os mesmos são, por um lado, o elo de ligação entre o Governo e a máquina que deverá dar execução ao seu Programas, por outro, os verdadeiros motores do seu funcionamento.

A resolução do problema passa, porém, por medidas de mais largo alcance orientadas para a atribuição de maiores níveis de responsabilidade e por um maior rigor na selecção de dirigentes, que deverá basear-se no critério de competência.

O recrutamento do pessoal dirigente referido no artigo anterior far-se-á de entre indivíduos habilitados com licenciatura, mediante apreciação curricular e de acordo com as seguintes regras:
a) O cargo de director-geral ou equiparado é provido por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro competente, devendo a escolha recair em indivíduos de reconhecida competência e que possuam experiência válida para o exercício das funções
...

O Governo tinha, na sua posse, elementos mais que suficientes para, facilmente, corrigir os desmandos que Soares Carneiro originara na DGGM

O Ministro que aceitara sobraçar a pasta da Indústria, tinha conhecimento, através da vasta documentação que eu enviara, da imperiosa necessidade de mandar proceder a rigoroso inquérito para punir, exemplarmente, os responsáveis pela situação caótica a que se havia chegado e promover que, para a eficiência da DGGM, em especial do SFM, fossem colocados, “os homens certos, nos lugares certos”.

O Ministro tinha obrigação de ter conhecimento de que, dentro da Direcção-Geral de Minas, sobretudo no SFM, havia técnicos com currículo valioso, que tinham sido marginalizados.

O Ministro, se tivesse verdadeira consciência da importância dos recursos minerais na economia do País, deveria ter apreciado devidamente o papel decisivo do SFM na preparação da descoberta da enorme riqueza contida no jazigo de Neves-Corvo.

E se aprofundasse o seu conhecimento acerca desta descoberta, poderia chegar a conclusões surpreendentes.

Poderia, por exemplo, aperceber-se da minha persistente luta, durante uma dezena de anos, para conseguir aplicar a técnica que conduziu a tão extraordinário êxito, a nível mundial (Ver posts n.º s 14 e 37)

Poderia ainda ficar a saber que a descoberta só não foi concretizada totalmente pelo SFM, porque Soares Carneiro, sem me consultar, decidiu adjudicar a Grupo empresarial privado, vasta área, que incluía a zona onde, sob minha direcção, estava, quase totalmente definida, a expressiva anomalia gravimétrica, que era a assinatura do jazigo (Ver posts n.ºs 37 a 43).

Poderia, também, conhecer muitos outros êxitos do SFM, pelos quais fui o principal responsável. E ficaria a saber o meu importante papel na preparação de futuros Engenheiros e Geólogos, através de aulas que ministrava nas Faculdades de Ciências e de Engenharia do Porto e de colaboração que prestava à Universidade de Aveiro.

Ocorre-me citar o parecer manifestado por unanimidade, pelos Engenheiros e Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção, que tinha sido por mim instituída e era, em 1974, o mais importante núcleo do SFM.
Pronunciaram-se, então, no sentido de eu dever assumir a direcção do SFM, indo ainda mais longe, ao afirmarem que era eu também a pessoa indicada para o cargo de Director-Geral de Minas (ver post nº 72)

Estes mesmos funcionários tornar-se-iam, mais tarde, por influência de Soares Carneiro, os principais responsáveis pela degradação que passou a verificar-se no SFM, como natural consequência do ignóbil e traiçoeiro documento que subscreveram, para me afastarem da chefia daquela Brigada.

Na posse de todos estes dados, era natural que ao Ministro ocorresse o meu nome para assumir o comando da DGGM

Embora eu não estivesse interessado no cargo, pois a aceitação implicaria o meu afastamento das actividades de investigação no campo, a hipótese deveria ter sido considerada.

E eu admito que, se o problema me tivesse sido apresentado, nos seus correctos termos, poderia ter revisto a minha atitude, considerando meu dever cívico a aceitação desse cargo.com todas as dificuldades que teria de enfrentar.

De facto, tinha sido já a consciência dos meus deveres cívicos que determinara a minha aceitação de funções docentes em vários estabelecimentos de ensino superior e médio, com deficiente remuneração, ou mesmo sem remuneração e até com despesas não reembolsadas.

Registo que Jorge Gouveia já me tinha oferecido um lugar de Director de Serviço, … com a condição de eu deixar de realizar trabalho de campo!!!, - oferta que eu obviamente rejeitei pelas razões que expus.

Constou, que o Ministro tentara encontrar exteriormente, pessoa idónea para o cargo de Director-Geral de Minas, mas não fora bem sucedido nas suas diligências

A triste realidade, a que se assistiu, foi que o Ministro, desprezando totalmente as disposições dos Decretos que fez publicar e as recomendações quanto à exigência de competência profissional, em vez de corrigir os monstruosos erros que tinha cometido, ao ter permitido o assalto aos lugares de chefia, por técnicos incompetentes e de duvidoso carácter, tomou a atitude simplista de aceitar como candidato ao cargo de Director-Geral de Minas, um dos 4 “assaltantes” que tinham conseguido instalar-se como subdirectores-gerais.

Acontecia, porém, que um destes promovidos a candidatos, o Engenheiro José Maria da Costa Almeida, tinha um passado de subserviência relativamente ao anterior detentor do cargo, que o não recomendava. A realidade era que ele já só se preocupava com diligências para se aposentar com a categoria de assessor da letra B, à semelhança do que outros funcionários tinham conseguido.

Dos outros três, o Geólogo Delfim de Carvalho e o Engenheiro Jorge Gouveia estavam ocupando cargos de Director dos Serviços Geológicos e Director do SFM;

Restava o Geólogo Alcides Pereira, que tinha magríssimo currículo (Ver post n.º 126) e era, de facto,"um corpo estranho" na DGGM.
Fora nomeado, em comissão de serviço, subdirector-geral, apenas por favoritismo político desconhecendo-se as funções que exercera, desde que, há dois anos fora investido no cargo que detinha.

Perante estes factos, o Ministro resolveu arriscar, nomeando Alcides Pereira,
que era, talvez, o detentor de pior currículo, dentre todos os técnicos superiores da DGGM, embora em interinidade, na esperança de que melhor solução viesse a surgir.

Foi assim que se sucederam despachos, com datas 1-4-1980 e 15-9-1980 para Alcides Pereira exercer o cargo, em regime de substituição, até que, em 11-11-1980, é feita a nomeação, por urgente conveniência de serviço.

Só, porém, em 2-1-1981 é emitido um despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Indústria, nos seguintes termos:

Licenciado Alcides Rodrigues Pereira, técnico superior principal do quadro do Gabinete de, Pesquisa e Exploração de Petróleo, exercendo, em comissão de serviço, as funções de subdirector-geral de Geologia e Minas – nomeado para exercer, em comissão de serviço, o cargo de director-geral de Geologia e Minas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ºn.º 2 do artigo 4.ºdo Decreto-Lei n.º 191-F/79 de 26 de Junho. De acordo com o determinado naquele despacho conjunto (que anula o publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 261 de 11 de Novembro findo), o exercício destas funções teve início a partir da data do mesmo, em virtude de esta nomeação ter sido feita, por urgente conveniência de serviço, ao abrigo no disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 146-C/80 de 22 de Maio.

Com tais antecedentes, não era difícil prever que, mais uma vez, viria a ter plena confirmação a lei de Murphy, como revelarei em futuros posts.

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