Apesar da imagem negativa que Daniel transmitiu, em 11-10-83, com insólitas fanfarronadas, durante o seu “comício”, no átrio de entrada do edifício de S. Mamede de Infesta, eu ainda acalentava a esperança de que contivesse os seus impulsos, na primeira reunião que com ele iria ter e que, em ambiente de seriedade e serenidade, pudesse fazer-se uma análise global dos problemas que o SFM enfrentava, começando obviamente pelos da 1.ª Brigada de Prospecção e passando depois aos da 2.ª Brigada, onde sobressaia a arbitrária suspensão do estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral.
Mas não foi isso que aconteceu.
Daniel nem manifestava intenção de revitalizar a 1.ª Brigada de Prospecção, não obstante ter reconhecido estar necessitada de orientação superior, nem demonstrava interesse no restabelecimento do estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral.
De chofre, faz-me a seguinte pergunta:
Quando termina o trabalho de Caminha?
Tão despropositada pergunta era prova evidente de continuar fortemente contaminado pelos seus antecessores, parecendo disposto a prosseguir na senda destrutivas em que eles se empenharam.
Se não tivesse sido demitido, Jorge Gouveia, que tivera a ousadia de suspender os trabalhos na Faixa Metalífera da Beira Litoral, acabaria por tomar idêntica decisão, relativamente à Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, pois até considerara o estudo desta Região fora dos programas do SFM (Ver post n.º 149).
A minha resposta tranquila, a tão insensata pergunta, foi no sentido de ele se informar sobre a actividade em curso naquela Região, e sobre as condições em que decorria, antes de assumir posição sobre datas previsíveis para o seu termo.
Surpreendentemente, pensando honrar-me com a direcção de um novo e ambicioso projecto, Daniel diz-me ser eu a pessoa indicada para chefiar o projecto de Gois, com a colaboração do Engenheiro Reynaud e do Geólogo Goinhas!
Outra hipótese, que lhe ocorria, seria eu ter, para o projecto de Góis, a participação do Geólogo Vítor Pereira, que havia regressado ao SFM, após um período em que esteve em actividade privada, e do Geólogo Vítor Oliveira!
Procurei esclarecê-lo de ter sido eu a introduzir o projecto de Gois no programa do 1.º Serviço, salientando porém, a fase incipiente em que se encontrava, a exigir sobretudo geologia de boa qualidade.
Informei-o de ter visitado os trabalhos mineiros em Góis, quando ali havia explorações em curso, a pedido do Director Técnico, que era um Engenheiro filho de Farinas de Almeida, ex-Professor da Faculdade de Engenharia.
O concessionário da Mina pretendia o auxílio do SFM, na revelação das estruturas filonianas e das zonas de maior concentração de minerais tungstíferos.
Então, o meu conselho, perante o que me tinha sido possível observar, foi no sentido de ser feito um levantamento geológico, tão pormenorizado quanto possível, da área de ocorrência das mineralizações já conhecidas, para tentar desvendar o seu enquadramento na estrutura geológica local, que pudesse constituir um primeiro guia da prospecção.
Não considerava útil a intervenção do SFM, uma vez que a geologia era um dos pontos mais fracos deste Organismo. Sugeri-lhe que tentasse a colaboração do Professor do Instituto Superior Técnico, Engenheiro Décio Thadeu, para aproveitar a experiência que ele tinha adquirido quando esteve integrado no Quadro técnico da Mina da Panasqueira, próxima de Góis, admitindo semelhanças no estilo das mineralizações de ambas as minas.
O meu conselho foi seguido, mas o problema não se revelou fácil e, apesar da competência do Professor Décio em Geologia (tinha tido o privilégio de beneficiar das lições do ilustre Professor Fleury), não se verificaram progressos significativos na actividade mineira em Góis, e a lavra acabou por suspensa, sendo essa situação em que se encontrava.
Não me parecia oportuno dar início ao estudo desta Região, no estado de decadência em que o SFM se encontrava.
Lembrei-lhe, então, o que tinha ficado decidido, na reunião de 9-9-83, com o Director-Geral, de que devia ter conhecimento.
Eu continuaria a dirigir a campanha de prospecção na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, na sua directa dependência, se o projecto fosse considerado com interesse.
Era, para mim, evidente que o projecto tinha muito interesse, pois se não tivesse, já dele me teria desligado, sendo injustificadas e até ofensivas as duvidas do Director-Geral.
Pretendendo demonstrar capacidade de decisão, diz em tom autoritário:
Então, vamos atacar! Quero tudo terminado em 1984!
Para que tal objectivo fosse atingido, passa a dar-me a sua lição de prospecção:
Professoralmente, vai escrevendo as fases a que a prospecção deve obedecer: Geologia regional; geologia local a 1:5000, geoquímica, geofísica, etc...
A título de curiosidade, registo que conservo, como recordação desta preciosa lição, as duas folhas de papel que o “grande prospector” Daniel deixou escritas, para eu não esquecer como proceder em futuros projectos de prospecção.
Com calma, perante tão ridículas e insultuosas atitudes, pergunto-lhe se conhece o meu currículo.
Embora não demonstrasse grande interesse, talvez porque só o futuro o preocupasse, como já havia declarado, fui descrevendo o que tinha sido a minha actividade, em todas as fases da prospecção, durante os 40 anos que já levava de intenso labor e de constante luta para vencer mais os obstáculos criados por dirigentes incompetentes do que as dificuldades normais da prospecção.
Salientei os maiores êxitos do Fomento Mineiro, em toda a sua existência, de que fui o principal responsável, com realce para a descoberta do jazigo de Neves-Corvo, pelo uso da gravimetria, por mim introduzida no SFM.
Realcei, também, a minha colaboração às Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto e ao Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, encarregando-me da regência da cadeira de Prospecção Mineira, para a preparação dos seus alunos, possíveis futuros técnicos do SFM.
Chamei a sua atenção para o facto de vários Engenheiros e Geólogos que, como ele, não tinham tido a cadeira de Prospecção Mineira, por não constar do elenco do Curso, me terem pedido para frequentarem as aulas que eu ministrava na Faculdade de Ciências do Porto e o facto de dois deles, já professores na Universidade de Aveiro terem frequentado essas aulas durante dois anos.
Referi, também, o ensino a Engenheiros, Geólogos e Agentes Técnicos de Engenharia, que ingressavam nos departamentos sob minha chefia, com muito deficiente preparação académica.
Aludi, ainda, à formação que proporcionei a numerosos funcionários admitidos no SFM, apenas com a 4.ª Classe de Instrução Primária, que se tornaram competente topógrafos, auxiliares de Geologia e prospectores nas suas variadas técnicas.
Nada disto parecia impressioná-lo. Eram trabalhos de secundária importância comparados com aqueles em que se ocupara na sua actividade profissional!
Gabava-se de ter tido emprego, em Angola, na Mineira do Lobito e de, na Metrópole, ter trabalhado nas Minas da Serra da Preguiça em Moura, na Mina de Miguel Vacas em Vila Viçosa e nas Minas de Aljustrel!
A sua experiência mineira era, pois, muito superior à que eu lhe tinha exposto.
Ignorava, porém, que se tivera emprego, em todas aquelas Minas, com excepção da Mineira do Lobito, fora porque anteriormente, quando essas Minas estavam com laboração reduzida, com lavra suspensa ou inactivas, eu tinha dirigido estudos, preparando-as para poderem entrar em franca exploração.
Daniel não disse em que consistiu a sua actividade nas Minas pelas quais passou, mas pelo que, mais tarde, chegou ao meu conhecimento, a sua presença não foi muito apreciada em quase todas elas. Ele próprio se gabou, perante mim, de estar habituado a “engolir” muita coisa!
Regressando ao tema da reunião, após esta dispensável divagação, explique-lhe que, na sua lição de Prospecção esquecera a importantíssima fase de Documentação, que é frequentemente negligenciada, conduzindo à repetição escusada de onerosos trabalhos.
Pergunto-lhe, então, se a respeito da actividade sob minha direcção, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, leu os meus recentes relatórios trimestrais e anuais, a minha Comunicação ao CHILAGE (Congresso Hispano – Luso – Americano de Geologia Económica), a minha Informação sobre a actividade de Union Carbide, em relação com contrato celebrado com o Estado.
Chamei-lhe a atenção para o meu parecer expresso em alguns desses documentos, de que: “com os meios disponíveis, jamais se chegaria aos resultados a que a campanha de prospecção em curso deverá ambicionar, isto é, à descoberta de jazigos minerais.”
Informei-o de estar aguardando, desde Dezembro de 1979, que me fosse disponibilizada a documentação técnica que Union Carbide entregou, para a integrar na Documentação respeitante à Região e com base em todos os dados existentes, elaborar novo plano de ataque do problema de valorização mineira da Região.
Mais uma vez esclareci que Ubion Carbide, durante a vigência dos seus contratos com o Estado e com concessionários locais, sempre deu cabal cumprimento às cláusulas desses contratos.
Se, quando decidiu abandonar a Região, fez entrega de novos documentos e de testemunhos de sondagens, sem a tal ser obrigada, foi apenas porque eu, tendo acompanhado, de perto, e até auxiliado, toda a sua actividade, e apercebendo-me da existência dessa preciosa fonte de informação, manifestei grande interesse na sua posse, caso a Empresa desistisse de explorar as reservas minerais que conseguiu definir.
Era para mim incompreensível que tais documentos continuavam a ser-me negados.
Por outro lado, não só o Laboratório continuava a não realizar as análises geoquímicas das numerosas amostras de solos que lhe eram enviadas (já atingiam alguns milhares), mas também não me era disponibilizado o gravímetro que estava prometido, há anos, por curto prazo, para auxiliar a definir a estrutura geológica regional.
Ao mesmo tempo que se pretendia uma rápida conclusão dos estudos, dificultava-se, ostensivamente, a sua realização.
Pergunto qual a razão da urgência em terminar o estudo da Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, sendo este um dos estudos mais criteriosamente conduzidos pelo SFM, no País, em vez de criar as condições para poderem iniciar-se estudos em outras importantes zonas dotadas de grande potencialidade mineira, tais como Jales – Três Minas, Moncorvo, sem falar na óbvia necessidade de restabelecer o estúdio da Faixa Metalífera da Beira Litoral, onde há projectos de sondagens, há longos anos aguardando, execução.
Chamei a sua atenção para o facto notável de toda a actividade de campo (condução de viaturas, trabalhos de topografia, mineralometria, prospecção geofísica, por técnicas diversas, colheita de amostras de solos para análises geoquímicas) e de gabinete (serviços administrativos, tratamento e implantação dos dados colhidos no campo, preparação das amostras para envio ao Laboratório), na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, está a meu cargo e de apenas 4 auxiliares, sem qualquer grau académico, tendo somente a escolaridade obrigatória.
Estes auxiliares, mercê da sua elevada capacidade de aprendizagem e grande sentido de responsabilidade, conseguiram suprir as suas insuficiências básicas, revelando-se, em geral, excelentes colaboradores.
Como não obtive esclarecimentos capazes a todas as minhas observações, aconselhei-o, vigorosamente, a ler os documentos que lhe citei, antes de voltar a falar comigo.
A reunião terminou, sem que me fosse dada a oportunidade de exibir, para sua apreciação, a vasta documentação técnica originada pela actividade que desde 1968, eu vinha dirigindo, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.
Ficou, no entanto, planeada uma visita a esta Região, que teria o mérito de ser a primeira de um Director do SFM. Foi marcada para 30 de Novembro, mas só viria a concretizar-se em 6 de Dezembro.
A esta visita me referirei no próximo post.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
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