Alcides Pereira ascendera a Director-Geral de Minas, em 1-4-1980, nas estranhas circunstâncias que descrevi, no post n.º 139.
Ao fim de 4 anos, no cargo, sentiu que poderia afirmar-se, como dirigente à altura das suas grandes responsabilidades.
Decidiu seguir o exemplo de Soares Carneiro, quando no início do seu mandato convidou o Secretário de Estado da Indústria, Engenheiro Amaro da Costa, pai do malogrado Ministro da Defesa, que morreu no desastre de aviação que vitimou Sá Carneiro, a visitar centros mineiros que se encontravam em franca exploração, ou em fase avançada de investigação, com base em resultados de trabalhos de pesquisa e reconhecimento, antes efectuados pelo Serviço de Fomento Mineiro (Ver post n.º 47).
Mas não podia usar a actividade do SFM no terreno, porque ela estava extremamente diminuída, Múrias de Queiroz tinha deixado extinguir o departamento de Trabalhos Mineiros, e a prospecção estava confiada principalmente a empresas estrangeiras.
Ele ficara deslumbrado com os amplos gabinetes, laboratórios, oficinas, etc ... dos edifícios da sede do Serviço de Fomento Mineiro, em S. Mamede de Infesta, que tinham sido construídos para apoio das actividades que deviam decorrer, por todo o País, no cumprimento dos seus programas de inventariação da riqueza mineira nacional.
Habituado à modéstia das instalações dos Organismos por onde passara, em Lisboa, logo pensou transmitir essas impressões de grandeza aos membros do Governo que tutelavam a Geologia e as Minas, a docentes universitários e a empresários mineiros.
Resolveu, distribuir convites, para assistirem a sessão em que os informaria sobre os seus projectos de desenvolvimento da indústria mineira nacional, e para lhes mostrar os poderosos equipamentos de que o SFM dispunha para apoio dessa indústria.
Apesar dos esclarecimentos que eu lhe havia prestado, durante as duas únicas reuniões que com ele tivera, a primeira, ainda na qualidade de Assessor do Secretário de Estado Baião Horta, a segunda, já como Director-Geral, Alcides, não se apercebia da enorme decadência a que havia chegado o SFM.
Sem experiência, quer em geologia, quer na indústria mineira e sem passado na DGGM, não lhe era obviamente possível ter aumentado a eficácia deste Organismo, que tinha sido fortemente abalada, durante o mandato do seu antecessor.
Duvido que, durante os 4 anos que já levava de funcionário da DGGM, tivesse tomado contacto directo com os principais centros mineiros do País, devidamente preparado para perceber o que neles acontecia.
Tenho apenas conhecimento de que estivera nas Minas de ferro de Moncorvo, mas que se comportara tal como Daniel e Reynaud, quando lhes apresentei a Região mineira de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima. Tal como eles, entrara mudo e saíra calado.
Era, para mim, confrangedor ouvir os desabafos que alguns funcionários, mais dedicados, iam fazer ao meu gabinete, que já quase se transformara em “muro das lamentações”.
O caso do recém-licenciado em Engenharia de Minas, Laurentino Rodrigues, era paradigmático
Nessa data, Laurentino denunciava a sua frustração, por pouco conseguir produzir, na Secção de Coimbra, onde estava integrado sob a chefia do Geólogo Viegas. Acentuava que, sem o pessoal de Talhadas, nada faria!
E manifestava receio de eu vir a retirar-lhe esse pessoal, para o núcleo de Caminha ou para o fazer regressar à origem, retomando o estudo da Faixa Metalífera da Beira Litoral, interrompido por arbitrária decisão do anterior Director.
Laurentino estava encarregado de trabalhos de mineralometria, na área de Góis, sem apoio de técnico especialista, no exame laboratorial dos concentrados de bateia preparados no terreno. Era, assim, uma actividade quase inútil.
Tentando animá-lo, declarei que seria bem-vindo à equipa, sob minha direcção, se fossem retomadas as investigações na Faixa Metalífera da Beira Litoral e, que, a prazo, deveria até suceder-me na orientação do estudo dessa Faixa, visto me encontrar próximo da aposentação.
Alcides, recorrendo aos serviços técnicos e administrativos que herdara, fizera publicar no n.º 4 do Volume 19 do Boletim de Minas de Out./Dez. 1982, artigo intitulado “Indústria extractiva em Portugal”, essencialmente com dados estatísticos.
Para além desses dados, repetiu intenções exaustivamente manifestadas pelo seu antecessor, quer quanto á publicação de nova Lei de Minas, quer quanto a uma eficaz reestruturação da DGGM.
Salientou os equipamentos laboratoriais, de que a DGGM dispõe para caracterização das matérias-primas minerais e também o material para sondagens profundas;
Referiu a contratação de novos técnicos, “alguns de comprovada competência”, a ritmo superior ao verificado anteriormente.
Realçou 30 contratos do Estado com empresas, sobretudo estrangeiras, para prospecção e pesquisa de minérios vários, respeitantes a uma superfície total de cerca de 20 000 km2.
Proclamou ter tomado posição relativamente a concessionários inactivos, de modo a não mais constituírem obstáculo à valorização das áreas que detêm.
Não revelou, porém, as fontes utilizadas para as informações que prestou, afigurando-se-me muito duvidosa a credibilidade de algumas delas.
Por exemplo, causou-me grande estranheza a afirmação de estarem calculadas, na Faixa Carbonífera do Douro, reservas de 40 milhões de toneladas, tendo eu conhecimento de as Minas do Pejão, as últimas a manterem actividade, terem encerrado, por não se ter encontrado carvão, em novo piso que se instituíra para o explorar, com base em sondagens mal conduzidas, cujos resultados foram deficientemente interpretados (Ver post n.º 52).
Por outro lado, não destacou o importante papel atribuído ao Serviço de Fomento Mineiro, no inventário e na valorização do património mineiro nacional.
Ignorou a fundamental contribuição de equipa técnica por mim constituída, ao longo de muitos anos, anteriormente à Revolução de Abril de 1974, para a descoberta do jazigo de Neves – Corvo, já classificado como o maior jazigo de sulfuretos de cobre, zinco e chumbo da Europa.
Relativamente ao “pessoal contratado, a ritmo superior ao anteriormente verificado, algum com comprovada competência”, não explicitou em que se ocupava tão “competente” pessoal, que já atingia a assombrosa cifra de 590 funcionários (!!!), 29 dos quais com categorias de dirigentes, pois não se registavam resultados, que se aproximassem dos anteriormente obtidos, com muito menos funcionários (Ver post n.º 127).
O que se verificava era uma acentuada diminuição de eficácia, à medida que aumentava o número de contratados!!!
Este artigo constituiria o preâmbulo do espectáculo que Alcides concebera.
Na preparação desse espectáculo, não lhe ocorrera, porém, repetir o procedimento que foi adoptado, quando do Congresso Hispano – Luso – Americano de Geologia Económica, em que a oficina de concentração de minérios, de carácter semi-industrial, foi posta em funcionamento, pela sua primeira vez, apenas durante a presença dos congressistas, pois não reunia condições para um funcionamento contínuo, por não ter sido previsto espaço para depósito dos estéreis (Ver post n.º.15).
Foi pena que não tivesse também tentado pôr em funcionamento, os fornos eléctricos, com seu privativo posto de transformação, recebidos há mais de 20 anos, ao abrigo do Plano Marshall.
Teria sido uma excelente oportunidade para os dirigentes iniciarem o cumprimento de um objectivo já expressamente referido no início do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 18713 de 1930, que ainda vigorava e que, com pequenas correcções, poderia manter-se, sem necessidade de nova lei.
Também esqueceu de colocar pessoal a simular a utilização dos dispendiosos equipamentos recentemente adquiridos, com realce para uma microsonda, para dar a ilusão de que estavam a ser úteis e que havia actividade no terreno a justificar a sua existência.
O espectáculo começou com sessão no Salão Nobre, já depois das 11 horas da manhã do dia 16 de Dezembro de 1983.
À mesa da presidência sentaram-se, da esquerda para a direita: Soares Carneiro (anterior Director-Geral que tinha sido exonerado em 22-3-80, um Vereador de Matosinhos, o Secretário de Estado Rocha Cabral, o Ministro Veiga Simão, o Director-Geral de Minas Alcides Pereira, o Director dos Serviços Geológicos Delfim de Carvalho, Sá Fernandes da Circunscrição Mineira do Norte e o Director do SFM Fernando Daniel.
O salão ficara repleto. Muitos convidados ouviam os palestrantes, na sala-museu contígua, através de altifalantes, expressamente adquiridos para este efeito.
Na assistência, destacavam-se funcionários da DGGM, muitos dos quais vindos de departamentos do Centro e do Sul do País.
Foram escassas as representações dos departamentos de Geologia e de Minas das Universidades do Porto, Coimbra, Aveiro e Lisboa.
Teve reduzida expressão a presença de concessionários mineiros
Alcides fez uma enfadonha exposição, repetindo quadros que já constavam do artigo publicado no Boletim de Minas a que me referi e dando uma imagem bastante distorcida do que era, de facto, a nossa indústria mineira.
O Ministro e o Secretário de Estado, nas suas intervenções, incidiram sobretudo no estafado Plano Mineiro Nacional, que iria ser apresentado em 1984.
Seria mais um Plano a acrescentar a outros anunciados desde 1975, mas nunca postos em prática.
O Ministro da Indústria Veiga Simão, tendo observado as grandiosas instalações de S. Mamede de Infesta e consciente da pouca importância que os recursos minerais representavam, então, na economia do País, observou faltarem iniciativas para seu aproveitamento.
O Jornal de Notícias de 17-12-83 destacou, do seu discurso, as seguintes expressões:
“Costuma dizer-se que somos um País pobre de recursos. No entanto, depois da exposição que aqui foi feita, chego à conclusão que não somos tão pobres como dizem.
O que somos é pobres em tomar decisões e iniciativas rápidas. Nisso somos pobres ou quase nulos”.
A reunião terminou pelas 14 horas. Seguiu-se almoço oferecido pele DGGM, ao qual não estive presente, por não ter sido convidado.
Da parte da tarde, houve visita às instalações.
Muitos aparelhos, comentam várias pessoas, apercebendo-se de que não estavam a ser utilizados, e houve quem ousasse perguntar se a microsonda alguma vez tinha trabalhado.
Um verdadeiro “mons parturiens”. Nada de substancial foi apresentado que fizesse prever a nova era para a DGGM, que se pretendia anunciar.
Os convidados perceberam que o único objectivo deste encontro era a auto-promoção de Alcides.
Tinham, na sua generalidade, mais consciência que o Director-Geral do verdadeiro estado em que a DGGM se encontrava.
Alcides, que continuava a comportar-se como “corpo estranho” à DGGM, nem deve ter atingido o alcance do remoque do Ministro.
As conversas entre pessoas que há muito se não viam, foram talvez o que de mais útil aconteceu.
Pelo que me diz respeito, foi agradável ter trocado impressões com técnicos radicados no Sul do País sobre estudos em curso, nos quais participei, durante muitos anos.
Edgar Wahnon insistiu para que fosse visitar Neves-Corvo.
Tomás Oliveira, que procedia a nova fase de geologia no Alentejo, elogiou os levantamentos feitos sob minha direcção, salientando os realizados na Região de Cercal – Odemira.
Ao Engenheiro Técnico Costa Pereira, manifestei o meu natural interesse em conhecer o que se passava nas Minas ferro e manganés de Cercal do Alentejo, que tinham sido estudadas, durante muitos anos pelo SFM, principalmente sob minha orientação.
Fiquei algo desolado ao tomar conhecimento das dificuldades que a Siderurgia Nacional colocava para aceitar o minério, que estava sendo explorado, sobretudo pelo excessivo teor de enxofre, em alguns lotes, originado por contaminação com barita.
Também fiquei a saber que a Empresa não tinha capacidade financeira para investigar a hipótese de os enchimentos filonianos evoluírem, em profundidade, para uma mineralização de sulfuretos de cobre, chumbo e zinco, constituindo remobilizações originadas em massa de pirite complexa, idênticas às da tradicional Faixa Piritosa Alentejana (Ver post n.º 11).
Costa Pereira manifestava o seu desejo de receber novo auxílio do SFM, para análise desta hipótese, quando Daniel se aproximou e eu o apresentei, na qualidade de Director, com poder na matéria.
Rapidamente, Daniel passou às suas habituais fanfarronadas, aumentando as minhas dúvidas quanto à sua sanidade mental.
De facto, totalmente a despropósito, aproveitou o ensejo para referir, a sua grande experiência mineira.
Ele estivera na Suécia, na Finlândia, em Angola, em Miguel Vacas, nas Preguiças, em Aljustrel!
Ele, sim, sabia de minas, enquanto Rocha Gomes era apenas o homem da geofísica, que de minas pouco saberia!
Rocha Gomes fazia uns perfis que guardava!
Suponho terem sido essas as conclusões que extraíra da vista que lhe proporcionei à Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.
Prosseguindo na sua verborreia, afirma que, no Alentejo, está tudo praticamente feito.
Afirmação idêntica tinha sido feita, em 1948, pelo Engenheiro Costa Almeida, quando foi para Moçambique, deixando a Brigada do Sul. (Ver post n.º 6)
Os êxitos posteriormente conseguidos demonstraram quão errada estava tal afirmação.
Costa Pereira, perplexo com tão despropositada intervenção de Daniel, afinal nada ouviu acerca da ajuda que pretendia.
Conclusão: Muito tempo perdido, que deveria ser aproveitado em actividades produtivas que tão necessárias eram e tanta despesa inútil, apenas porque um incompetente e presunçoso Director-Geral julgou possível convencer uma assistência directa ou indirectamente ligada à industria mineira, muito mais esclarecida do que ele, de que a DGGM já estava a sair do pântano em que tinha mergulhado (para usar a expressão do Primeiro Ministro António Guterres, quando decidiu abandonar o cargo).
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Preciso entrar em contacto com o Eng. Alcides Pereira.
Quem me pode fornecer o seu endereço?
Jaime Gralheiro (S. Pedro do Sul)
jaime.gralheiro@ciberjus.nte
Enviar um comentário