domingo, 30 de janeiro de 2011

156 – Director-Geral de Minas proíbe-me de realizar trabalho de campo

Em 2 de Fevereiro de 1984, houve um acontecimento inédito na DGGM.
Alcides Pereira entregou-me, pessoalmente, Ordem de Serviço, proibindo-me de realizar trabalho de campo. E, oralmente, acrescentou: “E não faz ajudas de custo”!

Eu era nessa data, um dos mais antigos técnicos, em funções na DGGM.
Era, também, detentor do mais valioso currículo, sendo responsável pelos maiores êxitos do Serviço de Fomento Mineiro, com realce para a descoberta do jazigo de Neves-Corvo.

Esta decisão não tinha o objectivo de me libertar de esforço já incomportável aos meus 63 anos de idade, considerando que a área de actuação era muito acidentada e que as condições meteorológicas, na Região, eram frequentemente adversas.

Alcides conhecia a boa condição física que eu mantinha e sabia que, desde 1943, nunca descurara presença nos locais onde decorriam trabalhos, sob minha direcção, quer à superfície, quer no interior de minas.

Sabia também, do meu agrado pelo desempenho efectivo da profissão de Engenheiro de Minas e do estímulo que transmitia aos técnicos sob minha chefia para deixarem o conforto dos gabinetes e participarem, no terreno, na execução dos trabalhos, como era essencial para manter a sua qualidade.
Com tal atitude, até beneficiariam de exercício físico, útil ao seu equilíbrio psicológico.

Deveria também saber que eu havia recusado promoção a Director de Serviço, que me fora oferecida pelo ex-Director do SFM, Engenheiro Jorge Gouveia, porque tal oferta fora feita, com a incrível condição de eu não mais fazer trabalho de campo (Ver post n.º 139).

Não ignorava que muitos técnicos do SFM apresentavam, mensalmente, boletins itinerários fraudulentos, mencionando deslocações fictícias, para auferirem ajudas de custo e subsídios de marcha (ver post n.º 75).
E sabia que os meus boletins itinerários eram preenchidos, com escrupuloso respeito pela verdade.

Tinha ainda, pleno conhecimento de que, na qualidade de professor convidado de vários estabelecimentos de ensino superior do Porto e de Aveiro, tinha o hábito de dar aulas práticas no campo, fazendo os alunos colaborar nos estudos que tinha em curso e que, nessas aulas, os incentivava a não se apoiarem exclusivamente nos trabalhos de outros, na sua futura profissão.
A satisfação que demonstrava no trabalho de campo induzia-me até a comentar, jocosamente, perante os alunos, o facto de ainda ser remunerado por fazer aquilo de que gostava.
Finalmente, tinha obrigação de se lembrar dos seus propósitos, publicamente afirmados, de prestar toda a colaboração da DGGM às Universidades, para que produzissem bons técnicos (Ver post n.º 140).

A seguir, descrevo as circunstâncias em que surgiu tão aberrante Ordem de Serviço

No dia 1 de Fevereiro de 1984, Fernando Daniel telefona, convocando-me para ir a Lisboa “com papéis”, para “conversar sobre o projecto de Caminha”, referindo, de novo, o facto de Reynaud estar “meticulosamente” a tratar o caso das concessões. Despede-se com um abraço!

Continuando sem perceber a intromissão deste novo personagem, radicado em Lisboa, chamei-lhe, uma vez mais, a atenção para a necessidade de me serem entregues todos os documentos que Union Carbide apresentou, exclusivamente graças às minhas diligências, quando rescindiu os contratos de prospecção, para deles fazer uso, no programa em cumprimento na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.

Chamei também a atenção para a necessidade de eu ser informado sobre as actividades de Cominco e Geomina, em relação com os seus contratos de prospecção, pois não estava observando, no terreno, a presença de técnicos destas Empresas.

Não me ocorreu sugerir que fosse ele a deslocar-se a S. Mamede de Infesta, onde dispunha de vasta documentação acumulada ao longo de quase 20 anos de permanentes estudos, a qual obviamente não poderia transportar. Teria que fazer uma selecção.

Convencera-me de que Daniel iria tentar perceber o que lhe mostrara, quando da sua visita de 6-12-83 (Ver post n.º 154).
Seleccionei alguns documentos e com eles me dirigi a Lisboa, no dia 6 de Fevereiro, conforme se combinara.
Cheguei às 11h 55m à Estação de Santa Apolónia e lá tinha à minha espera o motorista Patrício, com viatura Renault 4L.
Patrício conduziu-me a edifício, na Rua de Diogo Couto, herdado dos extintos Serviços de Prospecção da Junta de Energia Nuclear, onde passou a ser a sede do SFM, após a demissão de Múrias de Queiroz.

No 3.º andar, a secretária D. Izilda, dá-me a informação de que Daniel se sentira muito doente e tivera que regressar a casa, pedindo muita desculpa por não poder estar presente. Comenta o seu aspecto; até estava verde! Pensara avisar-me para não vir, mas eu já vinha a caminho.
Sugere-me que fale com Eng.º Borralho, na sua qualidade de substituto do Director, nas suas ausências. Explico nada querer com tal personagem, a cujo passado pouco recomendável me referi sucintamente.
Ainda me aconselha a falar com Eng. Costa e eu digo não o conhecer e ser pessoa fora dos problemas que me tinham trazido a Lisboa.
Vinha para falar com Eng.º Daniel, com mais ninguém.

Após alguma hesitação, decidi ficar para o dia seguinte, na esperança de que Daniel melhorasse e já pudesse comparecer ao combinado encontro.

Em 7 de Fevereiro, enquanto aguardava que Daniel pudesse comparecer, encontrei o Engenheiro Carlos Gonçalves, que tinha sido transferido da Junta de Energia Nuclear. Informou-me terem-lhe dito que iriam entregar-lhe, para estudo, um dos meus relatórios sobre a Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, mas que afinal não entregaram.
Disse que estava a preparar a sua saída, para aposentação, por ter sido muito mal tratado! Tinham-no “desterrado” para um exíguo gabinete, sem luz natural, com total desprezo pelo seu passado de muitos anos dedicados à prospecção de minérios radioactivos.

Entretanto, aparece Reynaud e dirige-se a mim, declarando ignorar que Daniel me tinha convocado.
Comecei por lamentar a doença de Daniel, na qual acreditara, dizendo ter muitos assuntos a tratar com ele e não apenas sobre Caminha.

Reynaud aproveitou a oportunidade para falar de um relatório, que disse estar a elaborar, sobre as minas de Covas, com base nos dados de Union Carbide!!!!
Propunha-se racionalizar o aproveitamento do jazigo, promovendo a integração das concessões numa única entidade exploradora.
Apoiando-se num mapa da área de Covas, à escala de 1:5 000, velho e rasgado, que Union Carbide tinha entregado, foi fazendo referência aos blocos de reservas indicadas e inferidas, a que os americanos tinham chegado.
Criticou a separação das zonas de skarn aproveitáveis, aceitando as análises, pondo, porém, em dúvida, talvez por minha influência, a interpretação estrutural.
Mas, no essencial, disse aceitar os resultados de Union Carbide e procurar, através deles, planificar uma exploração racional de todo o jazigo.
Chama a atenção para blocos de reservas inferidas e considera necessárias mais sondagens e trabalhos mineiros, visando melhor reconhecimento do jazigo, para preparar a sua exploração.
Mostra preocupação com a baixa recuperação, que reputa da ordem dos 30%, lamentando não dispor dos relatórios dos ensaios mineralúrgicos.
Manifesta a intenção de ir ao Porto ver os dados que eu tenho, sobretudo os das sondagens do SFM que lhe estão faltando.

Parecia-me muito estranho que Reynaud nada revelasse sobre actividade própria, não parasitária, que estivesse a desempenhar, em cumprimento dos programas do SFM, sabendo-se quão atrasado se encontrava o estudo de muitas outras áreas do País, com grandes potencialidades para a ocorrência de minérios vários e estivesse a intrometer-se no projecto de Caminha, sem nunca lá ter efectuado qualquer trabalho e sem ter demonstrado sequer ter percebido o significado dos resultados das técnicas que lá se aplicavam.
Tomava a sua exposição como um exercício académico, procurando a aprovação do professor.
Nesta atitude, comentei que o seu conhecimento era muito incompleto, que não bastaria usar documentos de outros, que era necessário um conhecimento mais real, que só a presença nas minas, no terreno, facultaria.

Além disso, não era de técnico com a sua formação e mantendo a sua residência no Sul, que o projecto de Caminha estava necessitado. Até Daniel percebera ser no domínio da geologia estrutural que a maior carência se notava, apesar dos progressos conseguidos pelos cerca de 20 Geólogos que haviam passado pela Union Carbide.

Na exposição de Reynaud passou-se a manhã. Daniel não aparecia e as notícias sobre a sua “doença”, não permitiam contar com a sua presença, nesse dia, nem talvez no dia seguinte.
Resolvi, por isso, regressar ao Porto e, para tal, fui adquirir bilhete para o comboio das 17 horas, à Estação de Santa Apolónia.

Mas, na sede do SFM Reynaud, que continuava a entreter-me sem me informar qual a sua real actividade produtiva, transmite-me recado do Director-Geral para ir à sua presença, no edifício de António Enes, onde se encontrava.

O motorista Patrício, que só conheci no dia anterior, e que obedecendo a ordem de Alcides, me conduzia até António Enes, não resistiu a comentar a “casa de malucos” onde tinha “caído”.
Revelava desabafos de funcionários indignados com o ambiente desagradável, que se havia instalado na DGGM, quando acontecia transportá-los. Mostrava disposição de abandonar tal “casa de loucos” e regressar à sua antiga profissão de taxista.

Esta série de maus indícios não era bom prenúncio para o encontro que ia ter.
Quando entrei no edifício de António Enes, a secretária de Alcides disse-me para aguardar, na sala de espera, que ele pudesse receber-me e eu pedi que o informasse ter já adquirido bilhete para regressar ao Porto, no comboio das 17 horas.
Alcides manda dizer que me recebe já, mas o tempo passa e acabo por perder o comboio.

Quando finalmente decide receber-me, vejo-o sentado à cabeceira de uma mesa, tendo a seu lado o Engenheiro Vítor Borralho.
Manda que me sente, na outra cabeceira e, em tom grave, arregalando os olhos, começa a dissertar sobre o respeito pela hierarquia, para me perguntar se eu ignorava ser Borralho quem substituía Daniel, nas suas ausências e se me não tinham dito para a ele me dirigir.
Respondo que realmente D. Izilda me aconselhara a falar com Borralho, informando-me que era o substituto do Director, nas suas ausências.
Embora desconhecesse Ordem de Serviço que tal determinasse, eu tinha vindo para tratar de problemas a que Borralho era alheio, sendo, portanto, totalmente descabido tal contacto.

Seguidamente, pergunta se me não tinham dito que o Engenheiro Costa e o Dr. Rui Rodrigues estavam à minha espera. Respondo negativamente.

Revelando-se indivíduo grosseiro, sem o mínimo de educação, atreve-se a desmentir-me, afirmando que eu tinha, de facto, sido avisado.

Perguntando se estava a duvidar da minha palavra, responde evasivamente, dizendo-se disposto a instaurar processo disciplinar a D. Izilda, por tê-lo informado mal !!!!

Fez-me ainda observação acerca do uso que tinha feito de viatura oficial. com vista à minha instalação, durante a permanência em Lisboa, manifestando dúvidas quanto à sua legalidade !!

Perplexo com estas atitudes de Alcides, sabendo que, deslocado da minha residência oficial, tinha direito à apresentação de recibos de deslocações, em táxis se necessário, tal como tivera em comboio. E sabia também que se fosse feito inquérito ao uso de viaturas oficiais por funcionários da DGGM, sem exceptuar o núcleo de Lisboa, se chegaria a conclusões muito curiosas, tal como já tinha assinalado no meu post n.º 151.

Perplexo, ocorrem-me as reflexões de Patrício sobre o ambiente de terror que vigorava na sede da DGGM!
A DGGM parecia, de facto, entregue a um conjunto de indivíduos de duvidosa sanidade mental. O pequeno tiranete julgava ser com estas atitudes que resolvia os verdadeiros problemas com que a DGGM se debatia. Estes situavam-se a um nível que ele não alcançava.

Mas este pequeno tiranete não ficou por aqui, nas suas atitudes de autoritarismo.

Com indecoroso e ridículo gesto, empurra para mim a Ordem de Serviço que atribui a Borralho funções de substituição do Director, nas suas ausências e manda que nela escreva ter tomado conhecimento. Cumpri a ordem.

Com gesto idêntico, empurra, seguidamente, outro documento que teria preparado, durante a longa espera a que me submetera.

Era uma Ordem de Serviço impropriamente intitulada de despacho.
É o seguinte o seu teor:

“Despacho n.º 5/100/83
“A fim de programar convenientemente as actividades da DGGM, determino que o Sr. Eng.º Rocha Gomes elabore um relatório circunstanciado sobre os trabalhos que vem desenvolvendo em Caminha, expondo os resultados já obtidos e anexando a respectiva documentação e, eventualmente, apresentando sugestões para o prosseguimento de tais trabalhos.
Até à conclusão e despacho sobre tal relatório, ficará suspensa toda a sua actividade de campo.
Conhecimento ao Senhor Subdirector-Geral, Eng.º Fernando Daniel e Direcção de Serviços de Gestão.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 1983
O Director-Geral
(/a) Alcides Pereira”
Tendo ido a Diogo Couto, para me encontrar com o Arquitecto Linhares, que comigo iria viajar até ao Porto, mostrei a Reynaud a Ordem de Serviço. Revelou-se surpreendido e até desolado, parecendo preocupado com tão lamentável atitude de Alcides.

Ingenuamente, eu não me tinha apercebido, então, de que um grupo de parasitas, nos quais se incluíam Alcides, Daniel e Reynaud tinha preparado armadilha, para se apropriar do meu trabalho, seguindo o exemplo da investida mal sucedida de Farinha Ramos, (Ver post n.º 114), ou talvez para me levar a tomar decisão idêntica à de Carlos Gonçalves.

Só tardiamente, perante comportamentos mais claramente negativos, ostensivamente adoptados por aqueles três personagens, compreendi as suas reais intenções.

Eu já tinha decidido expor, ao Ministro da tutela, esta atitude de Alcides, atentatória da minha dignidade profissional, chamando a atenção para os malefícios que tão absurda ordem iria originar à produtividade de um Organismo, que já se encontrava em grande decadência, como o Ministro tivera ocasião de constatar, no magno encontro que descrevi no post 155.

Mas a minha reacção não se limitou a tal exposição.

Consegui que Veiga Simão me concedesse audiência. O que dela resultou, será descrito, em futuro post.

Por agora, quero apenas referir que, perante tamanha afronta, admiti ter chegado a oportunidade para me aposentar, já que contava 40 anos de serviço.

Porém, após alguma reflexão, considerei ser impossível que indivíduos, tão ignorantes e de tão baixo carácter, conseguissem manter-se em cargos directivos, durante muito mais tempo, a prejudicar o País, apesar de os Governos, que se iam sucedendo, também não justificarem grandes optimismos.

De facto, a DGGM não era propriedade de indivíduos que, por circunstâncias fortuitas, ocupavam os principais cargos directivos, nem eu estava trabalhando para eles.

Decidi, por isso, concentrar-me na preparação do relatório que me foi exigido e aguardar a atitude governamental, perante as minhas diligências.

Alcides e Daniel, na sua obsessiva atitude negativa, até esta preparação foram constantemente dificultando, como revelarei, em próximos posts.

2 comentários:

Anónimo disse...

Incrível!

Anónimo disse...

Exmo Sr Rocha Gomes,
peço desculpa por me dirigir a si via comentário de um post mas não encontrei endereço electrónico.
Procuro informação relativa a Engenheiros de Minas Alemães no Alentejo durante a década de 50.
Através de pesquisas várias vim a tomar conhecimento do Serviço de Fomento Mineiro que me trouxe até à sua página.
Gostaria de lhe perguntar se tem informação sobre este assunto ou se aconselha algum arquivo em particular, ou se existe um arquivo do Serviço de Fomento Mineiro disponível para consulta.
Muito Obrigado
Com os melhores cumprimentos,
Pedro Manuel
pedromanual@hotmail.com