sábado, 26 de março de 2011

163 – Exposição a Ministro solicitando correcção de desmandos da DGGM e primeiras consequências. Continuação (2)

O Anexo N.º 3 à exposição que enviei ao Ministro Veiga Simão, em 27-3-84, é o 1.º capítulo do Relatório “circunstanciado” que me foi exigido pelo Director-Geral de Minas.
Nas suas 46 páginas, dactilografadas a um espaço, descrevo pormenorizadamente as “circunstâncias” em que decorreu a actividade por mim dirigida, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, com o objectivo de inventariar principalmente as reservas de minérios de tungsténio.
Muito do que se contem nesse capítulo consta já de posts anteriores.
A leitura das 4 primeiras páginas seria suficiente para o Ministro tomar consciência da urgente necessidade de rigoroso inquérito aos factos graves que denuncio, os quais impunham medidas correctivas e punitivas, de modo a restabelecer a normalidade do importante Organismo de criação de riqueza, que era o Serviço de Fomento Mineiro.
A seguir, transcrevo o conteúdo dessas páginas

“A indústria mineira nacional, se exceptuarmos curtos períodos de euforia, mais ou menos coincidentes com os grandes conflitos mundiais ou com preparativos para a sua possível eclosão, jamais teve peso significativo na economia nacional.
Com o objectivo de modificar esta situação, foi publicado, em 1939, o Decreto-lei N.º 29 725, que conduziu à existência real de um Organismo denominado SERVIÇO DE FOMENTO MINEIRO, a cujo encargo ficou “o estudo sistemático da riqueza mineira do País, para o seu melhor aproveitamento, conforme os superiores interesses da economia nacional.”
Infelizmente a actividade global deste Organismo não obedeceu, até hoje, a programas cientificamente elaborados e metódica e disciplinadamente postos em prática.
Tentativas que, no decurso dos anos e no exercício responsável das funções que me estiveram distribuídas – chefia de departamento de Prospecção Mineira que efectivamente desempenhei, durante 12 anos, com a qualificação interna de Chefe do 1.º Serviço – fui fazendo para conferir aos programas aquelas características, depararam constantemente com obstáculos artificialmente criados.
Embora denunciados em relatórios mensais, trimestrais e anuais, em relatórios específicos e, em numerosos outros documentos, não foi ainda possível remover todos esses obstáculos. Subsistem muitos deles e entretanto, outros foram sendo acrescentados.
Absorvido pelo trabalho autêntico, esqueço-me, por vezes, de que os incapazes de algo de útil produzirem não desarmam nas suas lutas mesquinhas pela conquista dos bons lugares, de onde poderão destruir as obras de outros ou delas se apropriar, mostrando-se depois incompetentes para lhes dar adequado seguimento.
Apesar de o País viver em democracia e de se incentivarem os cidadãos a uma activa participação na resolução dos problemas nacionais, a instabilidade política dos dez últimos anos não tem permitido aos sucessivos Governos dar a devida atenção às informações que lhes têm chegado e, portanto, fazer uma análise profunda do que se tem passado no sector mineiro nacional
A realidade triste é que a indústria mineira nacional se tem mantido num estado de crise crónica.
Poucas são as unidades em laboração e, muito raras, as de dimensão desejável, trabalhando em condições tecnicamente aceitáveis.
Ainda recentemente (V. Jornal de Notícias de 30-10-82), um ex-Ministro da pasta que abrange o sector mineiro declarou publicamente que o País apresenta “uma grande pobreza mineira”, revelando que “ o valor global da produção de salsichas e enchidos é superior ao valor global de toda a extracção mineira”.
Em data mais próxima (16-12-83), porém, o actual Ministro da Indústria, após exposição que ouviu do Director-Geral de Geologia e Minas, foi menos pessimista, diagnosticando bastante mais correctamente a situação, ao declarar (V. Jornal de Notícias de 17-12-83:
“Costuma dizer-se que somos um País pobre de recursos. No entanto,·depois da exposição que aqui foi feita, chego à conclusão que não somos tão pobres como dizem. O que somos é pobres em tomar decisões e iniciativas rápidas. Nisso somos pobres ou quase nulos”
O País não tem, pois, que se remeter a um fatalismo doentio de pobreza.
Confia-se que a situação venha a alterar-se, de modo notável, com a entrada em exploração do recentemente descoberto jazigo de Neves-Corvo.
Através de recente publicação do B.R.G.M. de França, fiquei a saber que:
a) Em 1982, as reservas do jazigo atingiam cerca de 2 milhões de toneladas de cobre metal, em minério com teor geológico próximo de 7%;
b) Estas características levam a classificar o jazigo de Corvo em posição excepcional e fazer dele o jazigo de envergadura mundial mais interessante a pôr em produção, nos próximos anos;
c) Se previa a decisão final de investimentos, para fins de 1983 ou princípios de 1984.
Verifico, com surpresa e, como português, com grande mágoa, que, na mesma publicação, o B.R.G.M., através do seu Presidente Jean Audibert atribui aos seus prospectores a descoberta de tão importante jazigo!!!
Porque vem isto a propósito?
Porque a definição da potencialidade da área onde se situa o jazigo é de minha exclusiva autoria;
Porque a decisão de fazer prospectar, por métodos adequados, essa área, é de minha exclusiva responsabilidade;
Porque a criação no Serviço de Fomento Mineiro dos meios apropriados (materiais e humanos), para que tal prospecção fosse exequível, é de minha exclusiva iniciativa, após luta árdua, durante mais de uma década, removendo muitos dos tais obstáculos artificiais;
Porque, tendo o Serviço de Fomento Mineiro, por intermédio da equipa técnica organizada por minha exclusiva iniciativa e sob minha directa orientação, chegado à definição das anomalias gravimétricas que expressivamente traduzem a presença do importante jazigo de Neves-Corvo, não lhe foi consentido finalizar o êxito !!!;
Porque, sem consulta prévia ao chefe desta equipa e com total independência dos resultados que estavam sendo obtidos, se decidiu negociar a área, tendo-se corrido assim, inconscientemente, o risco de alienar importante parcela do património nacional.
Os factos demonstraram que se não ficou apenas pelo risco. Há mesmo alienação e não pequena!
Nem todos os portugueses se têm, portanto, revelado pobres em tomar decisões e iniciativas, como o afirmou o Senhor Ministro!
Assim as decisões e as iniciativas correctas que têm sido tomadas, tivessem sido sempre devidamente aproveitadas e acarinhadas e não combatidas, como infelizmente tem acontecido, com frequência!!
Os resultados a que havíamos chegado, na região de Almodôvar, eram apenas anomalias do campo da gravidade.
Várias causas poderiam explicá-las.
Se a prospecção fora efectuada para encontrar jazigos minerais e se estes são susceptíveis de gerar anomalias gravimétricas, natural seria que esta hipótese tivesse sido encarada, embora outras não fossem de excluir.
Natural foi, portanto, que à Associação constituída, então, pela Sociedade Mineira de Santiago, pelo B.R.G.M. de França e pela Sociedade Mineira e Metalúrgica de Penarroya Portuguesa, L.da, à qual vasta área do Alentejo fora adjudicada, para prospecção mineira, tivéssemos logo chamado a atenção para essas anomalias que acabávamos de revelar, logo após o abandono da mesma área pela Mining Explorations (International), que anteriormente tivera idênticos direitos sobre a mesma área e que, não obstante as nossas recomendações, se desinteressara totalmente pela zona de Almodôvar!
Já me pareceu menos natural que a Associação, após uma primeira sondagem considerada negativa, tivesse dado maior peso a modelos geológicos construídos com base nos estudos até então realizados, do que às próprias anomalias gravimétricas.
Estas anomalias mantiveram-se, pois, inexplicadas durante vários anos, sem que a Associação com isso se tivesse preocupado, não obstante eu ter chamado a atenção de alguns desses técnicos para essa lacuna.
Ocorre, então, perguntar porque foi possível ao Serviço de Fomento Mineiro, no Sul do País, quase chegar à descoberta do jazigo de Neves-Corvo, quase chegar à descoberta do jazigo do Gavião, chegar mesmo à descoberta do jazigo da Estação; porque se descobriram potencialidades para grandes jazigos de sulfuretos, nas regiões de Cercal - Odemira e Alcácer do Sal, anteriormente excluídas da Faixa Piritosa; porque se evidenciou a Faixa Zincífera Alentejana, com as suas zonas de Portel e Moura já bastante valorizadas; porque se reconheceu o jazigo de cobre de Aparis, até ao ponto de poder entrar em exploração por empresa privada; porque se promoveu o estudo do jazigo de cobre de Miguel Vacas, actualmente em exploração; porque se reconheceram os jazigos de ferro e manganés da Região de Cercal – Odemira, de modo a permitir a sua entrada em exploração; porque se fizeram tantos e tantos outros estudos, que embora não tendo permitido chegar a jazigos minerais, constituem preciosos elementos de consulta, que se encontram devidamente documentados, de modo a poderem ser utilizados, quando a oportunidade surgir e tratados à luz de novas interpretações e, eventualmente, conduzir a novas descobertas.
A resposta é simples.
Tudo isto foi possível porque, durante anos, me foi consentido programar, em moldes científicos, embora com as limitações já sumariamente referidas, mas amplamente descritas em variados documentos, os trabalhos de prospecção, em áreas do Sul do País.
Foi também possível, longe de centros altamente influenciados por formalismos e burocracias, ter uma actividade dinâmica orientada essencialmente para a resolução dos problemas técnicos.
Tentei, como já referi, no desempenho das minhas funções, lançar no Norte do País campanhas de prospecção em moldes idênticos às do Alentejo
Foi assim que lancei as campanhas de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima e da Faixa Metalífera da Beira Litoral.
Outras estavam previstas, tais como a da Região aurífera de Jales – Três Minas e a da Região de Moncorvo, visando esta sobretudo a investigação da existência de minérios de chumbo e zinco.
Cedo, porém, me apercebi de que não conseguiria contrariar a obstrução da Direcção do Serviço de Fomento Mineiro, a qual passou, a partir de certa data, a ser superiormente incentivada.
Por isso, decidi concentrar a maior parte dos meus esforços em áreas do Sul do País, aproveitando a experiência que aí adquirira, durante 20 anos de efectiva presença, na maioria dos locais onde os trabalhos decorriam.
No Norte do País, tendo desistido de criar novos núcleos, procurei manter, a todo o custo, as campanhas de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima e da Faixa Metalífera da Beira Litoral., na esperança de que as muito faladas reestruturações da Direcção-Geral de Minas, com as inerentes substituições das principais chefias, viessem a ter efeitos benéficos na programação geral da prospecção mineira do País.
Tal não tem, porém, acontecido.
A actividade na Faixa Metalífera da Beira Litoral, onde já havíamos chegado a resultados de muito interesse, foi mandada suspender por ofício de 14-1-1980, sem prévia análise daqueles resultados, que se encontram amplamente descritos, não só em relatórios anuais e trimestrais, mas também em relatório especialmente apresentado em 31-12-72, quando a potencialidade da Faixa posta em dúvida, sem quaisquer argumentos válidos.
O pessoal ali destacado, que por mim havia sido mandado admitir e que havia sido directa ou indirectamente preparado, sob minha orientação, foi transferido para outro núcleo, onde não está sendo aproveitado na sua real capacidade.
A actividade na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima tem sido perturbada por uma série de dificuldades, cuja principal consequência tem sido o protelamento das previsíveis descobertas de concentrações minerais susceptíveis de exploração remuneradora.
A muitas delas, me tenho referido em relatórios mensais, trimestrais e anuais.
Uma descrição circunstanciada da situação que se me deparava, em Agosto de 1979, encontra-se no “Parecer sobre a actividade de Union Carbide Geotécnica Portuguesa – Assistência Mineira L.da, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.”, que então elaborei, em cumprimento de despacho superior.


Nas páginas seguintes, faço a descrição pormenorizada das atitudes negligentes e obstrucionistas, intencionalmente assumidas pelos principais dirigentes da DGGM relativamente aos trabalhos a meu cargo, as quais classifico de criminosas, não só para comigo, mas sobretudo para a economia nacional.
Saliento que, apesar dessas obstruções, tenho conseguido, apenas com o auxílio de uma equipa de 4 a 5 trabalhadores recrutados com instrução primária, resultados de excepcional interesse, que estão na base das explorações em curso por empresa detentora das principais concessões mineiras da Região.

A terminar o capítulo, faço alguns comentários ao “despacho” que me exige o relatório e suspende a minha actividade no campo.

A seguir, transcrevo esses comentários, que completariam o esclarecimento do Ministro:

“O teor do despacho e o modo rude como dele me foi dado conhecimento podem induzir à conclusão de que eu me encontrava em falta, perante ordens ou instruções superiores que me tivessem sido transmitidas.
Já vimos que não era esse o caso.
Quem cometeu falta não pequena foram os superiores hierárquicos que, deliberadamente prejudicaram a condução dos estudos que eu continuava dirigindo na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, protelando, consequentemente, a possível descoberta de novas riquezas minerais, ao manterem-me sem acesso a documentos entregues na Direcção-Geral de Minas, há mais de 4 anos, que sempre considerei essenciais à correcta planificação desses estudos.
Grave falta cometeu quem nada fez para aproveitar a oferta de Union Carbide de colocar nas instalações do Serviço de Fomento Mineiro, em S. Mamede de Infesta, a expensas suas, precioso material de estudo (testemunhos de sondagens, no valor de várias de3zenas de milhares de contos) e mandou, depois, efectuar o transporte, à custa do Serviço, dando um mau exemplo do uso de dinheiros públicos, em época de crise, em que constantemente se recomenda a maior parcimónia nos gastos; quem consentiu que o transporte e a subsequente arrumação se fizessem em deficientíssimas condições, prejudicando a sua utilização futura; quem consentiu que, desde 1980, este material tenha estado em quase completo abandono, a ponto de se ter tornado, talvez, já irrecuperável.
Grave falta cometeu, também, quem nada fez para facilitar a actividade da Secção de Caminha e, pelo contrário, lhe originou constantes problemas, ao mesmo tempo que não regateava meios materiais e humanos a outros núcleos, cuja acção se nos tem afigurado de mui discutível utilidade para o País.
E não há que argumentar com desconhecimento dos factos, pois eles, como vimos nas abundantes transcrições aqui feitas, foram, em devido tempo, relatados e foram também objecto de exposições orais, sempre que a oportunidade se me ofereceu.
Lembro, por exemplo, as gravíssimas afirmações que fiz perante o actual Director-Geral de Minas, quando então exercia as funções de Assessor na Secretaria de Estado, e perante várias pessoas, em reunião havida na Secretaria de Estado, em 10-8-1977, para justificar o meu pedido de sindicância à Direcção-Geral de Minas.
Se há desconhecimento do que escrevi, conclui-se que os relatórios não são lidos (pude já verificar que, em vários casos, tal aconteceu e que até com isso se vangloriam os novos chefes, porque “ o que lá vai, lá vai” e eles não tiveram culpas …, embora se estejam a aproveitar) e é então caso para perguntar se o mesmo não sucederá com este que estou elaborando.
Tenho consciência das minhas responsabilidades neste complexo domínio da prospecção mineira, ao qual tenho dedicado toda a vida. Tenho um passado a respeitar.
A elaboração de um plano global para a Região de Vila Noiva de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, nas condições que se me deparavam, estava tecnicamente errada.
Confiei que as condições correctas seriam criadas e isso, que nada tinha de difícil, foi prometido.
Não foi todavia, cumprido e agora exige-se-me, não um plano, mas um relatório circunstanciado da actividade passada, consentindo-me apenas que apresente eventualmente sugestões para a continuação dos trabalhos.

Do que ficou exposto, fácil é concluir que se está a tornar insustentável a minha permanência na Direcção-Geral de Minas.
É certo – e isso vem constantemente ao meu espírito – que a Direcção-Geral não é pertença dos dirigentes que, por circunstâncias fortuitas, ocupam actualmente os principais cargos directivos, nem eu estou trabalhando para eles.
Mas é certo, também, que a situação já vem de longe e é este um sector onde o Governo tem tido certa dificuldade em penetrar a sério, dadas as suas características próprias.
Perdida, pois, a ténue esperança gerada em 9-9-83, encaro, com forte probabilidade, apresentar o meu pedido de passagem à aposentação, uma vez terminado este relatório.
Mas aqui deixo claramente expresso que tomo a decisão convicto de que muito poderia ainda contribuir, dentro da Direcção-Geral de Minas, para a criação de riqueza tão necessária ao País, se outro fosse o ambiente existente, ou, pelo menos, previsível, neste Organismo.”

Esta nova diligência em defesa do Serviço de Fomento Mineiro começou por ter resultados nulos.
A minha exposição transitou do Ministro para o Secretário de Estado e deste para o Director-Geral de Minas, apenas “para conhecimento”.
Por sua vez, o Director-Geral de Minas despachou para eu ficar a saber que todas aquelas entidades tinham tomado conhecimento!
Não foram, portanto, tomadas as medidas que eu urgentemente reclamava para tentar travar a marcha do SFM para a sua completa destruição.
Mas eu, consciente da nobreza dos motivos das minhas acções, não desisti da luta!
Lembrando-me do comentário do Ministro Veiga Simão relativamente à falta de iniciativas para aproveitamento dos nossos recursos minerais (Ver post N.º 155) decidi fazer diligência directa junto do Ministro.
A essa diligência e seus resultados encorajadores me referirei no próximo post.

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