domingo, 26 de junho de 2011

174 – A discussão de nova Lei de Minas, na Ordem dos Engenheiros

No post 158, referi o meu grande empenhamento na elaboração de um relatório, que me foi exigido pelo Director-Geral de Minas.

Entre outras razões para tal empenhamento, eu considerava que se me oferecia excelente oportunidade para exemplificar como se conduz uma campanha de prospecção mineira e como se dá conta dos seus resultados,

Esforçava-me por encurtar o prazo de dois anos, que tinha previsto para sua elaboração, trabalhando muito para além do horário normal.
Todavia, em vez de serem tomadas decisões para facilitar as tarefas em que me ocupava, foram deliberadamente provocados incidentes que teriam como natural consequência protelar a sua conclusão.

Além disso, ocorreram, externamente, factos respeitantes à minha actividade passada e ao futuro do Serviço de Fomento Mineiro, que punham em risco a continuidade da existência deste Organismo, aos quais eu não poderia ficar indiferente, já que nenhum outro funcionário do SFM se apresentava a fazer a sua defesa.

Um acontecimento ao qual eu não pude deixar de dar atenção foi a discussão, na Secção Regional do Norte da Ordem dos Engenheiros, de novo projecto da Lei de Minas.

Durante o mandato de Soares Carneiro como Director-Geral de Minas, em reuniões da chamada Comissão de Fomento, foi frequentemente referida a necessidade de actualizar algumas disposições do Decreto-lei N.º 18 713 de 1930, que regulava toda a indústria mineira.
Chegaram a ser introduzidas pequenas correcções, porém nem sempre felizes.

Mas a realidade era que os principais problemas com que se debatia a indústria mineira nacional não resultavam da carência de leis ou da sua desactualização, mas sim de tolerância perante o seu incumprimento.

Alcides Pereira, com o seu característico atrevimento, decidiu mostrar que era capaz de apresentar projecto de nova lei de Minas, Águas Minerais e Recursos Geotérmicos, para substituir legislação obsoleta.
Não conhecia a apólogo de Apeles: “Ne sutor ultra crepidam”

Na sessão realizada, em 23-2-84, na Secção Regional do Norte da Ordem dos Engenheiros, sob a presidência dos Professores Catedráticos da Faculdade de Engenharia, Alberto Cerveira e Simões Cortês e do Engenheiro Azevedo Coutinho, que representava os industriais de Minas, a discussão iniciou-se, sem que tivessem sido distribuídas cópias do projecto.

O Engenheiro Azevedo Coutinho, que se encarregou da apresentação do projecto, declarou que este já tinha sido aprovado em Conselho de Ministros, já se encontrava na Assembleia da República e que só seriam permitidas pequenas melhorias.

À medida que tomava conhecimento do clausulado, fui fazendo intervenções a manifestar a minha preocupação quanto às consequências da aprovação de uma lei que me parecia feita com leviandade, por alguém que desconhecia os reais problemas da indústria mineira nacional.

Quando me foi facultada rápida consulta ao projecto, no intervalo dos dois períodos em que se processou a discussão, aumentou a minha preocupação.
Tendo, então, exprimido ao Professor Cerveira, o parecer de que o projecto teria sido feito sobre o joelho, Cerveira manifesta o seu inteiro acordo, salientando a gravidade do facto.
Considera tal texto produzido por quem nada percebe do assunto, por quem se aproveita da ignorância do Governo e dos deputados para fazer aprovar estas coisas!

Na segunda parte da sessão, continuei as minhas intervenções, com muito mais veemência.
Os Engenheiros que tinham assumido a presidência consideraram, então útil que eu apresentasse um relato escrito dessas intervenções, para ser enviado à Assembleia da República, juntamente com outras exposições também discordantes do projecto.

A seguir, transcrevo o resumo que entreguei, em 27-2-84:

“Não é por falta de legislação que a indústria mineira tem pouco significado na economia portuguesa.

O Decreto-lei base, datado de 1930, está naturalmente desactualizado e seria, portanto, útil que nova lei fosse elaborada. É justo, no entanto, reconhecer que, tendo resistido durante 34 anos, isso reflecte o cuidado que houve na sua redacção.

Outro tanto não pode dizer-se da lei agora submetida a apreciação. Muitas são as falhas que podem apontar-se e nós perfilhamos as críticas de que foi dado conhecimento na exposição do representante da Associação dos Industriais de Minas.

Afigura-se-nos, pois, que o estudo deste assunto não está suficientemente avançado para que se justifique já uma nova lei.

Parece-nos mais prudente manter ainda a antiga, aproveitando todas as suas virtualidades e introduzindo correcções pontuais, onde for caso disso.

A presente conjuntura nacional aconselha a que se concentrem mais os esforços na criação de riqueza.

Na realidade, nem sequer sabemos ainda o que temos, no que respeita a jazigos minerais!

O País ficou surpreendido com a descoberta do jazigo de NEVES-CORVO. Não sabia, porém, que tal descoberta tinha atrás de si cerca de 30 anos de trabalho, que foi possível realizar, com base em leis vigentes.

No Norte do País, quase tudo está por fazer! Quantos Neves-Corvos estarão por descobrir?

É nesse sentido que devem convergir os esforços.

Mas as descobertas não se fazem sem técnicos devidamente preparados. Aí terão as Universidades um importante papel.

Disse o Senhor Ministro da Indústria, recentemente, em reunião efectuada no Serviço de Fomento Mineiro, em S. Mamede de Infesta, que “afinal não somos tão pobres como dizem; o que somos, é pobres em tomar decisões e iniciativas rápidas; nisso somos pobres ou quase nulos”.

Há anos, houve a iniciativa de constituir uma Comissão Instaladora de um Instituto de Geologia, Minas e Metalurgia. A metalurgia estaria a mais, a nosso ver. As actividades nos domínios da geologia e das minas são já suficientemente vastas e absorventes.

Talvez fosse a ocasião de retomar a ideia, mas em bases mais sérias.

Uma colaboração Instituto – Universidades seria, sem dúvida, o processo normal de dar aos complexos estudos geológico – mineiros, um verdadeiro carácter científico, que até hoje tem faltado, em muitos casos, e daí a razão de muitos insucessos.

É fora de dúvida que ao Estado compete o principal papel, nesta matéria.

Seria trágico que o Estado abdicasse dessa sua responsabilidade e procurasse transferir para o sector privado o inventário da riqueza mineira nacional.

As actividades de prospecção e pesquisa envolvem elevadíssimo risco e não são atractivas para as empresas privadas, a não ser para as de muito grande dimensão, na sua maior parte estrangeiras.

O Governo teve, em 1939, a inspiração de publicar o Decreto-lei N.º 29 725, que atribui ao Estado “o estudo sistemático da riqueza mineira do País, para o seu melhor aproveitamento, conforme os superiores interesses da economia nacional”.

Foi, então, criado o Serviço de Fomento Mineiro, que algo produziu, nos seus já quase 45 anos de existência, embora muito mais pudesse e devesse ter feito.

Em poucos países do Mundo, havia, então, Organismo com idênticos objectivos.

No entanto, posteriormente, eles foram sendo instituídos e é hoje muito frequente a sua existência, com maior ou menor âmbito.

Seria, pois, muito lamentável que viesse a perder-se essa posição e alguma tradição e experiência, em tão delicada matéria.

Será utópico esperar que empresas nacionais ou estrangeiras procedam a estudos com o carácter científico que, cada vez mais se impõe. A sua filosofia é, em regra, diferente da de um Organismo oficial.

Elas estão muito mais viradas para objectivos a curto ou a médio prazo e é hoje mundialmente aceite que a prospecção mineira é um empreendimento a longo prazo, ao qual nenhum país poderá furtar-se, se quiser realmente utilizar os seus recursos minerais.

O Organismo oficial, quando convenientemente dirigido, pode orientar-se muito mais até ao âmago das questões. A experiência de muitos anos ligados a estas matérias no-lo indica.

No que respeita às críticas aqui feitas contra a lei em vigor,
1.º porque não salvaguarda, do melhor modo, o interesse nacional, ao manter no regime de pedreiras determinadas substâncias, tais como certas argilas valiosas;
2.º porque as concessões mineiras, sendo atribuídas por áreas e não por jazigo, originam a fragmentação das explorações, podendo torná-las anti-económicas;
é minha opinião que se trata de um análise imperfeita da lei

Na realidade, o § único do artigo 4.º do Decreto-lei N.º 18 713 admite que outras substâncias, além das expressamente mencionadas no art,º 3.º do mesmo Decreto, possam ser concessíveis, desde que o Ministro competente, ouvido o Conselho Superior de Minas, assim o decida.

Se até os sienitos nefelínicos são já concessíveis, outras substâncias, nomeadamente as argilas, o poderão ser.

Em matéria de áreas, julgo haver confusão entre concessões de direitos de prospecção e pesquisa e concessões de direitos de exploração.

As concessões para prospecção e pesquisa dizem respeito a áreas suficientemente vastas para nelas poderem incluir-se inteiramente os possíveis jazigos minerais. Na sua atribuição, devem respeitar-se escrupulosamente os interesses nacionais e isso infelizmente nem sempre tem acontecido, pois têm sido feitas adjudicações sem ter na devida conta os resultados dos estudos efectuados nessas áreas.

As concessões de exploração, embora usualmente assumam a forma de um rectângulo de 50 ha, ou de um quadrado de 100 ha, conforme se trata de um jazigo de 1.ª ou 2,ª classe, podem ter outras configurações e diferente área.

E há sempre a possibilidade do seu agrupamento, em couto mineiro, se pertencerem ao mesmo concessionário.

Tratando-se de concessionários diferentes, há sempre a possibilidade de procurar o seu agrupamento num único consórcio explorador, em conformidade com o disposto mo Decreto-lei N.º 48 823 de 2-1-1969. É certo, porém, que esta disposição legal se tem revelado de mui difícil aplicação.

Ainda relativamente a outros problemas levantados na reunião, chamei a atenção para o facto de eles resultarem mais de não cumprimento das leis em vigor do que de falta delas.

Todos sabemos que as leis senão têm cumprido.

Isso já era reconhecido no preâmbulo do Decreto-lei N.º 29725, quando se afirma que “o objectivo do desenvolvimento diversificado da produção depende mais de iniciativas que faltam do que de disposições de lei” e que se tornava, portanto, necessário”tomar medidas tendentes a tornar mais eficientes preceitos já estabelecidos na lei vigente.”

Posteriormente, isto mesmo tem sido dito e redito, das mais diversas formas e nos mais variados lugares, por entidades responsáveis.

É então caso para perguntar se valerá a pena fazer novas leis e que garantias
há de que passem agora a ser cumpridas

Relativamente à intervenção da Mesa, já no final da sessão, quanto à inutilidade da nossa implícita sugestão de se rejeitar a proposta de lei, tal como foi apresentada na Assembleia da República, porque a lei, tendo passado em Conselho de Ministro, irá mesmo ser aprovada na Assembleia da República, embora consentindo alterações, conquanto não tivéssemos então comentado essa intervenção, ocorre-nos agora dizer que apenas as leis naturais são imutáveis.
Se é possível alterar as leis actualmente em vigor e isso foi o motivo da nossa presença na reunião, não percebemos razão que obste a que se mande aperfeiçoar o texto presente à Assembleia da República, de modo a evitar que se provoque à indústria mineira uma crise ainda maior do que aquela com que já se debate.

Porto, 25 de Fevereiro de 1984
(a) A. Rocha Gomes
Membro da Ordem N.º 2 066-Mi”

Dada a grande importância deste assunto, tomei ainda a decisão de o apresentar à consideração do Ministro de Estado, Dr. Almeida Santos.
A carta que lhe escrevi será transcrita no próximo post.
Permito-me, desde já, revelar que a lei não foi publicada.

2 comentários:

Anónimo disse...

Exmo Sr. Eng. Rocha Gomes,

Já antes havia deixado este comentário, mas num post antigo, como pretendo agradecer algumas das informações disponíveis e o enquadramento geral, volto a colocar o mesmo comentário.

Visitei o seu blog quando fazia alguma pesquisa sobre os recursos minerais metálicos existentes em Portugal. Para além de ficar a conhecer recursos que não sabia existirem, reforcei a convicção de que Portugal tem tudo para ser uma economia industrial de base tecnológica, e que apenas permanece persistentemente neste atraso actual devido a factores que nada tem a ver com os recursos do território, condenando assim este país a definhar em vez de acompanhar países como por ex. a Suiça, Dimanarca ou Holanda (em termos de riqueza e tecnologia). Embora tal seja pouco provável (talvez por factores análogos aos que refere nos posts), com estes recursos seria possível lançar em Portugal uma indústria metalúrgica de base e fina, permitindo assim obter o valor acrescentado a produtos semi-acabados ou acabados, em vez de exportar tais recursos para o exterior serem posteriormente valorizados, embora isto seja algo óbvio, não parece ser de mais continuar a referir-lo.
Com os meus melhores cumprimentos. Mário Brito, Finalista Eng. Mecânica.

A. Rocha Gomes disse...

Caro Senhor Mário Brito
Agradeço o seu comentário, que merece o meu inteiro acordo.
Aos portugueses competiria efectivamente, aproveitar devidamente os recursos minerais, existentes no País
Houve algumas louváveis iniciativas nesse sentido, quer de alguns Governos, quer de entidades privadas.
Não tiveram, porém, a necessária continuidade ou foram abandonadas
Na prática, mantemo-nos ao nível do 3.º Mundo.
São empresas estrangeiros que exploram as nossas principais riquezas minerais, exportando-as em bruto.
Leis e boas intenções não têm faltado. Mas de boas intenções está o inferno cheio.
Da incapacidade de aproveitarmos esses recursos, resultou a crise com que agora nos debatemos.
A manutenção das metalurgias que chegaram a ser instaladas e a instalação de outras que as nossas enormes reservas minerais plenamente justificavam, era, sem dúvida, fundamental, para o desenvolvimento da nossa economia.
Nesse sentido, me pronunciei, em muitas ocasiões, como tenho aqui descrito, (Ver, por exemplo, os posts N,ºs 35, 44, 79, 104 we 106).
Terá que ser a vossa geração a agir para sair do “enrascanço” em
a minha vos deixou
Os meus cumkprimentos
A. Rocha Gomes
30-6-2011