terça-feira, 28 de junho de 2011

175 – Carta para Ministro Almeida Santos acerca de projecto de nova lei de Minas

A seguir, transcrevo a carta que enderecei ao Ministro de Estado, Dr. Almeida Santos, em 12-3-84, reflectindo a minha grande preocupação, perante a iminência de aprovação, na Assembleia da República, de um projecto de nova Lei de Minas, que tinha suscitado generalizada reprovação, em sessões realizadas em várias delegações da Ordem dos Engenheiros, numa das quais eu tive numerosa intervenções, conforme relatei no post anterior:

“Dizer que atravessamos tempos difíceis é já um lugar comum. Muitos de nós bem o sentimos!

A crise internacional e a nossa pobreza intrínseca são constantemente invocadas para justificar a situação.

Mas que se tem feito para modificar esta triste realidade? Estamos nós a aproveitar bem os recursos de que dispomos? Está mesmo feito um inventário sério desses recursos?

Não estaremos nós a desper4diçar energias, como, Ex.ª há pouco disse, “a discutir as Índias, enquanto o barco se afunda”, em vez de procurarmos remediar-nos com o quer temos e não envergonhar-nos a pedir aos vizinhos?

Quem lhe escreve, Senhor Ministro, é alguém que tem passado a sua vida profissional, já longa de 40 anos, esforçando-se por contribuir para criar riqueza tão necessária à sobrevivência do País.

E escrevo-lhe porque, casualmente vi, em jornal do Porto, há pouco mais de 15 dias, o anúncio de uma reunião que iria ter lugar na Ordem dos Engenheiros, para apreciação de nova LEI DE MINAS.

Como técnico com sentido de responsabilidade no sector mineiro nacional, estive presente nessa reunião e, perante o que me foi dado ouvir, fui naturalmente impelido a ter diversas intervenções.
Tomo a liberdade de enviar a V. Ex.ª o resumo que entreguei, em devido tempo, na Ordem dos Engenheiros.

Decidi-me a escrever estas linhas, porque sendo V. Ex.ª bem conhecido como distinto jurista, me causou estranheza que aquele projecto de lei tivesse resistido à sua cuidadosa análise.
Talvez as múltiplas e complexas matérias a que V. Ex.ª tem de dedicar atenção lhe não tenham permitido dispor do tempo necessário para uma análise profunda. Ou talvez tenha confiado que ela tivesse sido feita nos departamentos especializados, por onde terá transitado.

Eu apenas quero chamar a atenção de V. Ex.ª para o que, a seguir, vou dizer.

Em 1939, o Governo teve a feliz imaginação de criar um Organismo oficial com o objectivo de proceder ao inventário da riqueza mineira do País, visando o seu subsequente aproveitamento, em benefício da economia nacional.

Este Organismo, a que foi dado o nome de SERVIÇO DE FOMENTO MINEIRO, teve sempre vida atribulada, porque sempre foi mal dirigido. Todos sabemos como eram escolhidos os principais chefes, no regime anterior a 25-4-74.

No entanto, alguns entusiastas da profissão, entre os quais eu me honro de contar, algo conseguiram produzir.

E se hoje é possível falar no já célebre jazigo de NEVES-CORVO e incluir em numerosos artigos de revistas (mais estrangeiras que nacionais) referências a essa descoberta mineira, quiçá a mais importante deste século na Europa Ocidental, isso só se tornou possível porque eu tomei iniciativas, em circunstâncias difíceis, que permitiram quase encontrar o jazigo! E se não me foi consentido chegar mesmo à descoberta, isso é uma história que talvez venha a contar, se o julgar útil.

Por agora, quero apenas alertar V. Ex.ª para o facto de que esta e outras descobertas que promovi, ou que consegui mesmo, só foram possíveis por existir um SERVIÇO DE FOMENTO MINEIRO que, ao longo dos anos, foi, apesar de tudo, criando alguma tradição nas complexas técnicas da prospecção mineira.

Está prevista, na nova LEI DE MINAS, que o Governo já aprovou e fez seguir para discussão na Assembleia da República, a revogação do Decreto-lei N.º 29 725 de 1939, que atribui ao Estado um papel fundamental no reconhecimento mineiro do País.
Parece confiar-se que tal reconhecimento seja possível, através da acção de empresas privadas, assumindo o Estado um papel secundário.

Afigura-se-nos ser este um erro grave, como salientei nas minhas intervenções na Ordem dos Engenheiros.

Para ele tomo a liberdade de chamar a atenção de V. Ex.ª, e faço-o apenas como português, que sempre se dedicou de alma e coração a estes assuntos, como V. Ex.ª poderá compreender, se mandar passar em rápida revista o meu currículo, que junto envio.

Em tempos, preocupado com o rumo que as coisas levavam, inundei o Governo com documentos comprovativos de que uma sindicância à Direcção-Geral de Minas era indispensável. Porque a não fizeram, não sei.
Mas verifiquei que os principais responsáveis pelos graves erros cometidos, com alguma corrupção envolvida, foram sendo transferidos para outros cargos, sem punição, quiçá passando até a desfrutar de maiores regalias.

Outros vieram ocupar os cargos vagos e alguns mais, entretanto criados.

Como foi feita a escolha para essa ocupação?

Absorvido com a minha actividade técnica, até confiei que a escolha tivesse sido criteriosa, como seria normal. Mas o tempo se tem encarregado de demonstrar que, se as coisas iam mal, passaram a andar muito pior.

A LEI DE MINAS, que está na Assembleia da República, é disso uma demonstração.
O navio a afundar-se e discutem-se as Índias!

Será que não há remédio para estes males?

Julgo que muito poderá fazer-se, mas há que ter a coragem de não continuar a proteger incompetentes, inexperientes e falhos de carácter, apenas por terem a conveniente filiação partidária, ou beneficiarem de outro género de compadrio, afinal ainda presente, não obstante ter havido uma Revolução.

Nada venho pedir para mim. Encaro até, com forte grau de probabilidade, o meu pedido de passagem à aposentação. Espero apenas terminar um relatório que me foi exigido.

Não deveria ser eu a sair e tenho a consciência de que muito ainda poderia contribuir para a criação de riqueza, neste País.

Mas não posso evidentemente esperar - nem mesmo o desejo que o Governo faça sair os muitos que talvez nem devessem ter entrado num Organismo instituído para fomentar o desenvolvimento da indústria mineira nacional e não para travar esse desenvolvimento, como eles parecem julgar.

Apresento a V. Ex.ª os melhores cumprimentos

(a) A. Rocha Gomes

Anexos:
1 – Meu currículo
2 – Resumo das intervenções de A. Rocha Gomes, na reunião que teve lugar, em 23 de Fevereiro de 1984, na Delegação do Norte da Ordem dos Engenheiros, para discussão do projecto de Lei de Minas, Águas Minerais e Recursos Geotérmicos, já apresentado na Assembleia da República.

Conforme referi no post anterior, o projecto não foi aprovado, permanecendo consequentemente em vigor os bem concebidos Decretos Nº 18 713 e 29 725, respectivamente de 1930 e 1939.

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