quarta-feira, 10 de novembro de 2010

146 – Como Jorge Gouveia continuava a interpretar as suas funções de Director do SFM

No post n.º 140, registei declaração do novo Director-Geral, em sessão pública, prometendo colaboração com as Universidades e o facto de Jorge Gouveia, presumivelmente por esse motivo, ter desistido de me subordinar aos Geólogos Goinhas e Viegas, que tinham conseguido cargos de chefia, na vaga de “assaltos” originada pela criação desses cargos, no Decreto n.º 544/77.

Gouveia passara, praticamente, a ignorar a minha existência.

Tornou-se, assim, possível que eu desse continuidade à prospecção mineira, na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima e mantivesse estreita colaboração, não só com diversos estabelecimentos de ensino superior e médio, mas também com empresas que actuavam naquela Região, conforme descrevi, nos posts anteriores.

Mas, em meados de 1981, não lhe foi possível continuar a ignorar-me.
Tinha recebido ordem para apresentar a classificação de todo o pessoal do SFM e até estava nomeado “notador” dos funcionários do núcleo de Caminha.
Gouveia, que desconhecia o pessoal deste núcleo, ao qual nunca tivera a consideração de se apresentar, não teve alternativa senão convocar-me, para poder cumprir a ordem.

A este respeito, escrevi, nas páginas 3 e 4 do “Relatório da Actividade do 1.º Serviço, durante o 2.º trimestre de 1981”, que enviei a Gouveia, o que, a seguir transcrevo:

“ 3 - Afirmações do Director do Serviço de Fomento Mineiro, relativamente à situação de Caminha, no esquema orgânico da Direcção-Geral de Geologia e Minas.

Por convocação do Director do Serviço, comparecemos, em 4 de Junho, no seu gabinete, em S. Mamede de Infesta, a fim de colaborarmos na classificação dos funcionários da Secção de Caminha, conforme preceituado no Decreto Regulamentar n.º 57/80, de 10 de Outubro.
A Ordem de Serviço n.º 14/81, de 19 de Maio, emitida pelo Director-Geral, havia designado os engenheiros Jorge Gouveia (Director do S.F.M) e A. Rocha Gomes (Chefe do 1.º Serviço) como notadores, na classificação do pessoal de Caminha.
O Director do Serviço pretendia, pois, dar cumprimento a esta Ordem, embora se não considerasse habilitado a dar parecer sobre pessoal que não conhece. Confiaria nas classificações que nós atribuíssemos.
Estavam também presentes os engenheiros António Neto, Adalberto Carvalho e Arouca Teixeira, o engenheiro técnico Pereira Viana e o arquitecto Linhares de Oliveira, por motivo idêntico, pois deles dependiam diversos funcionários a classificar.
No que respeita ao caso da Secção de Caminha, o Director afirmou estar apenas cumprindo a Ordem do Director-Geral, pois tal Secção não pertence ao Serviço de Fomento Mineiro.
Interrogado por nós sobre a natureza da actividade ali decorrente, reconheceu ser de Fomento Mineiro; porém, não se enquadra no seu esquema….
Não podemos, obviamente, tomar a sério estas surpreendentes afirmações.
A Secção de Caminha pertence muito mais ao Serviço de Fomento Mineiro do que o actual Director deste Serviço.
O eng.º Jorge Gouveia, tanto quanto nos temos apercebido, tem limitado a sua acção a meros actos administrativos, subordinados a uma orientação tendenciosa do ex-Director-Geral, eng.º Soares Carneiro, portanto, quase sempre pouco felizes.
A Secção de Caminha, com todas as dificuldades que lhe são artificialmente impostas, pratica verdadeiro fomento mineiro e vai chegando a resultados, embora exigindo cada vez mais esforço e pertinácia.
Os funcionários, embora tivessem ficado profundamente magoados pelo ostracismo a que foram votados, a ponto de agora até os considerarem excluídos do Organismo que sempre dedicadamente serviram, não se deixam desmoralizar.
Têm a consciência de que o seu trabalho é útil ao País, é criteriosamente planificado, correctamente executado, tem produzido os seus frutos, bem patentes nas actividades privadas que neles se têm apoiado e, sem dúvida, continuarão a contribuir para a valorização dos recursos minerais do País.
Manterão, pois, o mesmo interesse na sua actuação, na esperança de que não venha longe o dia em que se dê a inversão da marcha retrógrada, que tem caracterizado o Serviço de Fomento Mineiro, nos últimos anos.
Se a nós já não magoaram as afirmações do Director, por serem apenas mais algumas dentre muitas outras do mesmo jaez que temos ouvido, e não apenas a ele, não podemos deixar de lhe atribuir significado.
Na realidade, elas explicam as dificuldades constantemente criadas à actividade da Secção.
O Director não tem que se preocupar com uma Secção que não pertence ao Serviço que dirige !!!!
Deste modo simplório, o Director procura eliminar problemas originados pelas promoções a dirigentes de departamentos de prospecção, de indivíduos de mau carácter e sem competência técnica, que era necessário compensar pelo apoio prestado ao eng.º Soares Carneiro, para o manter no cargo de Director-Geral, apoio que afinal se revelou insuficiente, uma vez que o eng.º Soares Carneiro acabou por ser afastado, sem que ao País fossem explicadas as razões do seu súbito e inesperado afastamento.
Aceita nos não subordinarmos a esses indivíduos e, consequentemente, exclui-nos do Serviço de Fomento Mineiro e, connosco, todo o pessoal que connosco colabora na Secção de Caminha.
Esquece-se, porem, que a obra por nós realizada no Fomento Mineiro nos dá muito mais direito de permanecer neste Serviço do que a ele próprio e aos que o estão ajudando a destruir o Organismo que nós sempre procuramos defender e valorizar.
O assunto justificaria intervenção a nível mais elevado, sobretudo no momento em que constantemente se proclama a necessidade de conseguir a maior eficiência dos Serviços Oficiais.
A experiência, porém, de diligências anteriores, inteiramente frustradas, desaconselha seguir esta via. Examinaremos, oportunamente, a questão, na tentativa de encontrar uma saída mais prática que, por agora, se não vislumbra.”

Outras afirmações foram produzidas, na mesma data, que me abstive de introduzir em relatórios, mas que registei nos relatos das reuniões de serviço, que sempre fazia, para minha defesa futura, perante o clima de hostilidade que me tinha sido criado.

A seguir, menciono algumas dessas afirmações:

1 – Perguntado sobre se pretendia acabar com os trabalhos na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, tal como já havia procedido relativamente à Faixa Metalífera da Beira Litoral, Gouveia respondeu que não sabia; isso saberia o Director-Geral !!!

2 – Gouveia gabava-se de ter vendido, a alemães, por 13 000 contos, cartas de prospecção, respeitantes à obra que eu fizera no Alentejo, da qual nem me tinha apercebido!
Era ele quem tivera a capacidade de aproveitar essa obra, em benefício do SFM, uma vez que, durante a minha chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, tais cartas eram cedidas gratuitamente às entidades que se mostravam verdadeiramente interessadas em dar continuidade a essa obra.
Com pouco rejubilava este medíocre Director!
O objectivo da Organização, que introduzi, naquela Brigada, era muito mais ambicioso do que permitir tão insignificantes negócios!

3 - Gouveia teve o impudor de declarar que, se o núcleo de Caminha deixou de pertencer ao SFM, foi porque eu não aceitara a chefia da Prospecção; por isso, me excluíra do SFM, passando a considerar-me assessor do Director-Geral!!.
Perante tão intencional deturpação de conversa anterior, chamei-lhe a atenção para o facto de a oferta de um lugar de Director ter sido feita quando Goinhas já estava nomeado para dirigir a Prospecção Mineira. E tal oferta, fora condicionada, à minha renúncia à realização de trabalho no campo!
A minha aceitação corresponderia a ocupar, como vários outros chefes, um cargo simbólico, como se o meu objectivo no SFM visasse apenas a remuneração, não me preocupando em “ser arrumado na prateleira”, vendo afundar-se o Organismo de que fui sempre o principal dinamizador!!

4 - Após tão imprevista Introdução, Gouveia passou a enunciar as várias alíneas constantes das normas classificativas que trazia: qualidade de serviço, quantidade de trabalho, discernimento e responsabilidade, qualidades dirigentes, etc.

A minha primeira observação foi sobre a oportunidade e validade destas classificações.
Manifestei o parecer de que as classificações deveriam ter precedido as nomeações para os cargos de chefia criados pelo Decreto-lei n. 544/77, e de que as personalidades indigitadas para delas se encarregarem, deveriam ser dotadas de reconhecida idoneidade e isenção na apreciação dos currículos, o que, obviamente excluía, de imediato, todos os dirigentes da DGGM ainda em funções.

Se tivesse sido adoptado este lógico e elementar procedimento, ter-se-iam evitado os problemas que agora estavam a surgir e os que, seguramente, ainda iriam aparecer.

5 - Quanto à classificação do pessoal do núcleo de Caminha, para que tinha sido nomeado “notador”, já Gouveia havia declarado a sua incapacidade de se desempenhar da incumbência, apesar de a ter aceite.

6 -Relativamente ao pessoal da Secção de Talhadas, que deixara de me estar subordinado, após a suspensão da actividade na Faixa Metalífera da Beira Litoral, perguntei qual a competência de Goinhas e Viegas, para se desempenharem da função de “notadores”, que aceitaram, sendo certo que não possuíam preparação em técnicas geofísicas e até nem tinham tido tempo de conhecer esse pessoal.
Perguntei se seria tida em conta a deterioração de que este pessoal estava dando provas - segundo tinha chegado ao meu conhecimento - originada pela incapacidade de Viegas lhe confiar tarefas em conformidade com o nível técnico a que tinham chegado.
Salientei as dificuldades na formação disciplinada deste pessoal, ao longo de muitos anos e a facilidade com que agora estava a ser destruído.

7 - A propósito do item das qualidades dirigentes, perguntei se estas se exigiam aos dirigidos. E os dirigentes? Aproveitei, então, a oportunidade para lhe chamar a atenção para os novos chefes que nada dirigem e dos reais dirigentes que não têm essa categoria, como era o meu caso.

8 - Gouveia mostrava-se incapaz de explicar os procedimentos que estavam a ser adoptados.
Em vez disso, passou a divagar sobre o comportamento que os funcionários deveriam adoptar para com os seus chefes. Em seu entender, deveriam procurar agradar-lhes, para serem bem classificados.
Contestei, vigorosamente, este entendimento, que me fazia lembrar advertência que me fora feita, em 1963, por ter enviado ofício ao Director-Geral com o objectivo de ver corrigida Ordem do Director do SFM, que eu declarara ilegal e contrária aos interesses do SFM.
Essa advertência baseava-se no princípio de que “os Chefes têm sempre razão”. (Ver post n.º 23)
Estimular os funcionários a procurarem agradar aos Chefes, em vez de pugnarem pelo interesse do Serviço, era desenvolver as suas características negativas, e fazer, depois, promoções injustas.
Era isto, de facto, o que estava acontecendo, com os tristes resultados bem visíveis.
Chegou-se à incoerência de quase todos os funcionários serem classificados “muito bons”, num Organismo em plena decadência.
Era deste modo leviano que os actuais dirigentes escondiam a sua incapacidade de aproveitarem funcionários potencialmente muito bons, mas que não demonstravam essas qualidades, sabendo, pelo contrário, tirar partido das facilidades que a incompetência dos dirigentes lhes proporcionava.

9 - Sem que eu percebesse a intenção, Gouveia revelou a experiência que adquiriu, quando esteve no ex-Ultramar português, quanto a processos disciplinares, surpreendendo-se com o facto de na Metrópole tais processos serem pouco frequentes.
Talvez tivesse pretendido intimidar-me !!

10 - Entrando, então, na análise dos currículos do pessoal do núcleo de Caminha, que ainda me estava subordinado, comecei por salientar o elevado nível atingido pelo Senhor José Catarino, que transferi da Secção de Évora, quando ainda chefiava a 1.ª Brigada de Prospecção.
Tendo ingressado no SFM em 1957, apenas com a Instrução Primária, José Catarino foi, ao longo dos anos, adquirindo formação profissional nos variados métodos de prospecção mineira, tornando-se um dos técnicos que me ofereciam mais confiança na execução dos trabalhos de campo e em alguns trabalhos de gabinete.
Não passara da categoria de Colector, porque as disposições legais então em vigor, exigiam maior nível de escolaridade para poder ascender a categoria superior.

José Catarino já tinha ficado a chefiar, interinamente a Secção de Évora, quando o Agente Técnico de Engenharia José Gameiro se ausentara, durante dois anos, em comissão de serviço em Angola. E o seu desempenho foi muito satisfatório, só se tendo sentido a ausência de Gameiro, pelo ambiente mais calmo que passou a vigorara neste núcleo.

Com estupefacção, eu tinha tomado conhecimento, pelo Diário da República de um louvor de Gouveia a José Gameiro, realçando as suas qualidades de relacionamento humano. Não resisti a perguntar em que se baseou para tal louvor. É que Gameiro trabalhara, sob minha direcção, durante cerca de 30 anos e fora um dos técnicos que mais problemas me originaram, sobretudo pelos seus conflitos com o pessoal, chegando à agressão física.
Surpreendia-me que, o escasso tempo de contacto de Gouveia com Gameiro lhe tivesse permitido encontrar matéria para tão expressivo louvor.
Por esta amostra, poder-se-ia avaliar o mérito das suas classificações.

A minha decisão de o transferir José Catarino para Caminha foi motivada pela impossibilidade de prosseguir trabalhos nesta Região, com o rigor e a produtividade a que estava habituado, contando com a participação do pessoal técnico, que o Director destacara para a 2.ª Brigada de Prospecção.
De facto, os dois Agentes Técnicos, que tinham sido destacados para comigo colaborarem, estavam cheios de vícios (um deles, que reivindicava a chefia da Secção de Caminha, até chegou a apresentar-se embriagado ao trabalho, cometendo erros graves que Catarino tivera de corrigir). O trabalho de ambos não merecia confiança, apesar de serem considerados especialistas em topografia. Tive que os devolver ao Director de então.

Foi graças à capacidade do Senhor Catarino para interpretar as minhas instruções e as seguir rigorosamente, e ao seu fino trato, que foi possível obter os êxitos conhecidos neste núcleo de Caminha.

11 - O restante pessoal da Secção de Caminha teve as classificações de que realmente era merecedor. Eu conhecia bem todos estes funcionários, pois com eles participava na execução das tarefas que projectava, nas minhas frequentes visitas à Secção.
Com muitos deles criara até relações de amizade, tal como tinha sucedido com o pessoal da 1.ª Brigada de Prospecção, antes da traição que me fizeram, como Gouveia tivera ocasião de observar, quando viera de Moçambique aprender técnicas de prospecção mineira.
Classifiquei alguns funcionários de “muito bons”; outros, de “bons”, de harmonia com as provas que tinham dado.
Continua …

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