Uma característica comum a quase todos os Directores que o SFM teve, ao longo de 40 anos da sua existência, foi a deficiente interpretação das disposições do Decreto-lei que criou o Organismo que lhes foi confiado.
Jorge Gouveia não fugiu a essa regra.
Apenas o seu fundador, o Engenheiro António Bernardo Ferreira, teve a exacta noção dos procedimentos que deveriam ser adoptados para seu cumprimento.
Logo no artigo 1.º deste Decreto é realçado o papel fundamental atribuído ao Estado, na investigação sistemática das existências de recursos minerais no País, com vista ao seu racional aproveitamento.
E, no parágrafo único do artigo 2.º, impõe-se que, para protecção dos resultados que se forem obtendo, sejam declaradas cativas para o Estado as áreas onde incidirem os trabalhos do SFM, exceptuando naturalmente as parcelas, nelas inclusas, que já tenham sido objecto de concessões.
Porém, nos termos do parágrafo 1.º do artigo 5.º, o Estado admite que possam ser adjudicados, através de hasta pública, trabalhos no interior dessas áreas cativas, reservando aos adjudicatários o direito à exploração dos jazigos que evidenciarem, atribuindo-lhes as respectivas concessões.
Foi na Faixa Piritosa Alentejana, que esta disposição legal começou a ter aplicação, generalizando-se depois a diversas outras áreas, sobretudo do Sul do País.
Na qualidade de Chefe da Brigada do Sul do SFM, eu tive a meu cargo investigar as existências de recursos minerais da região do País, a sul do Rio Tejo.
Posteriormente, como Chefe do Serviço de Prospecção, as minhas funções tornaram-se extensivas a todo o território metropolitano nacional.
Era, pois, com inquietação, que tomava conhecimento de contratos celebrados com empresas privadas, respeitantes a parcelas das áreas cativas, sem a devida consideração pela valorização introduzida, nessas parcelas, pelos estudos empreendidos sob minha orientação.
Os dirigentes só muito excepcionalmente solicitaram os meus pareceres, procedendo discricionariamente e, quase sempre, sem recurso a hasta pública.
Os termos dos contratos também não eram divulgados, através de publicação no jornal oficial ou no Boletim de Minas!
O clausulado dos primeiros contratos foi muito pouco exigente (Ver, a este respeito, por exemplo o post n.º 19).
Os adjudicatários apresentavam relatórios, dando conta resumida dos trabalhos que efectuavam, directamente ou com intervenção de empresas especializadas.
Não eram designados técnicos para fiscalizarem essa actividade.
Houve até uma Empresa que, habituada ás facilidades excessivas, chegou a reivindicar o direito à exploração de massa de minério descoberta pelo SFM, na proximidade da sua concessão (Ver post n.º 35)
Todavia, embora sem funções de fiscalização, que me não tinham sido conferidas, eu acompanhava, de perto, os estudos das adjudicatárias, aproveitando a oportunidade para entrar em contacto com empresas estrangeiras, especializados em técnicas modernas de prospecção, às quais recorriam, habitualmente, as adjudicatárias.
Através destes contactos, obtive preparação nessas novas técnicas, que passei a aplicar, quando consegui convencer dirigentes pouco esclarecidos a autorizarem a aquisição dos necessários equipamentos.
Proporcionei, também a outros funcionários idêntica formação.
As Empresas eram apenas obrigadas a dar conta da sua actividade à direcção do SFM, no que dizia respeito às áreas que não tinham sido objectos de concessões mineiras.
E, obviamente, relatavam apenas o essencial para dar cumprimento às cláusulas contratuais.
No que respeita aos contratos com concessionários, era a estes que competia prestar contas, não ao SFM, mas às Circunscrições Mineiras.
Era bem conhecido o ambiente de facilitismo que vigorava nas Circunscrições.
Por carência de pessoal técnico competente, a actividade dos concessionários não era eficazmente acompanhada, acontecendo haver minas que nunca foram visitadas e, quando foram, não se corrigiram erros graves, sistematicamente cometidos, com desrespeito de regras fundamentais, sobretudo quanto ao bom aproveitamento dos jazigos. (Ver, por exemplo, post n.º 48)
Nos contratos de prospecção, raramente se inseria cláusula que obrigasse as Empresas a entregar os testemunhos das sondagens que efectuassem.
De facto, tal obrigatoriedade implicava que o SFM tivesse local apropriado onde os arquivar criteriosamente.
O SFM nem sequer tinha onde arrumar, capazmente, os testemunhos das suas próprias sondagens, pois uma proposta por mim apresentada em sessão da Comissão de Fomento para a construção de um armazém na aldeia de Penedo Gordo, perto de Beja, que até chegou a merecer aprovação, acabou por não ter seguimento. (Ver post n.º 53)
Nos meus frequentes contactos com os técnicos de Union Carbide, que estavam instalados em Covas, a dar cumprimento a contratos de prospecção com concessionários locais e com o Estado, apercebi-me das suas crescentes dúvidas quanto à revelação de reservas minerais, em quantidade e qualidade que justificassem a passagem a uma fase de lavra activa.
Apercebi-me, também, de a Empresa ter produzido documentos, que não anexara aos relatórios que apresentava à Direcção do SFM, por tal não ser exigido nas cláusulas contratuais.
Considerando que a hipótese mais desfavorável pudesse vir a verificar-se, revelei, aos vários Geólogos que foram assumindo, ao longo de anos, a direcção do seu projecto de Covas, o meu interesse em receber toda a documentação que tinham produzido, nela incluindo os testemunhos das sondagens.
Embora o contrato com o Estado não o exigisse, de todos obtive o compromisso de me fazerem entrega dessa vasta documentação.
Quando, em fins de 1979, tive conhecimento de que Union Carbide decidira rescindir todos os seus contratos, logo procurei indagar qual o espólio que iria receber.
Em 4-12-79, Bronkhorst, que era então o dirigente do projecto de Covas, confirmou que iria entregar toda a documentação.
Quanto aos testemunhos, encarregava-se de os fazer transportar para as instalações do SFM em S. Mamede de Infesta.
Queria tudo resolvido antes do fim do ano.
Informou-me ter ido a Lisboa, apresentar a sua cortês despedida ao Director-Geral, e ter ficado surpreendido com a sua afirmação de já esperar a decisão de Union Carbide abandonar a área, acrescentando que sempre tivera a noção da pequena dimensão do jazigo de Covas!!
Quando lhe falou na documentação que me prometera entregar, o Director-Geral logo mostrou um inesperado interesse em a receber.
Já havia, segundo disse, Empresa candidata a continuar a investigação do jazigo.
Era óbvio que estas afirmações não mereciam o mínimo crédito.
No seu pretensioso comentário sobre a dimensão do jazigo de Covas, esquecera o entusiasmo que dele se apoderou, quando decidiu orientar, directamente, inexperientes Geólogos, a que chamou “scheeliteiros”, em campanhas de prospecção visando encontrar grandes jazigos, “as Torres dos Clérigos”, na sua curiosa expressão (Ver post n.º 56).
Estas campanhas redundaram em grande “fiasco”, com já oportunamente referi.
Esquecera também que não tivera o mesmo interesse em conservar documentos dos estudos que pessoalmente dirigira, os quais apenas conduziram à revelação da insignificante ocorrência de Cravezes, apesar de ter sido muito propagandeada como descoberta de novo jazigo.
A realidade é que nem logs tinham sido feitos e os testemunhos tinham sido abandonados. (Ver Observação no fim do post n.º 114)
Os concessionários locais também não se tinham mostrado minimamente interessados em acompanhar os estudos de Union Carbide, nas áreas das suas concessões, confiantes que, nos termos contratuais, teriam boa participação nos lucros da exploração que a Empresa americana realizaria. Se estivessem interessados teriam já na sua posse cópia de toda essa documentação.
Mas o facto de a documentação não me ser entregue directamente enquadrava-se na política obstrucionista à minha actividade na Região.
No meu relatório do 1.º trimestre de 1980, que enviei a Jorge Gouveia, fiz referência a este assunto, a pág. 8 a 11.
A seguir, transcrevo o que, a este respeito, deixei registado:
“3 – Obstrução à consulta de documentação técnica entregue por Union Carbide
Por termos estado ausente, em gozo de licença graciosa, durante a segunda quinzena de Dezembro de 1979, só em 2 de Dezembro recebemos a resposta do Director do Serviço, com data de 20-12-79, acerca da intenção de Union Carbide de entregar à Direcção-Geral de Minas, diversos documentos respeitantes à sua actividade na região de Caminha e também os testemunhos das sondagens efectuadas a expensas suas, na mesma região.
Verificamos, com estupefacção, que se não aproveitou a oferta de Union Carbide de custear o transporte de cerca de 1650 caixas de testemunhos de Covas para S. Mamede de Infesta, quando é certo que constantemente se afirma haver falta de meios de transporte no Serviço e, por este motivo, se criam obstáculos a certos trabalhos. Surgem, além disso, ordens recomendando parcimónia no consumo de combustíveis, já que as dotações são escassas.
Verificamos, ainda, com alguma surpresa (na realidade já nada nos deveria surpreender do que acontece na Direcção-Geral de Minas) que, tendo sido exclusivamente mercê das nossas diligências e não por obrigação imposta por qualquer disposição legal ou contratual, que Union Carbide consentiu em fazer entrega quer dos testemunhos quer dos logs das sondagens e outros documentos, o Director do Serviço decidiu, em nova atitude prepotente e obstrucionista, dificultar ou impedir mesmo a nossa consulta a este material.
A maneira mais eficaz de atingir este objectivo foi intrometer no assunto o seu representante no núcleo de S. Mamede de Infesta “para assuntos de rotina”, encarregando-o de receber o material e elaborar um documento, a que chamou “relatório”, sobre essa recepção.
Apesar das deficientes relações pessoais que, há muito, mantemos com esse funcionário, cuja actuação no Serviço não tem merecido o nosso apreço, não tivemos dúvida em nos deslocarmos, no dia 3 de Janeiro, à região de Caminha, por ele acompanhados, a fim de lhe mostrarmos a quantidade de testemunhos a transportar, agora a expensas do Serviço, e o modo como estavam acondicionados nas instalações de Union Carbide e lhe fazermos perceber os cuidados a ter no transporte, para que nada se destruísse e esse valioso material pudesse ser inteiramente aproveitado para novos estudos, quer do Serviço, quer de qualquer outra entidade.
Nessa data e em vários dias seguintes, insistimos vigorosamente na indispensabilidade de prévia consulta à documentação já entregue ou a entregar ainda por Union Carbide, antes de se iniciar o transporte, para que a arrumação dos testemunhos em S. Mamede de Infesta obedecesse a um plano, evitando que, por falta de cuidados, viesse a tornar-se inaproveitável tão valioso material.
Apesar das nossas insistências e das respectivas promessas, do género “Estou a elaborar o relatório (?!) que o Director pediu; Na próxima semana, a documentação estará à sua disposição” feitas desde Janeiro, sempre foram surgindo evasivas e a realidade é que nenhum documento nos foi entregue por tal representante, até ao fim do trimestre.
A partir de certa data, quando nos convencemos de que a atitude era superiormente estimulada e que se pretendia nitidamente sonegar-nos a documentação, deixamos mesmo de falar no assunto.
O Director do Serviço, a terminar o seu ofício de 20-12-79, escreve:
“Na medida em que V. conhece melhor do que ninguém a actividade da empresa, poderá actuar junto da empresa no sentido de não ser olvidada qualquer espécie de documentação”
Como poderíamos nós saber se foi ou não olvidado algum documento de interesse, se ainda, nesta data, nos mantemos na ignorância do que realmente foi entregue?
Não deveria, para tal, ser-nos confiada, com tempo para estudo, toda a documentação, antes de Union Carbide ter abandonado a região?
Que se pretende com esta sonegação?
Escrevemos no nosso parecer de 28-8-79, sobre a actividade de Union Carbide Geotécnica Portuguesa – Assistência Mineira, L.da, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima:
“…Em terceiro lugar, embora a região mineira de Covas apresentasse perspectivas francamente aliciantes, após a valorização introduzida pelo Serviço de Fomento Mineiro, a realidade é que a prospecção é sempre um empreendimento de resultados aleatórios.
Haveria, portanto que considerar a hipótese de não virem a evidenciar-se, através dos trabalhos de Union Carbide, reservas de minério de tungsténio, suficientemente importantes para que a Companhia se interessasse na sua exploração.
A verificar-se esta hipótese, o projecto de Covas deveria ser reavaliado e poderia acontecer que, não sendo atractivo para uma Companhia estrangeira, habituada a empreendimentos de muito maior dimensão, ele fosse francamente rendível para uma Companhia nacional de ambições mais modestas ou, preferivelmente, para uma empresa estatal devidamente estruturada.”
Escrevemos, também, no relatório da actividade do 1.º Serviço, no trimestre anterior:
“ Uma vez que se verificou a hipótese desfavorável considerada, pretendemos fazer a reavaliação a que aludimos e planificar a campanha de prospecção do Serviço de Fomento Mineiro na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima, tendo em conta essa reavaliação.”
Até ao fim do trimestre, não se nos tornou possível, mercê da sonegação mencionada, dar qualquer passo no sentido da reavaliação do projecto de Covas e sua integração no plano geral de prospecção mineira, na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima.
Estamos convictos de que os documentos permaneceram intactos, sem que alguém os tenha consultado, desde que Union Carbide os entregou.
Talvez seja mero capricho pueril ou talvez senil a causa do obstrucionismo que se está praticando.
Entendemos ser já tempo de começar a responsabilizar aqueles que, além de não estimularem, nem colaborarem seriamente como é seu dever (para isso são remunerados) no inventário e valorização da riqueza mineira nacional, pelo contrário, criam dificuldades à consecução desse objectivo.”
Continua ...
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