sábado, 18 de julho de 2009

83 – A minha demissão da chefia da 1.ª Brigada de Prospecção. Continuação 2

A seguir, transcrevo a exposição do pessoal contratado da 1.ª Brigada de Prospecção, à qual me referi, em posts anteriores:

“Ex.mo Senhor Director do Serviço de Fomento Mineiro

A culminar a deterioração progressiva das relações entre o Sr. Engenheiro Chefe do 1.º Serviço, que acumula a chefia da 1.ª Brigada de Prospecção, e os engenheiros e geólogos desta Brigada, foi recebido por cada um destes técnicos um ofício, datado do dia 2-1-75, cuja fotocópia se anexa.
Este ofício é mais uma demonstração do carácter autocrático do Sr. Eng.º Chefe do 1.º Serviço que o levou, ao longo do tempo, a incompatibilizar-se com a quase totalidade dos técnicos da D.G.M.S.G. e com a maioria do restante pessoal. É também prova evidente de um espírito antidemocrático que se manifesta por uma incapacidade total de se adaptar às mais elementares regras de convivência humana.
Acusam-se os técnicos desta Brigada da utilização “ilícita e abusiva” do nome da Brigada na sua participação para a proposta de alteração ao organigrama da D.G.M.S.G., usando uma linguagem imprópria que este pessoal não merece. Esta acusação é infundada, profundamente injusta e representa uma deturpação mal intencionada do espírito que norteou a tomada de posição da Brigada, que foi o de efectivamente participar construtivamente na reestruturação de um Serviço que é o de todos nós. O Sr. Eng.º Chefe do 1.º Serviço é que nunca esteve interessado em participar em qualquer discussão, e nunca concretamente apresentou qualquer alternativa para o projecto de reestruturação proposto pelo Sr. Director-Geral.
O que efectivamente se passou foi a realização em Beja de uma reunião de delegados de todo o pessoal desta Brigada, no dia 16-12-1974, onde foi discutida e aprovada a proposta deste núcleo que mais tarde foi aceite pelos Serviços Geológicos de Portugal, tendo-se por esta via chegado a uma proposta comum. Contestar este processo, usando meios de intimidação para obter uma submissão total do pessoal sob as suas ordens ao seu ponto de vista é que nos parece ser uma abusiva coarctação das liberdades fundamentais, e um flagrante atentado às regras democráticas instituídas no nosso país.
O Sr. Eng.º Chefe do 1º Serviço, aliás, desde há muito tempo se tornou notado pelas suas atitudes que culminaram com a presente tomada de posição
.
Escudado numa discutível dedicação à causa do seu Serviço, usou das maiores prepotências, evitando o contacto dos seus subordinados com os chefes hierárquicos, não se preocupando com a promoção dos técnicos dele dependentes, antes alimentando falsas esperanças ao pessoal não técnico quanto à melhoria da sua situação, estando muitos a sofrer as consequências nefastas das suas promessas.
Em determinada fase da sua vida, aquele técnico foi viver para o Porto, sede do Serviço de Fomento Mineiro, não abdicando no entanto da chefia da Brigada que deixara em Beja. Este procedimento veio a causar enorme prejuízo ao Estado, não só pelos problemas de ordem burocrática e administrativa de vária ordem, mas principalmente pelas deficiências no planeamento, execução e controle das vastas e delicadas tarefas a cargo desta Brigada.
A Brigada tem pois sido, nos últimos anos, telecomandada do Porto em cadência monocórdica, interrompida esporadicamente por vindas irregulares a Beja onde se realizaram reuniões cada vez mais espaçadas: casos houve, em que o espaçamento chegou a 6 meses. Precisamente nestas reuniões evidencia-se o espírito ditatorial do Sr. Eng.º Chefe do 1.º Serviço que impõe as suas ideias, cerceando qualquer tentativa de discussão dos problemas pelo uso de um voto de qualidade, por ele mesmo instituído. Sempre que se pretende lançar ideias novas, elas encontram, quase sistematicamente oposição, ou não são pura e simplesmente tomadas em linha de conta, resultando quebra de entusiasmo com consequências nefastas evidentes no rendimento do Serviço.
Ultimamente chegou-se ao ponto de as ordens serem dadas por ofício, evitando, portanto, o contacto com os seus técnicos.
A sua recusa em participar na reestruturação e ao mesmo tempo a tentativa de impedir que o pessoal sob as suas ordens se interessasse por tal, é atitude particularmente grave que tem que ser encarada como manobra reaccionária que severamente repudiamos.
Conscientes dos perigos que podem resultar da manutenção de uma pessoa com espírito tão profundamente antidemocrático na chefia de um departamento de grande responsabilidade, o pessoal contratado da 1.ª Brigada de Prospecção sente, por este motivo e pelos atrás expostos, que não mais poderá continuar a trabalhar sob as suas ordens e pede, por decisão unânime, a sua substituição imediata do cargo de Chefe da 1.ª Brigada e que seja revista superiormente a sua qualidade de Chefe do 1.º serviço. Só assim será assegurada a participação plena e confiante de todo o pessoal no desempenho das tarefas que lhe forem confiadas.”
Beja, 8 de Janeiro de 1975
A seguir, indico as assinaturas que figuram no documento, pela ordem em que lá se encontram
:

José Augusto Marques Bengala
Vítor Alvoeiro de Almeida
Manuel de Campos Nolasco da Silva
Vítor Velez Pereira Borralho
João Serra Magalhães
Francisco José Sobral Soares
Vítor Manuel Jesus Oliveira
José Goinhas
Delfim de Carvalho
Manuel Virgínio Ferreira Camarinhas
Alfredo Ferreira
José Coelho da Silva Gameiro
José Francisco Alves Albardeiro
Ilídio António Concórdia Riço
Manuel Eduardo Chagas
José António Janeiro
Jerónimo de Jesus Salgueiro
João Joaquim
António Francisco Peleja
Luís Augusto Alves Albardeiro
João José Jardim
Joaquim José Nifrário Pires
Luís Sebastião Luzia
Francisco Elisiário Afonso
José Maria Monteiro

É o seguinte o teor do meu ofício a que alude esta exposição:

“Aos Senhores Engenheiros e Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção residentes em Beja:
Tenho notado, ultimamente, que alguns de V. Ex.ªs vêm efectuando deslocações para fora da sua zona de trabalho, em funções que não se relacionam directamente com o trabalho que lhes está distribuído, com manifesto prejuízo da actividade da Brigada, sem que me tenha sido pedida autorização ou sequer me tenha sido prestada informação, ainda que “a posteriori”.
Acabo também de tomar conhecimento de uma “Proposta de alteração do Organigrama da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, datada de 16-12-1974,não assinada, mas apresentada como tendo sido elaborada pelos “Serviços Geológicos de Portugal” e pela “1.ª Brigada de Prospecção do Serviço de Fomento Mineiro”.
Cumpre-me informar:
a) Toda a ausência fora da área normal de trabalho, verificada sem meu prévio conhecimento e sem que, para ela, me seja apresentada, em tempo oportuno, justificação aceitável, será anotada como falta injustificada;
b) A utilização de meios de transporte pagos pelo Estado, em deslocações para fora da área normal de trabalho, não por mim autorizadas, será considerada irregular;
c) Não autorizei V. Ex.ªs a apresentarem-se, para a elaboração de qualquer proposta de alteração do Organigrama da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, em nome da 1.ª Brigada de Prospecção do 1.º Serviço, cuja chefia acumulo, considerando, portanto, ilícita e abusiva a qualificação desta Brigada como co-autora da proposta acima referida.
S. Mamede de Infesta, 2 de Janeiro de 1975
O Engenheiro Chefe do 1.º Serviço de Fomento Mineiro
Albertino Adélio Rocha Gomes


O cariz vincadamente político deste documento levou-me a não lhe atribuir grande importância, na convicção de que, se da sua análise na Comissão de Saneamento nada resultasse, noutros departamentos governamentais seria feita justiça.
O Director do SFM já havia tentado comprometer-me perante o MFA (Movimento das Forças Armadas responsável pela Revolução de 25 de Abril) no caso do “Ouro de Vila Velha de Ródão” (ver post N.º 70).
Ele, que devera a nomeação para o cargo, não a competência, mas exclusivamente ao seu alinhamento político-religioso com o regime ditatorial de Salazar-Caetano, mostrava-se agora grande democrata, confundindo, porém, indisciplina.com democracia
Os Geólogos e os Engenheiros residentes em Beja, que em todas as eleições, durante o regime de Salazar-Caetano, nunca falharam, com o seu voto, o apoio ao regime vigente, quiseram seguir o exemplo do Director, mostrando-se igualmente grandes defensores da democracia, mas confundindo também indisciplina com democracia.
Todos eles sabiam da minha discordância com esse regime e que, coerentemente, embora correndo grave risco, nunca nele votei. Posso até acrescentar que me chegaram recados de que informadores da PIDE procuraram saber porque, sendo eu, na cidade, um dirigente de importante Organismo do Estado, não tinha ido apoiar com o meu voto o regime em vigor.
Lembro, a esse respeito, a conversa com o Director-Geral em 1965, em viagem para o Alentejo, na qual ele se fez acompanhar do afilhado Delfim de Carvalho, ainda na qualidade de finalista do Curso de Geologia (Ver post N.º 34).

Com desalento, veio à minha memória, o célebre verso, nos Lusíadas de Camões: "Entre os portugueses, traidores houve algumas vezes”.

Os Engenheiros e os Geólogos da 1.ª Brigada de Prospecção tinham esquecido a sua insistência para que eu mantivesse a chefia desta Brigada, por não aceitarem que um deles fosse eleito Chefe, como eu tinha sugerido, visto não se entenderem bem uns com os outros. (Ver post N-º 72)
Esqueceram também o parecer que, por unanimidade emitiram, em Maio de 1974, de eu ser o técnico indicado para dirigir o Serviço de Fomento Mineiro e até a Direcção-Geral de Minas. (Ver também post 72).
E o Geólogo Dr. Vítor Oliveira também se não recordaria da afirmação que fizera em Vila Viçosa, em fins de Novembro de 1974. Então, mostrando-se indignado, quando o confrontei com a minha suspeita de que estaria a apoiar o Director-Geral, que passara a efectuar frequentes visitas à Brigada, reagiu dizendo que ele não me trairia!

Confiante de que justiça seria feita, tão óbvia era a falsidade das afirmações contidas no hediondo documento, a minha preocupação consistia na reconstituição da 1:ª Brigada de Prospecção, com exclusão dos cabecilhas da rebelião, que facilmente seriam identificados, em inquérito que se promovesse.
As minhas suspeitas incidiam sobre todos os Geólogos, sobretudo sobre o afilhado do Director-Geral e sobre um ou dois dos Engenheiros.
Quanto ao restante pessoal, admiti sempre que se terá deixado intimidar pelas fortes pressões e ameaças a que terá sido submetido.
Fiz exposições circunstanciadas para membros do Governo, para o Provedor de Justiça, para as Comissões de Trabalhadores que se foram constituindo, acentuando a óbvia correlação do documento com a fraude no preenchimento dos boletins itinerários superiormente aconselhada e questionando se a perda de 30% nos proventos dos funcionários contratados, estava a verificar-se, como tinha previsto um desses funcionários, caso se desse cumprimento à Ordem de Serviço que foi posta em vigor.
Os resultados foram decepcionantes! Os membros do Governo e a Provedoria da Justiça pareciam não perceber a importância do assunto em causa.
As Comissões de Trabalhadores andavam mais preocupadas em conseguir melhores salários e outras regalias do que em evitar a destruição que estava a iniciar-se de um Organismo de criação de riqueza, que era a razão dos seus empregos.
Sem o perceberem, estavam a matar a galinha dos ovos de ouro!
Ainda tentei colocar o assunto em tribunal, baseado no crime de atentado à minha honra, mas o advogado experiente, que consultei, dissuadiu-me de avançar, perante a anarquia que reinava no País, naquele período revolucionário que se prestava a todas as arbitrariedades.
Além disso, o facto de eu ter sido prejudicado durante 11 anos, por não ter sido oficializada a minha qualidade de Chefe de Serviço, que efectivamente desempenhava, resultava em vantagem para o Director!
Para efeitos legais eu, com 31 anos de serviço, era um simples Engenheiro de categoria igual à de todos os outros Engenheiros, incluindo os recém-contratados, que no exercício das suas funções estiveram ou estavam ainda dependentes dos ensinamentos que eu lhes prestava, face à sua geral impreparação.
A minha reflexão final sobre este lamentável caso, foi de surpresa pelos extraordinários êxitos conseguidos sob minha directa orientação, na 1.ª Brigada de Prospecção, apesar da mediocridade e baixo carácter agora posto em evidência, sobretudo pelos Geólogos e pelos Engenheiros residentes em Beja.
É que, nesses êxitos, a participação dos Engenheiros e dos Geólogos residentes em Beja, contrariamente ao que deles se esperava, foi relativamente diminuta.
Este infame documento, marcaria o início da progressiva degradação do SFM até se consumar a sua extinção.

Continua ...

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