domingo, 26 de abril de 2009

65 – A atitude do SFM perante o encerramento das Minas do Braçal. Continuação 3

Continuação da informação que prestei ao Director do SFM, em 15-7-1974, em cumprimento do seu despacho de 10-7-1974, a propósito de um documento sobre o encerramento das Minas de chumbo do Braçal, que poderia ter sido evitado.

“ 3.2.2 – Resultados obtidos

Da aplicação do método geoquímico, resultou já a definição de anomalias em numerosas áreas.
Destas, estão seleccionadas 9, para investigação por outras técnicas.
A primeira, a que já nos referimos, é a do Cabeço do Telégrafo e parece corresponder a um estrutura filoniana com mineralização plumbífera, de extensão superior a 1 km.
Prevê-se a apresentação de projectos de sondagens, para esta área.
As restantes dispersam-se por toda a região, desde S. João da Madeira até à Mealhada e não houve ainda possibilidade de, sobre elas, executar estudos de pormenor, para determinar o seu real interesse.
Há, porém, razões para esperar que algumas delas possam corresponder a concentrações minerais exploráveis.
Para um conhecimento mais concreto dos resultados, sugere-se a consulta do relatório “Região de Braçal – Talhadas. Sua potencialidade mineira”, no qual se sintetizam em 45 mapas, na sua maior parte à escala 1:25 000, os resultados até 31-12-1972.
A actividade posterior a esta data consta de outros mapas que ainda não figuram em relatórios, mas que poderão fornecer-se, se se julgar conveniente.
Os seus resultados são, igualmente, de muito interesse.

4 – O encerramento das Minas do Braçal. Suas causas
Sobre este tema, poderá pronunciar-se, com mais autoridade, a Circunscrição Mineira do Norte, como, aliás, sugere o Senhor Director do Serviço de Fomento Mineiro.
Afigura-se-nos, no entanto, pertinente, algo do que escreveu, em 1959, o Engenheiro Soares Carneiro, então Chefe daquela Circunscrição Mineira e actual Director-Geral de Minas e Serviços Geológicos, a propósito dos jazigos de chumbo metropolitanos, no capítulo 2.7.1 do seu estudo sobre “A riqueza da indústria extractiva metropolitana”:


Actualmente a situação é trágica, praticamente tudo está paralisado. As cotações desceram a zonas abissais, mergulhando em irremediável submarginalidade todas as nossas minas (noutro capítulo se verá como isto acontece, apesar do consumo mundial de chumbo aumentar incessantemente).
À semelhança do que se fez com as minas de volfrâmio, tentou-se uma política de subsídio, aqui falhada por tenaz oposição de importadores do metal, ansiosos de se aproveitarem da avassaladora crise mundial que o atingiu. Esta atitude absolutamente coerente com a ética comercial, correcta no exercício dos direitos de cada um, decorrentes de uma política de liberalismo, aqui pouco esclarecida, é um atitude tocada de uma certa infidelidade aos melhores interesses nacionais, até às directrizes da O.E.C.E.
Negando-se o bem pouco que se pedia (uma pequeníssima taxa fiscal sobre o chumbo importado era o suficiente para garantir as condições mínimas de rentabilidade das minas mais aptas) corre-se o risco de perder-se quase todo o nosso património mineiro de chumbo.
De resto, não seríamos os primeiros a tomar tais medidas de protecção, pois quase todos o fizeram, de modo escandaloso os E.U.A., que, em plena crise, mantiveram cotações internas para aguentar uma produção nacional empolada, caríssima.
Nós apenas pretendíamos salvar as minas mais aptas, as de maior vitalidade, as melhores unidades de um exíguo quadro de produção bem precisado de incentivo, tão necessário para tentarmos minorar esta triste situação de insuficiência.
Avaliando-se a diferença entre a baixa do custo do chumbo importado e o benefício dela resultante, distribuído ao público consumidor de produtos baseados no metal há-de forçosamente duvidar-se se houve algum mérito económico-social para a grei por tão rígida medida disciplinar, quase sentença de morte aplicada às minas de chumbo (adiante tocaremos novamente no assunto).”

No capítulo 3.7 da mesma publicação, escreve ainda Soares Carneiro, a propósito das perspectivas dos mercados dos minérios de chumbo e zinco:
“…
No que nos respeita, é nossa opinião ser de puro interesse nacional, enquanto a solução internacional não se impuser, aguentar algumas das nossas poucas minas de chumbo, as mais aptas, capazes de trabalharem com cotações normais.
As despesas seriam mínimas, talvez diluídas de modo insensível pelos mais fortes no comércio e indústria desses metais. Os benefícios, tanto económicos como sociais, seriam bem grandes, maiores, sem dúvida, que os sacrifícios (foram já realizados pormenorizados estudos sobre o assunto).
É nossa opinião que as nossas melhores minas de chumbo poderiam trabalhar a cotações da ordem dos 10$00/kg de metal. Por tão pouco, não valerá a pena ressuscitá-las?”

Conclui-se, pois, que o encerramento das Minas do Braçal não foi provocado por declarada escassez de reservas minerais, mas por baixa de cotação do chumbo, durante demasiados anos e ausência de protecção oficial, em épocas de crise.

5 – As possibilidades de serem retomadas as explorações mineiras na região de Braçal – Talhadas
O senhor Joel de Macedo Marques, provavelmente traduzindo o sentir da população de Sever do Vouga, manifesta o desejo de que as Minas do Braçal entrem, de novo, em actividade.
Crê que a exploração é possível porque, segundo afirma, os estudos do Serviço de Fomento Mineiro, confirmados pelo actual responsável técnico das Minas do Braçal, demonstraram que o filão destas Minas é dos mais ricos do País ou mesmo da Europa.
Não sabemos em que se apoia o Senhor Joel Marques para tirar tais conclusões dos estudos do Serviço de Fomento Mineiro.
A realidade é algo diferente.
Da documentação que conseguimos consultar sobre as Minas do Braçal, concluímos que o jazigo, sobre que incidiram os trabalhos de exploração, é ainda muito mal conhecido.
Não há plantas geológicas dos vários pisos, onde estejam figurados os filões, com indicação das respectivas possanças e teores de Pb e Ag, a intervalos regulares (por exemplo, metro a metro), os terrenos encaixantes, falhas, etc.
Não há perfis geológicos transversais.
E não conhecemos, também, perfis longitudinais, onde se demarquem os blocos considerados em cálculos de reservas certas e prováveis.
Deduzimos, pois, que o jazigo de Braçal – Malhada – Coval da Mó não está reconhecido.
Ignoram-se quais as suas reservas e respectivos teores.
Não é possível projectar, com seriedade, uma exploração mineira, sem conhecimento, tão exacto quanto possível, do que se pretende explorar.
O que há, portanto, a fazer, primeiramente, com vista ao aproveitamento das eventuais riquezas minerais da região de Braçal – Talhadas, é proceder ao seu reconhecimento.

Temos a considerar os casos seguintes:
a) Filões conhecidos, que foram objecto de exploração mais ou menos intensa e que podem ainda conter apreciáveis reservas, tais como Braçal, Malhada e Coval da Mó:
b) Filões de que se conhecem alguns indícios e que apenas foram objecto de rudimentares trabalhos de pesquisa;
c) Filões ainda desconhecidos, susceptíveis de detecção, pelos modernos métodos geofísicos e geoquímicos;
d) Possíveis formações estratóides contendo mineralizações disseminadas, de baixo teor.

No caso da alínea a) – filões conhecidos que foram objecto de exploração mais ou menos intensa – o reconhecimento de novas reservas exigirá a execução de trabalhos mineiros (poços, galerias, etc.) sobretudo a profundidades maiores do que as já atingidas.
Ignoramos se ao Serviço de Fomento Mineiro foi apresentada a possibilidade de se encarregar, através do seu Departamento de Trabalhos Mineiros (2.º Serviço) deste reconhecimento, antes de consumado o encerramento das Minas do Braçal e de retirado todo o seu equipamento.
Agora, tudo será muito mais difícil e dispendioso.
Mas a hipótese é de considerar, com o peso que a região tiver no plano geral de actividades do Serviço de Fomento Mineiro.
Tratar-se-á de um empreendimento de vulto, que envolve importantes despesas e exige a participação activa de técnicos competentes.
Haverá, pois, que ponderar se, na actual conjuntura, ele terá justificação ou será sequer viável.
São bem conhecidas as actuais dificuldades de recrutamento de mão-de-obra, o seu mais elevado custo e a relutância crescente do pessoal mineiro em aceitar trabalhar em minas subterrâneas.
Temos sérias dúvidas de que os antigos mineiros, uma vez regressados dos países para onde emigraram, se disponham a trabalhar, de novo, nos poços e nas galerias das Minas do Braçal, como parece admitir o Senhor Joel Marques.
De qualquer modo, não seria empreendimento único no Serviço de Fomento Mineiro.
A Mina de Aparis, em Barrancos, é um caso semelhante, em que os estudos do Serviço de Fomento Mineiro permitiram definir reservas suficientes para que uma Companhia privada se interessasse pela sua exploração.
Esta mina está, presentemente, em actividade e supomos que a exploração é remuneradora.
É evidente que, se o Serviço de Fomento Mineiro quiser agora lançar-se no empreendimento do Braçal e em outros idênticos que venham a justificar-se, terá que considerar-se, muito seriamente, a revisão da sua Orgânica, porquanto a actual não se mostrou sequer capaz de manter o ritmo de actividade mineira que vigorava com a Orgânica anterior.
Há muito se fala na reforma das estruturas da Direcção-Geral de Minas, envolvendo, portanto, o Serviço de Fomento Mineiro.
Afigura-se-nos, porém, que se tem procurado diminuir a importância deste Serviço, para a economia do País.
Será através deste Serviço, quando devidamente estruturado, que poderão valorizar-se as riquezas minerais, que se crê poderem existir no território metropolitano português.
O que já se fez, nalguns sectores do Serviço de Fomento Mineiro, enfrentando dificuldades de vária ordem, pode considerar-se notável.
Mas muito mais poderá fazer-se, se se proceder à sua reorganização e se lhe facultarem meios materiais e humanos adequados aos objectivos em vista.
Um Serviço de Fomento Mineiro, apropriadamente desenvolvido, poderá ter até uma acção disciplinadora das actividades mineiras privadas, as quais, em muitos casos, decorrem em condições técnicas deficientes.
Os casos das alíneas b), c) e d) enquadram-se no âmbito das actividades do Departamento de Prospecção (1.º Serviço), a nosso cargo, desde Novembro de 1963.
Como já anteriormente referimos, temos vindo a cumprir, desde 1968, um programa de prospecção.
Dispomos, para tal, de uma reduzida equipa: um Colector e 4 a 5 assalariados, sob nossa directa orientação.
Os resultados desta actividade já foram descritos e constam, mais detalhadamente, do relatório “Região de Braçal – Talhadas. Sua potencialidade mineira”, elaborado em 31-12-1972, em cumprimento de despacho de 6-11-1972, do Senhor Director do Serviço de Fomento Mineiro, sobre ofício do Dr. Vale Guimarães, então Governador Civil de Aveiro.
Nesse despacho, havia sido levantada dúvida quanto à real potencialidade mineira da região de Braçal – Talhadas e mandado elaborar “relatório indicando o que se fez até agora, perspectivas e resultados, o que se projecta para o futuro, a fim de habilitar o Senhor Engenheiro Director do Serviço a propor ao Senhor Engenheiro Director-Geral a continuação ou paralisação dos trabalhos”.
O relatório procura demonstrar o interesse da região e termina pela apresentação de um programa que envolve levantamentos geológicos às escalas 1:5 000 e 1:25 000, investigações fotogeológicas, trabalhos diversos de prospecção geofísica e geoquímica, sondagens e outros trabalhos de pesquisa e reconhecimento, chamando a atenção para os meios materiais e humanos, que se tornarão necessários para seu cumprimento.
Tal programa não é, obviamente exequível, a curto prazo.
A sua duração será, no entanto, encurtada, se, por um lado, forem facultados ao 1.º Serviço mais e melhores meios de acção, sobretudo no que respeita a geologia e se, por outro lado, se aproveitar a iniciativa particular que mostre interesse em dar continuidade à actividade do Serviço de Fomento Mineiro, em áreas já por este Serviço valorizadas.
Deve informar-se que algumas Companhias estrangeiras manifestaram já interesse por esta região
Cito, por exemplo, o caso da Preussag, que tem explorado o bem conhecido jazigo de Rammelsberg, na Alemanha. Esta Companhia só não apresentou, em 1969, proposta concreta, por ter desanimado face às habituais demoras e incertezas que têm precedido a celebração de contratos com o Estado.
Posteriormente, outras Companhias estrangeiras, que também mostraram interesse pela área, abstiveram-se de apresentar propostas, em face do parecer de 22-2-1972 da Procuradoria Geral da República, interpretativo da Lei N.º 1994 de 13-4-1943 e do Decreto-Lei n.º 46 312 de 28-4-1965, segundo o qual ficou vedado outorgar a empresas estrangeiras, concessões para exploração de jazigos ou depósitos de substâncias úteis, a não ser que exista resolução em contrário do Conselho de Ministros, a qual só poderá ser dada para o sector.”

Nunca cheguei a conhecer os despachos que incidiram nesta minha informação, se é que ela mereceu alguma atenção dos dirigentes.
Os estudos na região prosseguiram, em circunstâncias que descreverei em futuros posts.

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