sexta-feira, 6 de agosto de 2010

134 – O 4.º Director do Serviço de Fomento Mineiro

O famigerado decreto 548/77, da autoria de Nobre da Costa, abriu a “boceta de Pandora” a muitos oportunistas.
Foi através desta irreflectida abertura que o Engenheiro Jorge Augusto da Cunha Gouveia, foi nomeado, em 1-9-1978, Subdirector-geral da Direcção-Geral de Geologia e Minas, e depois, indigitado para dirigente do Serviço de Fomento Mineiro.

Conforme referi no post n.º 126, Jorge Gouveia já tinha pertencido ao Quadro de Engenheiros do SFM.
Ingressara, neste Organismo em 27-5-1948, nele permanecendo, durante cerca de 7 anos.
Exerceu a sua actividade sempre na Brigada do Norte.
Ocupou-se, em conjunto com muitos outros técnicos, entre os quais se destacou Soares Carneiro, que viria a ser nomeado Director-Geral, essencialmente do estudo do jazigo de ferro de Guadramil.
Foi co-autor de um relatório acerca deste jazigo, que conseguiu publicar, em 1950, na Revista do SFM, quando os trabalhos de reconhecimento ainda prosseguiam.

Este relatório é bem revelador do enorme atraso em que se encontrava a Brigada do Norte do SFM, em matéria de investigação mineira, comparativamente com o desenvolvimento que a Brigada do Sul, sob minha orientação, já tinha atingido.
De facto, no que respeita à geologia, os levantamentos efectuados não tiveram em vista o conhecimento da estrutura, nem se encarou a hipótese de as diversas camadas ferríferas, onde incidiram os trabalhos de pesquisa, pertencerem ao mesmo horizonte geológico e surgirem em diferentes situações topográfica, por acção de dobramentos, ou falhas.
São referidas reservas certas de 3.5 milhões de toneladas de minério (óxidos e carbonato de ferro), mas não se apresentam peças desenhadas comprovativas do modo como se chegou a esse valor e aos respectivos teores de ferro e outros elementos essenciais para uma correcta avaliação do jazigo.
Não se encarou a aplicação de técnicas geofísicas, nem sondagens, para um melhor conhecimento do jazigo.
Estas técnicas eram, então, usadas no Sul do País, e havia insistentes propostas por mim apresentadas, nos planos anuais de trabalhos, para sua mais ampla utilização.
Não foi considerada a hipótese de a siderite ser ganga de jazigo de sulfuretos, que poderiam existir, a maior profundidade, pois até se refere a existência de pirite, calcopirite, blenda e arsenopirite em veios quartzosos atravessando as camadas ferríferas.
Estes sulfuretos poderiam resultar de remobilizações, à semelhança do que veio a ser demonstrado em Neves-Corvo, confirmando as minhas previsões de que as mineralizações cupríferas em Barrigão. Porteirinhos e Brancanes teriam origem em remobilizações. (Ver “Prospecção de Pirites no Baixo Alentejo”, publicado em 1955).

Ocorre-me sugerir a comparação do relatório sobre o jazigo de Guadramil, com os que apresentei sobre os Jazigos ferro-manganíferos de Cercal-Odemira, sobre o Jazigo de cobre, chumbo e zinco do Torgal, e muitos outros referentes a estudos concluídos, que não foram objecto de publicação.

Em 1955, Jorge Gouveia deixou de ser funcionário do SFM, não se conhecendo outras actividades dignas de menção, a que se tenha dedicado, para além da que descrevi, bastante modesta e não isenta de deficiências, como assinalei.

Foi, então, integrado nos Serviços de Geologia e Minas do Ultramar Português, primeiro em Angola, depois em Moçambique.

Em meados de Abril de 1965, encontrei-o, nas Jornadas de Engenharia de Moçambique, onde fui representar a Metrópole, por nomeação do Director-Geral, Eng.º Soares Carneiro, que então se encontrava ainda, no início do seu mandato.

O meu relacionamento com Gouveia, se já era muito cordial, ficou fortalecido com o convívio que, com ele, estabeleci, durante a minha permanência naquele ex-território ultramarino português.
Gouveia apresentou comunicação às Jornadas que muito me decepcionou, pois traçou um panorama muito pessimista quanto à existência de recursos minerais, em território com área nove vezes a da Metrópole, o que é contrário a todas as estatísticas.
A realidade era que a prospecção do território estava por fazer, apesar das tentativas de Rogério Cavaca, quando, em 1948, (Ver post n.º 5) fez deslocar, da Metrópole, numerosos técnicos, supostamente preparados para essa prospecção.
Foi, por isso, que a comunicação que apresentei sobre resultados positivos da aplicação de métodos geofísicos e geoquímicos à prospecção mineira na Metrópole (Casos de Portel e Barrancos, referidos nos posts n.ºs 20, 21 e 44) despertou grande interesse a Gouveia. (Ver post n.º 44)
Ele manifestou o desejo de aproveitar a experiência do SFM nesses métodos, para fazer estagiar na 1.ª Brigada de Prospecção alguns técnicos dos Serviços Ultramarinos e criar posteriormente, em Moçambique, um departamento com idênticas atribuições para fomentar o desenvolvimento da indústria mineira da Província.
Gouveia veio à Metrópole tomar contacto directo com os trabalhos de prospecção que se encontravam em curso sobretudo no Sul do País e, na sequência dos dados que colheu vieram alguns técnicos fazer estágios nesses métodos.

Não tive conhecimento de que, realmente, tenha desenvolvido actividades nas ex-províncias ultramarinas portuguesas, de Angola e Moçambique, de que tenham resultado significativos progressos na valorização do património mineiro destes longínquos territórios.

Após a independência de Moçambique, Jorge Gouveia ainda permaneceu nos Serviços de Geologia e Minas, por tempo que não posso precisar, mas julgo ter-se prolongado por alguns anos.

Foi, porém, compelido a regressar a Portugal, devido a problemas em que esteve envolvido, os quais ocasionaram que as novas autoridades determinassem a sua prisão
Veio, portanto, para Portugal, fortemente afectado, do ponto de vista psicológico, por estes acontecimentos, cujas origens desconheço. Constava que teria havido relação com posse ilegal de pedras preciosas.

Dizia-se que o Ministro Almeida Santos teria tido intervenção na nomeação de Jorge Gouveia como Subdirector-geral, aproveitando as possibilidades abertas pelo Decreto-lei n.º 548/77. Sabia-se como o Director-Geral, Soares Carneiro era sensível a “sugestões” de personalidades com altos cargos governativos (Ver posts n.º 25 e 50)

Indigitado para o cargo de Director do SFM, teve que aguardar que Norberto Afonso Múrias de Queiroz, pedisse a demissão, em obediência a instruções que deve ter recebido

Múrias de Queiroz só deixou a direcção do SFM em 13-1-79, isto é, quando conseguiu nomeação para o cargo simbólico, de Adjunto do Director-Geral dos Serviços de Prospecção da Junta de Energia Nuclear, simbólico porque estes Serviços já tinham sido extintos.
Embora demitido, Múrias de Queiroz manteve-se sem funções, nas instalações de S. Mamede de Infesta!!

Não chegou a saber-se em que se ocupou Jorge Gouveia, durante aqueles 4 meses, mas pelo seu comportamento posterior, fui levado a concluir que esteve a ser negativamente influenciado por colegas, que não tendo conseguido realização no SFM, se haviam instalado no conforto das instalações de Lisboa, com funções burocráticas, isto é, como técnicos de papel selado, na expressiva designação de Castro e Solla.

Por este mau prenúncio inicial, era de prever que, mais uma vez, iria ter confirmação a famosa lei de Murphy: “Havendo mais de uma maneira de se executar uma tarefa ou trabalho, e se uma dessas maneiras resultar em catástrofe ou em consequências indesejáveis, certamente essa será a maneira escolhida por alguém para executá-la.

Apesar disto e embora, pelo passado de Gouveia de pouca ou nula experiência válida em prospecção mineira, eu não pudesse esperar uma actuação muito empenhada, quando foi indigitado para dirigir o SFM, alimentei algumas esperanças de que, do nosso bom relacionamento, pudessem resultar medidas que promovessem a reabilitação do Serviço.

Infelizmente, as minhas esperanças cedo começaram a desvanecer-se.
Com o meu inveterado optimismo, confiava que Jorge Gouveia me contactasse, imediatamente a seguir ao abandono de Múrias de Queiroz do cargo de Director do SFM, por variadas razões.
Por um lado, eu era o funcionário com mais elevada categoria, na hierarquia do SFM, a seguir ao Director.
Por outro lado, ele devia estar consciente de que Múrias de Queiroz não abandonara o cargo, de sua livre vontade, mas porque a sua actuação estava longe de corresponder ao que se espera de um dirigente responsável.
E finalmente, porque ele era conhecedor do meu valioso currículo e da minha capacidade para o ajudar a reabilitar um Organismo que se encontrava em franca decadência, como até um Ministro já havia declarado a delegados sindicais com quem tivera reunião.
Mas só, em 31-1-79, isto é cerca de 5 meses após a sua nomeação de Subdirector-geral, ele se decidiu a ter o primeiro contacto comigo. Foi um contacto casual, em corredor do edifício de S. Mamede de Infesta.
Disse-me, então, que ia precisamente procurar-me. Queria falar comigo, mas já não podia ser, nesse dia, pois tinha outras pessoas com quem também queria conversar!!!. Pergunta-me se pode ser no dia seguinte. Respondo afirmativamente, embora tivesse planeado ir ao campo.
A conversa, em 1-2-79, foi extremamente decepcionante.
Ouviu o relato completo do que fiz no SFM e o rebater da acusação que me faziam quanto a “más relações humanas”.
Ele até tivera oportunidade de observar o meu comportamento amistoso para com todo o pessoal, quando veio de Moçambique avaliar as possibilidades de técnicos dos Serviços de Geologia e Minas desta ex-província ultramarina virem especializar-se no 1.º Serviço em técnicas geofísicas e geoquímicas.
Já estava completamente influenciado pelas conversas que tivera com Soares Carneiro, Múrias de Queiroz, Orlando Cardoso e António Neto, isto é, por alguns dos principais responsáveis pelo declínio do SFM.

O cúmulo da sua desconsideração e desrespeito pela deontologia profissional foi tentar colocar-me sob as ordens do traidor Goinhas, que ele indigitava para responsável pela Prospecção Mineira, ignorando acintosamente o meu currículo, que até elogiara, a ponto de comentar, com base no que ouvira a técnicos estrangeiros, que eu, nem verdadeira consciência tinha da grandeza da obra por mim realizada, sobretudo no Sul do País, a qual causava a admiração desses técnicos estrangeiros.
A documentação técnica que se preparava, por minha iniciativa, estava a render dinheiro para os cofres do Estado.

Apesar deste elogio, e de eu lhe ter revelado aspectos fortemente negativos do currículo do Geólogo Goinhas mantinha o seu propósito de o aceitar como dirigente da Prospecção.

Posteriormente, Gouveia foi continuando a invocar motivos fúteis para se esquivar a novas reuniões comigo, chegando a faltar a encontros combinados, sem qualquer explicação, assim continuando a evidenciar o seu verdadeiro carácter.

Em 7-3-79, apercebendo-me de que estava nas instalações de S. Mamede de Infesta e que também estivera no dia anterior, perguntei-lhe quando poderíamos ter a reunião há muito tempo planeada. Respondeu que poderia ser na tarde desse dia.
A reunião decorreu das 14 às 19 horas, sem interrupção.
Apesar de todas as minhas explicações, percebi que nada havia a esperar de Gouveia.
Já estava completamente envenenado, e afinal, ele não era quem eu julgava. Também não prestava. Tentando agora desvalorizar a minha obra no Sul do País, comentou que a 1.ª Brigada de Prospecção tinha excesso de pessoal e que, por lá, andavam a inventar trabalho!!! Reagi, esclarecendo que, quando estiveram sob minha chefia, não conseguiam realizar senão uma parcela mínima do que eu projectava.
Eram, depois, Companhias privadas a executar os meus projectos, frequentemente com a minha colaboração, que solicitavam e agradeciam.

Apesar deste ambiente fortemente adverso, mantive actividade com resultados de muito interesse, nos núcleos de Caminha e de Talhadas, que conseguia manter a meu cargo.
Aproveitei esses resultados para demonstrações, em aulas teóricas e práticas de campo e de gabinete a alunos e professores das Faculdades de Ciências e de Engenharia da Universidade do Porto e também do departamento de Geociências da Universidade de Aveiro.

Proporcionei à Universidade de Aveiro matéria para tese de doutoramento de um dos seus docentes.

A actividade das Secções a meu cargo ficou pormenorizadamente descrita em diversos relatórios. Neles acentuei, os obstáculos que enfrentei, para realizar trabalho útil, na esperança de uma eventual acção correctiva e também para justificar atrasos no cumprimento dos objectivos do SFM, isto é, na definição de novas reservas de minérios susceptíveis de exploração económica.

A título de exemplo, a seguir, transcrevo parte do que escrevi, no tema “Dificuldades encontradas” no relatório da actividade do 1.º Serviço, no 1.º trimestre de 1979: que deverá existir em arquivo na DGGM, se nenhum dirigente o tiver mandado destruir:

“ Em 24 de Janeiro, o Director-Geral de Geologia e Minas submete ao Senhor Secretário de Estado de Energia e Minas várias propostas de afectação de pessoal dirigente.

Destas, destacamos duas: uma propondo o Engenheiro Jorge Augusto da Cunha Gouveia – que desde Setembro de 1978 tinha a categoria de Subdirector-geral – para o cargo de Director de um departamento derivado do antigo Serviço de Fomento Mineiro, pela amputação dos Laboratórios e adição do resíduo dos antigos Serviços de Prospecção e Exploração Mineira da Junta de Energia Nuclear, resultante da criação da Empresa Nacional de Urânio; outra, propondo o Engenheiro Orlando Martins Cardoso – que, desde Julho de 1978, tinha a categoria de Director de Serviço, - para o cargo de Director do Laboratório da Direcção-Geral de Geologia e Minas.
Ao novo departamento confiado ao Engenheiro Jorge Gouveia foi mantida a designação de Serviço de Fomento Mineiro.
Ambas as propostas mereceram despacho homologatório do Senhor Secretário de Estado.
Com esta nomeação do Engenheiro Jorge Gouveia, nasceram esperanças de que o Serviço de Fomento Mineiro, não obstante a inconcebível amputação que sofreu, passaria, finalmente a dedicar-se sobretudo à concretização dos objectivos para que fora criado.
Tais esperanças, porém, cedo começaram a desvanecer-se.
Na realidade, em duas reuniões que connosco teve (a primeira em 1 de Fevereiro; a segunda em 7 de Março), o Eng.º Jorge Gouveia não se interessou minimamente pelos trabalhos que decorrem sob nossa responsabilidade, nem tão pouco sobre os resultados que têm sido alcançados.
As suas preocupações situaram-se, quase exclusivamente no domínio da nova Organização do Serviço de Fomento Mineiro, planeada pelo Director-Geral, a qual pretende pôr em funcionamento.
Ordens de Serviço que emitiu, escolhendo para seus mais directos colaboradores funcionários desacreditados, interna e externamente, com magro currículo ou mesmo sem currículo técnico, são bem esclarecedoras do rumo que pretende imprimir ao Serviço.
Lógico seria, portanto, prever que as dificuldades na execução dos trabalhos de prospecção a nosso cargo, às quais vimos aludindo insistentemente, há vários anos, ou se mantivessem ou se vissem ainda agravadas.
De facto, assim está acontecendo.
As amostras de solos da região de Caminha continuam a acumular-se no Laboratório de Geoquímica, sem que se tome decisão de voltarem a afazer-se as análises de tungsténio, não obstante termos conhecimento de que tal Laboratório tem enfrentado situações de subaproveitamento do seu pessoal.
No que respeita a sondagens não se vislumbra a mínima esperança de virem a iniciar-se, na Faixa Metalífera da Beira Litoral ou a retomar-se na Região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.
Continuarão, pois, por tempo indeterminado, sem investigação, anomalias geoquímicas e geofísicas de raro interesse, assim se bloqueando a sequência lógica das actividades das Secções de Talhadas e Caminha.
Até a estrangeiros que estiveram presente, em palestra que proferimos na Universidade de Aveiro, este facto provocou estupefacção.
É legítimo que estrangeiros se surpreendam de deliberadamente se atrasar o aproveitamento dos recursos mineiros nacionais, ao mesmo tempo que, a eles, estrangeiros, se recorre constantemente a mendigar empréstimos para resolução das nossas dificuldades.
Quanto ao gravímetro, que requisitamos em 19 de Janeiro, para ensaios de curta duração, há agora a promessa de ser cedido em breve. Aguarda-se apenas que termine um trabalho que a 1.ª Brigada de Prospecção está realizando no Algarve.

Jorge Gouveia demonstrou total insensibilidade perante o que leu, neste relatório trimestral,
Veremos, em próximos posts o seu empenhamento na destruição dos poucos núcleos do SFM, onde ainda se exercia, com honestidade, alguma actividade no campo.

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