terça-feira, 12 de outubro de 2010

142 - A minha colaboração com o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro.

Os meus contactos com a Universidade de Aveiro tiveram origem nas cordiais relações que eu mantinha, desde longa data, com o Professor Carlos Teixeira.
Nas minhas frequentes estadias em Lisboa, quando se me oferecia oportunidade, ia à Faculdade de Ciências, visitar este acérrimo defensor da Geologia, para cuja real importância sentia necessidade de chamar a atenção, pois nem sempre fora devidamente reconhecida pelos serviços oficiais.
Na visita que fiz em 17-11-74, Carlos Teixeira sugeriu-me que inserisse, no programa que ia cumprir no Alentejo, contactos com os Professores Britaldo Rodrigues e Herlânder Correia, e os auxiliasse na actividade do Departamento de Geologia, que estava em fase de instalação, na recém-instituída Universidade de Évora.
Era para mim óbvio que a colaboração com esta nova Universidade teria interesse mútuo, podendo ser de grande utilidade para os trabalhos de prospecção que eu dirigia no Sul do País.
Os Professores Britaldo e Herlânder ficaram muito reconhecidos pela minha atitude, manifestando até alguma surpresa pelo seu ineditismo.

Mas Britaldo Rodrigues não permaneceu muito tempo em Évora. Transferira-se para a Universidade de Aveiro, que também tinha sido recentemente instituída.
Em Janeiro de 1976, lembrando-se da minha disponibilidade para colaborar com estabelecimentos de ensino, veio ao meu gabinete em S. Mamede de Infesta, acompanhado do Professor Teixeira, para me convidar a participar em “Semana de Geoquímica” que a Universidade de Aveiro se propunha realizar. (Ver post n.º 76).

Na Semana, que se resumiu a dois dias (23 e 24 de Janeiro), estiveram presentes, além do Reitor e de docentes locais, representantes das Universidades de Lisboa, Porto, e Coimbra, do Serviço de Fomento Mineiro e da Direcção-Geral dos Serviços de Prospecção e Exploração Mineira da Junta de Energia Nuclear.

Ao Serviço de Fomento Mineiro coube a maior representação.
Eu e o Geólogo Dr. Orlando Gaspar, aproveitamos a presença de personalidades, com directa ou indirecta influência na nossa indústria mineira, para as estimular a desempenhar um papel activo na defesa do cumprimento, em bases científicas, do projecto de inventariação dos recursos minerais do País que consta do Decreto-lei n.º 29 725 de Junho 1939.
Eu manifestei a minha concordância quanto à grande utilidade da Geoquímica em prospecção mineira e, por isso, apoiava inteiramente o propósito da Universidade de Aveiro de dedicar especial atenção a esta matéria.
Exprimi, todavia, a opinião de que só de um conjunto diversificado de técnicas, criteriosamente aplicadas, seria possível dar cumprimento ao projecto referido.
Aproveitei o ensejo para chamar a atenção para desvios que estavam a ocorrer no cumprimento do projecto, com gravíssimas quebras da disciplina que sempre devia presidir a tão exigente programa.
Estava a verificar-se um escandaloso aproveitamento do Organismo para a satisfação de interesses pessoais, secundarizando ou esquecendo mesmo o interesse do País.
Advoguei a promoção do Serviço de Fomento Mineiro a Instituto Português de Investigação dos Recursos Minerais, sem subordinação ao Director-Geral de Minas, que estava a travar a sua capacidade de acção.
A este Instituto deveria atribuir-se mais amplo campo de actuação, que lhe permitisse chegar até à fase de exploração de jazigos minero-metalíferos, incluindo obviamente os de minérios radioactivos, pedreiras, águas mineralizadas ou não, carvões, petróleos, quando se não justificasse adjudicar a exploração a Empresa pública para o efeito constituída, ou a Empresa privada de comprovada idoneidade.

Embora tenha sido eu quem tomara a iniciativa de introduzir as técnicas geoquímicas no SFM (Ver post n.º 27), não me apresentei, neste Seminário, na qualidade, em que estava investido, de Chefe do Serviço de Prospecção Mineira do SFM, com área de actuação extensiva a todo o território nacional.
Por me ter sido retirada a chefia da 1.ª Brigada, com actuação a sul do Rio Tejo, apresentei-me apenas como Chefe da 2.ª Brigada, com área de actuação a Norte daquele rio.
Alguns dos professores universitários presentes, conhecedores do meu currículo, estranharam a minha atitude e procuraram saber as causas e eu não tive dúvidas em apontar para Goinhas, que tinha vindo representar a 1.ª Brigada de Prospecção, como um dos grandes responsáveis pela minha demissão da chefia dessa Brigada.
Em apoio de sugestões que eu apresentara, o Professor Portugal Ferreira, da Universidade de Coimbra manifestou surpresa por terem terminado os Trabalhos Mineiros no SFM, acentuando que “é neles que se vê a realidade mineira”.
No mesmo sentido, o Professor Aires de Barros observou que a criação de um “Gabinete para a Prospecção e Exploração de Petróleos”, liberto da subordinação a um Director-Geral de Minas, tinha permitido que empresas especializadas estivessem a efectuar sondagens, tanto na parte emersa, como na zona imersa do território nacional.

Na qualidade de Chefe da 2.ª Brigada, revelei a extensa aplicação da técnica geoquímica nas regiões de Moncorvo, Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima e na designada Faixa Metalífera da Beira Litoral, que abrange grande parte da área do distrito de Aveiro.
Salientei o facto de nesta Faixa estarem já cobertos pela técnica geoquímica, com amostragem sobretudo de sedimentos de linhas de água, cerca de 1800 km2.
Mostrei ampla abertura quanto à intervenção da Universidade de Aveiro, no estudo desta Faixa, não apenas em matéria de geoquímica, mas sobretudo no âmbito da geologia.

De facto, embora tivessem ingressado recentemente numerosos Geólogos no Quadro de Técnicos do SFM, nenhum fora destacado para colaborar no estudo desta Faixa, porque o Director-Geral de Minas “não sentia entusiasmo com filões”!
A Britaldo Rodrigues e a Edmundo Fonseca, recomendei que aproveitassem zonas de anomalias geoquímicas já evidenciadas pelo SFM, para prosseguirem na sua investigação, com vista a determinar a sua causa (possíveis jazigos minerais), quer por docentes quer por alunos da Universidade de Aveiro.

Em representação da 1.ª Brigada de Prospecção, eu esperava que comparecesse o Engenheiro Vítor Borralho, cujo ingresso no SFM tinha sido por mim proposto, para o encarregar de dirigir os trabalhos de prospecção geoquímica daquela Brigada.
Não foi, porém, isso que aconteceu.
Foi o Geólogo José Goinhas quem aceitou desempenhar esse papel, embora a sua actividade na Brigada pouco tivesse a ver com a matéria do Seminário.
A ausência de Vítor Borralho, foi justificava com súbita doença, mas a realidade era outra.
Vítor Borralho andava muito empenhado em actividades políticas.
Já que não tinha conseguido o cargo de Governador Civil de Beja, para que chegou a ser indigitado, procurava agora cargo de Administrador de Minas de Aljustrel, o que viria a alcançar.
Por outro lado, teria alguma dificuldade em me enfrentar, após o vergonhoso documento que subscreveu, o qual contribuiu para a minha demissão da chefia da 1.º Brigada.

José Goinhas, começou a sua intervenção por explicar a sua presença, não sendo o especialista da Brigada na matéria em análise, acentuando que a 1.ª Brigada de Prospecção, que vinha representar era também uma criação do Senhor Engenheiro Rocha Gomes. Neste elogio, ignorara a contradição com o documento que subscrevera em 1975!
A sua exposição esteve longe de dar o devido relevo à importância que eu tinha dedicado, na 1.ª Brigada de Prospecção às técnicas geoquímicas. Não foi acentuado que todo um andar de um edifício contíguo às principais instalações do SFM em Beja, foi dedicado à prospecção geoquímica, tendo nele sido instalado um laboratório para suprir a incapacidade do Laboratório de S. Mamede de Infesta para realizar, em tempo útil, as análises que lhe eram solicitadas.
Neste Laboratório de Beja, passaram a fazer-se análises, não só de amostras de áreas em estudo no Sul do País, mas também da Faixa Metalífera da Beira Litoral.

A convite dos organizadores do Seminário, assumi a presidência de uma das sessões.

Britaldo Rodrigues ainda tomou a iniciativa de convocar alguns dos intervenientes neste Seminário para organizar um Curso pós-graduação de Extensão Geoquímica, chegando a convidar-me a participar no respectivo corpo docente.
Todavia não foi, também, longa a sua presença na Universidade de Aveiro. Passou pela Universidade dos Açores, foi Director-Geral do Ensino Superior em 1980-81 e foi depois chamado a exercer cargo de Secretário de Estado.

O entusiasmo pela Geoquímica abrandou, após a saída do seu principal impulsionador.

Mas, em 1978, conforme tive oportunidade de referir no post n.º 138 , Edmundo Fonseca mostrou grande interesse na minha colaboração, da qual disse necessitar “como do pão para a boca”, em Seminário Internacional de Geoquímica que estava a organizar.
Foi com todo o gosto que acedi ao seu pedido e Edmundo Fonseca acabou por aproveitar a informação, que então divulguei, quanto ao êxito do SFM na redescoberta da antiga Mina de chumbo e zinco do Sanguinheiro, para usar área envolvente desta Mina como a principal matéria da sua tese de doutoramento.

Em Maio de 1982, o Departamento de Geociências voltou a manifestar um grande empenho na minha colaboração na preparação dos seus alunos do Curso de Engenharia Geológica.
Quiseram primeiramente, apreciar”in loco” as actividades que eu dirigia no campo.
Nesse sentido, proporcionei visita aos trabalhos que decorriam na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima aos docentes Renato Araújo, Frederico Machado, Celso, Severo e Ernesto.
Revelei as potencialidades da área e os resultados já conseguidos pelo SFM, os quais estiveram na base de explorações lucrativas por empresa privada e de contratos de prospecção com outras empresas.
Eu tinha levado documentação respeitante à Faixa Metalífera da Beira litoral, para estimular a Universidade de Aveiro a colaborar no seu estudo, mas não houve tempo para a analisar.
Combinou-se novo encontro em Aveiro.

No encontro que se realizou, em Junho de 1982, participaram os docentes Renato Araújo, Frederico Machado, Edmundo Fonseca, Celso, Serrano Pinto, Severo, Luís Menezes e Fernando Ernesto.
Voltou a encarar-se a minha colaboração em prospecção e eu manifestei, então, a minha estupefacção por a Universidade ter aceite que o Geólogo Santos Oliveira também tivesse sido convidado a participar no seu corpo docente.
De facto, parecia-me uma atitude muito infeliz, que não contribuiria para o desejável prestígio do Departamento, pois eu considerava este Geólogo um dos grandes responsáveis por atrasos e erros graves no cumprimento dos programas do SFM. (a este respeito ver posts n.ºs 94, 114, 127 e 135).
Argumentaram que, Santos Oliveira lhes prometera disponibilizar equipamentos do Laboratório de S. Mamede de Infesta, de que fora designado Director, após a aposentação do Engenheiro Orlando Cardoso.
A minha estupefacção aumentou ainda, pois havia milhares de amostras que eu tinha enviado para análise cujos resultados não surgiam, sendo de meu conhecimento que se decidira não proceder a essas análises.
Tais amostras estiveram até a caminho de destruição, quando Orlando Cardoso as abandonara no seu gabinete. Consegui salvá-las por grande casualidade.
Mas não consegui salvar mais de uma centena de milhares da Faixa Metalífera da Beira Litoral, que tinham sido objecto apenas de análises expeditas, no Laboratório de Beja, para metais pesados, a frio, pelo método de Bloom e que aguardavam análises de Cu, Pb e Zn, por absorção atómica, nos excelentes Laboratórios de Química de S. Mamede de Infesta. Este foi um crime da inteira responsabilidade de Santos Oliveira.
Por todas estas razões, eu não me sentia disposto a participar num corpo docente que incluísse tal personagem.

Não tendo participado no corpo docente do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, passei, porém, a partir do ano lectivo de 1981-92, a prestar contínua colaboração, nas variadas técnicas da prospecção mineira, não apenas nas geoquímicas.

Deu-se o caso de os Engenheiros Luís Fuentefria Menezes Pinheiro e Fernando Ernesto Rocha de Almeida, sendo já docentes deste Departamento, se aperceberam da lacuna na sua formação, no âmbito da prospecção mineira.
Ambos tinham concluído a licenciatura anteriormente ao ano em que eu dera as primeiras aulas na Faculdade de Engenharia, não tendo tido, por isso, oportunidade de frequentar a cadeira.
Vieram solicitar-me permissão para assistirem às minhas aulas, na Faculdade de Ciências.
O pedido foi obviamente satisfeito e foi com grande satisfação que observei o entusiasmo com que ambos acompanharam as lições teóricas e práticas de campo e de gabinete.
O seu entusiasmo foi ao ponto de conseguirem que a Universidade de Aveiro adquirisse alguns equipamentos que acabaram por ser de grande utilidade para o prosseguimento dois trabalhos na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha - Ponte de Lima, assim atenuando os obstáculos que internamente me estavam a ser sistematicamente criados.
Mas os referidos Engenheiros não se limitaram a frequentar as aulas durante o ano de 1981-82. Voltaram no ano de 1982-83, tornando as aulas mais atractivas, pelas suas frequentes e oportunas intervenções.
Tornaram-se, além disso, óptimos companheiros, quando semanalmente me deslocava ao campo para ter acção directa nos trabalhos de prospecção que decorria na região de Vila Nova de Cerveira – Caminha – Ponte de Lima.
Saindo a horas matutinas de Aveiro, surgiam pontualmente, às 8 horas, nas instalações do SFM em S. Mamede de Infesta, frequentemente acompanhados de outros docentes e de grupos mais ou menos numerosos de alunos e todos participavam nas observações pelas variadas técnicas que estavam a ser aplicadas.
Cheguei a ter que utilizar meios de transporte da Universidade de Aveiro, além dos seus equipamentos, para que os trabalhos pudessem prosseguir, com rendimento, pois no SFM até obstáculos me eram criados no uso de viaturas ou no fornecimento de senhas para abastecimento de combustível, para me deslocar ao campo.
Foram mais de 40 os dias em que estes colegas colaboraram nos estudos da região referida e, por vezes, foi-me difícil convencê-los a dar por terminado o trabalho, pelas 17 horas, pois eles não queriam sair, sem que anomalia que tinha surgido estivesse completamente definida!

Jorge Gouveia mantinha-se completamente alheio a este ambiente saudável de trabalho, que devia servir de exemplo da estreita colaboração que deveria existir entre o SFM e os estabelecimentos de ensino, tal como defendia o novo Director-Geral.

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